Os mercados de matérias-primas terminaram a semana com uma correção face às subidas de preços dos dias anteriores. À data de fecho na sexta-feira, o preço do trigo era 33% superior ao do mês anterior, mas no início da semana passada chegou a ser 70% superior. O preço do petróleo Brent subiu 21% face ao mês anterior, mas já esteve 35% mais alto. Já no caso do gás, o preço do gás americano subiu 30% no último mês. Apesar desta enorme volatilidade, a escalada nos preços das matérias-primas, sobretudo bens petrolíferos e agrícolas, nos mercados internacionais dificilmente deixará de ter um efeito significativo nos preços dos combustíveis e da alimentação nas próximas semanas, embora seja difícil quantificar devido à enorme indefinição sobre a evolução da guerra.

A União Europeia e o Governo português têm-se concentrado, nos últimos dias, em procurar limitar os aumentos dos preços combustíveis, cujo impacto é transversal a toda a economia. No entanto, a evolução dos preços dos bens alimentares pode tornar-se também um elemento de pressão sobre a economia nas próximas semanas.

Por exemplo, na passada sexta-feira a Organização para a Alimentação e para a Agricultura, FAO alertou para um possível aumento nos preços dos bens alimentares em cerca de 20%, devido à incerteza sobre a capacidade de produção e exportação da Rússia e da Ucrânia, que se encontram entre os maiores exportadores mundiais de cereais, em particular do trigo.

Em 2015, o peso da habitação, gás, eletricidade, alimentação e transportes era de 65% do consumo total das famílias portuguesas mais pobres. Para as famílias com maiores rendimentos, essa percentagem descia para 55%. A alimentação representava 18% do consumo total para as famílias de menores rendimentos, enquanto nas famílias de classe média, o custo de transportes representava cerca de 15% do consumo total.

No curto prazo, é possível procurar novos fornecedores e apoiar as famílias mais pobres, mas no longo prazo será necessária uma mudança mais profunda nas transações internacionais. Ainda que os preços desçam na próxima semana, o verdadeiro sinal que os mercados nos estão a dar é de que o mundo vai ser muito diferente depois desta guerra. O isolamento económico da Rússia pela maioria dos grandes blocos, exceto pela China e pela Ásia, vai voltar a separar o mundo em dois hemisférios. Neste cenário em que as relações políticas e económicas entre as democracias liberais se intensificam, é desejável, por exemplo, alargar a outros setores as negociações que já estão a decorrer no setor tecnológico através do Conselho Comercial e Tecnológico.

Com o celeiro da Europa em guerra, poderá ser necessário fazer cedências e reduzir as barreiras ao comércio de bens agrícolas, dos dois lados do Atlântico.

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