‘Chicago’, de Sufjan Stevens, é a canção que acompanha o genérico da série da Netflix ‘The Politician’. Nesta misturam-se assuntos sérios com comédia, a que se soma a mais-valia de Ben Platt ser um excelente músico e intérprete. A letra da referida música, que é uma balada meio naïve, meio o estilo de Jack Kerouac no ‘On the Road’, com pontas de misticismo e uma busca de algo espiritual que não se sabe bem o que possa ser, contém uma frase de que me servi para ajudar no título desta crónica: I made a lot of mistakes. Só há um pequeno grande detalhe que é o ‘eu’, neste caso, não ser eu, mas o nosso país: Portugal. Os erros que se cometem há anos e que teimamos em não corrigir. Daí a pequena alteração para compor o título.

Decidi debruçar-me sobre este tema porque nos preparamos para receber mais um pacote de ajuda europeu e também porque passam 35 anos da adesão de Portugal à CEE. À época, a entrada de Portugal no grupo restrito dos que constituiriam os doze da Europa não era apenas uma honra, mas o culminar de um destino glorioso. Finalmente, 12 anos após a instauração da democracia, Portugal ia desenvolver-se.  E ia fazê-lo de forma sustentada. Os pecados do passado seriam evitados e os jovens e crianças de então (a que atempadamente se juntariam os filhos e netos destes) teriam uma vida próspera e feliz. O país desenvolver-se-ia e nunca mais seria preciso os Portugueses emigrarem em busca de uma vida melhor. Encarado deste ponto de vista, Portugal fracassou no seu projecto europeu.

Como é que isto foi possível?

É importante responder a esta pergunta para que as nossas decisões futuras sejam mais conscientes. Podemos repetir os erros, mas se o fizermos será porque o quisemos; não porque nos deixámos andar como na melodia de Sufjan Stevens.

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A resposta à pergunta por que falhámos o desafio europeu pode ser dada Antero de Quental. Foi a 27 de Maio de 1871, fez por estes dias 150 anos, naquela que foi a segunda conferência do casino que Antero de Quental avançou três causas que, no seu entendimento, explicavam a decadência dos povos peninsulares. Para aquele socialista de outro tempo a primeira razão para a decadência foi Portugal se ter lançado no desconhecido ao mesmo tempo que abandonava o cultivo da terra. Com os descobrimentos o país passou a viver de dívida ao ponto de as riquezas provenientes da Índia se perderem nesse drama que nos acompanha desde então. A segunda causa teria sido a expulsão dos judeus, das pessoas com capital, com conhecimento e com vontade de saber. A terceira, o centralismo do poder em Lisboa, o facto de Portugal, no decorrer dos três séculos anteriores, ter sido governado a partir de Lisboa por uma aristocracia pobre e inculta. No seu entender o país perdera o apreço pelo trabalho, pelo capital e pela poupança; através da segunda causa esquecera a liberdade moral que exige pensamento e que pressupõe independência. Por via da terceira, a política desapareceu do país que se limitou a seguir instruções de um poder centralizado.

Se Antero se deu ao trabalho de apontar estes motivos como explicadores da decadência de Portugal, poucos o escutaram ou se o fizeram menos ainda lhe ligaram. Os erros mantiveram-se e, tanto em 1986 como nos 35 anos que se seguiram, estiveram presentes. Foram estas as causas também do nosso fracasso na Europa, da nossa incapacidade para aproveitarmos a oportunidade de  ouro que foi a moeda única europeia. Com erros continuados conseguimos transformar uma moeda forte num obstáculo ao desenvolvimento sustentável. É obra. Com uma dívida pública a rondar os 140% do PIB, viciados em dinheiro fácil, só um desastre colectivo permitiria que a comunidade mudasse.

Na semana passada teve lugar a convenção do MEL, aquela que procurou ser um encontro das direitas. Estas chocaram entre si, mais do que dialogaram. Não houve entendimento, menos ainda consensos. Os críticos dizem que a direita tem de apresentar soluções, ir ao encontro da maioria da população, o que ainda não fez. Não concordo. A direita já apresentou soluções. Fê-lo entre 2011 e 2015. Os resultados foram positivos, mas a maioria do eleitorado escolheu outro caminho. A democracia é isto; implica respeitar isto. Na mesma convenção, o socialista não alinhado, Álvaro Beleza, mencionou que só em democracia há crescimento económico e desenvolvimento justo e sustentado. É verdade. Mas também não é mentira que, por via democrática, a maioria do país pode decidir empobrecer. Pode preferir viver pior. Enquanto defensores da democracia nada podemos fazer que não seja convencer esse eleitorado a mudar de opinião. Não o contrário; não a mudar de opinião para ir ao encontro da maioria, principalmente quando essa maioria vive dos meios levam ao empobrecimento do país.

Há uma alternativa ao actual governo de esquerda que passa por concentrar o Estado nas suas funções essenciais (Justiça, Defesa, Representação Externa e Segurança); fazer do Estado, não o maior prestador dos serviços de Saúde e Educação, mas um auxiliador que permita, a quem não tem meios, o acesso a esses cuidados de saúde e educação de modo igual a todos os outros; uma política que não ataque o capital, fomente a poupança, não faça a economia depender do consumo (até porque não é ecológico, realidade a que esta esquerda fecha os olhos); que liberalize o mercado do arrendamento e do trabalho, dote o país de previsibilidade fiscal, de um sistema de Justiça célere e consiga (e use) o excedente das contas públicas na liquidação de dívida pública. Estas mudanças, simples de enunciar e difíceis de levar à prática porque a maioria do país depende precisamente do contrário, dariam conta da existência de um Estado bem governado que garantisse boas perspectivas a quem desejasse aqui investir.

Uma cidade muito interessante para visitar é Amesterdão. Nesta encontra-se o Portugal que mandámos embora. O país que escolhemos não ser. A Holanda é o maior concorrente com que Portugal se deparou ao longo da sua história. Não é a Espanha que é maior, mas a Holanda que,  com menos território tem mais população e se tornou num dos países mais ricos e com melhor qualidade de vida do mundo. Quando, nos finais do século XVIII, John Adams, então a viver na Europa, decide contrair empréstimos para a jovem nação norte-americana, é para Amesterdão que se dirige e onde fica meses. John Adams não veio a Lisboa. Aliás, o seu filho, John Quincy Adams, ao ser escolhido para embaixador dos EUA em Portugal, cedo foi libertado desse purgatório e não chegou a colocar cá os pés. Claro que conseguimos muita coisa que escaparam aos Holandeses. A primeira é a universalidade da língua portuguesa. Mas quando discutimos qualidade de vida temos de perceber porque somos mais pobres. Essa realidade, nos últimos anos, resultou de uma escolha democrática e como democratas, ou fazemos para a mudar ou tentamos convencer, através do argumento, que o caminho pode ser outro. Com  a consciência que, enquanto o país beneficiar do veneno que é o dinheiro barato do BCE, o PS tem uma passadeira vermelha estendida até ao poder.

Ainda estou para perceber se, à semelhança da canção de Stevens, a maioria do país erra sabendo que erra e não se importa com isso, se não tem consciência ou, se a tem, sabe que individualmente ninguém pode mudar o que, há anos, é uma tendência colectiva. Se esta terceira hipótese for a verdadeira, a sabedoria talvez seja a de, porque empobrecemos, o melhor é que se tire o máximo proveito antes que a folga acabe. Não é mais que a velha arte do desenrascanço. Um dia de cada vez; é assim que o país vive. E foi desse modo que os anos passaram.