Wealthtech surge da junção de wealth (riqueza) com tecnologia. As soluções deste segmento criam produtos e serviços digitais, que melhoram a actividade dos diferentes intervenientes na cadeia de valor da poupança, investimentos e gestão de activos. Portugal vive uma situação crónica em termos de índices de poupança, que torna muito difícil criar reservas nas famílias para aguentar choques em períodos de crise. Poderá o wealthtech ajudar?
Ao nível das famílias, números recentes demonstram que cerca de 30% dos Portugueses não planeiam o seu orçamento familiar e que cerca de 40% não faz qualquer poupança. Isto resulta numa taxa de poupança média muito baixa. Com base em dados recolhidos na PORDATA, nas últimas décadas Portugal tem vivido oscilações desta taxa devido às inúmeras crises (em tempos de crise, o rácio tipicamente aumenta), mas este valor tem sido inferior a 7%, quase três pontos percentuais abaixo da média da União Europeia. Estamos na cauda europeia deste indicador, bem longe do grupo da frente onde estão países como a Alemanha, Luxemburgo, Suécia e Holanda. Todos conhecemos os índices de desenvolvimento destes países. As taxas médias de poupança deste grupo de países é de cerca de 18%.
Obviamente, que no contexto da crise pandémica provocada pela Covid-19, com graves consequências tanto a nível de procura como de oferta, o consumo ganha elevada importância e quem tiver capacidade é mais do que convidado a consumir. Mas esta reflexão é mais profunda e de longo prazo, e teria sido especialmente eficaz nos raros tempos de alguma acalmia financeira, como os últimos cinco anos muito favorecidos por exógenos e irrepetíveis factores macroeconómicos e geopolíticos. A famosa fábula infantil da cigarra e da formiga poderia ter sido o melhor professor de economia. Mas podemos exigir isso aos Portugueses se o nosso Governo incentivou em todas as vias possíveis (incluindo as fiscais) o consumo? Este “Inverno” pandémico, que nos reserva ainda muitas falências, poderia ter sido relativamente menos angustiante?
O rendimento disponível bruto português é muito baixo, o que não ajuda. Mas como podemos quebrar esta amarra? Continuar a taxar quem gera riqueza e quem cria empregos, não é, certamente, boa política. Basta ver a exagerada alocação dos fundos europeus de resposta à Covid-19 em serviços públicos e quimeras energéticas, para percebermos que as empresas (em especial as micro e pequenas empresas) não são uma prioridade. Layoffs, moratórias e crédito com garantia são analgésicos úteis, mas não são curas. O tecido empresarial precisa urgentemente de capital e que se criem incentivos para que este venha para Portugal. O reforço do Banco de Fomento com alavancagem europeia é uma boa notícia, mas ainda, manifestamente, insuficiente.
Os jovens da minha geração começaram a sua vida profissional com a plena consciência da insustentabilidade do sistema de pensões. Se trabalharmos em média 40 anos, cerca de 14 são para este desequilibrado contrato entre gerações. As projecções do livro publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos ,sob coordenação de Amílcar Moreira, “Sustentabilidade do sistema de pensões português”, não são animadoras: entre 2020 e 2045, o número de pensionistas deverá crescer de cerca de 2,7 milhões para 3,3 milhões. Na população activa é esperada uma redução trabalhadores em cerca de 37% até 2070. Ganha elevada importância a poupança particular de longo prazo, seja qual for o nível de rendimentos, de forma proporcional, regular e gradual. E o que tem o wealthtech para ajudar?
Dos vários segmentos do wealthtech, há vários factores que são particularmente importantes. Ao serem digitais, tentam trazer princípios de simplicidade na experiência de utilização, bem como recorrência, automatização e democratização. Estes factores são particularmente importantes para os jovens, que têm menor índice de literacia financeira e menos capital para poupar, mas são muito propensos a utilizar soluções digitais. Exemplificar alguns casos de uso do wealthtech pode ajudar a tornar tangíveis as suas vantagens:
- Assistente de finanças pessoais digital: mais conhecidos como PFM’s (Personal Finance Managers), tipicamente agregam as contas de todos bancos e ajudam a saber onde estamos a alocar o orçamento pessoal. Cria alertas para nos ajudar a gerir as nossas finanças de forma mais saudável. Exemplos internacionais com o Fintonic são boas referências. Normalmente, estes assistentes estão apoiados em empresas de software de agregação, como a portuguesa hAPI. Em Portugal, é interessante notar alguns exemplos de players mais maduros como o Fidelidade My Savings, o BiG Total Banking, o Dabox ou o Moey.
- Micro-Investimentos: poupar deve ser um hábito recorrente. A Stash ajuda ao arredondar os gastos diários, transferindo esses arredondamentos para uma conta à parte imediatamente investida. A portuguesa Coverflex permite aos empregados aplicar de forma 100% digital os benefícios que o seu empregador lhes transfere para produtos de investimento.
- Assessoria financeira, objectivos e valores do cliente: mundialmente, a democratização da assessoria financeira tem sido feita por robo-advisors tais como a Nutmeg, que automatizam o investimento de forma adequada ao perfil de risco dos clientes, ajudam a chegar aos objectivos (comprar um carro, poupar para a reforma, etc.) e a alinhar os valores do cliente (investir em empresas sustentáveis, não poluentes, etc.). A portuguesa Finlayer tem focado a sua actividade em apoiar assessores independentes a optimizar as suas operações e poder dedicar mais tempo aos seus clientes.
O wealthtech é ainda um pequeno segmento dentro do ecossistema fintech nacional, como poderá ver pelo Portugal Fintech Report. Mas dada a situação de aforro nacional, será fácil concluir que o wealthtech pode ajudar a criar os tão necessários hábitos de poupança que Portugal tanto precisa.
João Freire de Andrade é ExecutiveDirector da BiGStartVentures. Fundador e presidente da Portugal Fintech, completou o curso de Fintech do MIT. Licenciou-se em Economia pela Nova SBE e tem um mestrado em Management and Finance da Católica LisbonSBE, onde criou e lecciona a primeira cadeira de Fintech num mestrado de Finanças em Portugal.
O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.