Um catalisador aumenta a velocidade de uma reação química sem ser consumido pela mesma, oferecendo um caminho mais rápido para o mesmo destino. Processos que beneficiam a nossa vida quase quotidianamente, como fazer pão, ocorrem em minutos e não anos porque o processo usufrui do trabalho catalisador das enzimas presentes nas leveduras. Estas moléculas permitem que a energia de activação seja mais baixa para a mesma transformação ocorrer. Quanto tempo demorará o setor financeiro a usar as startups de Fintech, Insurtech e Regtech como catalisador da sua transformação digital? Desta forma, o sonho de ter uma interação verdadeiramente digital com o sector financeiro poderia, efetivamente, passar a ser “o pão nosso de cada dia”.

É inegável que os incumbentes já começaram este processo, mas ainda sem resultados práticos massificados. Porque é que energia de ativação não foi ainda suficiente? Falta de foco? Orçamento? Atritos na decisão e navegação das políticas internas da organização? Sistemas informáticos desatualizados? Compliance? Quase parece uma equação impossível de ser resolvida, mas poderão estes catalisadores oferecer parte da resposta?

Acredito que o setor será muito diferente no curto-médio prazo. O impacto do Fintech a nível global já não é marginal. Desde 2017 que as apps financeiras mais descarregadas nos Estados Unidos da América são de Fintechs. Em apenas quatro anos de existência, Yu’e Bao (o fundo que nasceu para rentabilizar o dinheiro sem utilização na wallet do Alibaba) atingiu mais de 165 mil milhões de dólares americanos, superando os maiores nomes do sector como a J.P. Morgan ou a Vanguard. Em Portugal, o Revolut já tem mais clientes que a maioria dos pequenos bancos. O receio do que poderá vir já está instalado nos incumbentes. Há poucos meses a Google adquiriu a licença de e-money e começou a comprar fintechs a operar na Europa. Significará isto a extinção dos bancos e seguradoras? Apostaria mais numa metamorfose que será tão mais rápida e economicamente viável quanto mais se usarem startups como catalisadores. Há exemplos nacionais e internacionais inspiradores e ao alcance de qualquer incumbente.

Fintech: A nível europeu a Raisin, criou um marketplace de depósitos a prazo que permite aos aforradores terem acesso a taxas superiores de bancos de outros países da Europa. Por outro lado, os bancos captam assim ativos noutros mercados em que há mais capital disponível, sempre com o fundo de garantia de depósitos.

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Em Portugal a Bankonnect já permite a bancos nacionais agregar as contas de todos os bancos do seu cliente mesmo antes da efetivação do PSD2 (2ª Directiva dos Serviços de Pagamentos, que vai obrigar os bancos a abrir a sua infraestrutura através de API’s).

Insurtech: A BIMA usa o telemóvel para distribuir seguros de saúde com preços adequados a 24 milhões de clientes, nas economias em desenvolvimento. Desta forma a Allianz consegue servir a base da pirâmide com um seguro rentável e sustentável.

Em Portugal a Drivit já permite às seguradoras oferecer um preço justo para cada condutor, baseado na qualidade da sua condução. Além disso têm essa capacidade para frotas e carros eléctricos, relacionando a localização com ofertas específicas orientadas a uma experiência de utilização próxima das necessidades diárias dos clientes. Desta forma as seguradoras são mais eficientes, melhoram os seus rácios e ganham relevância no ecossistema automóvel.

Regtech: A APIAX, uma empresa Suíça, criou uma ferramenta que parece ser a melhor amiga dos departamentos de compliance. Atualmente já trabalha com grandes bancos globais e tem como principal caso de uso a transformação das complexas regulações financeiras em regras objetivas de compliance, fáceis de usar  em formato digital por quem as tem que seguir.

Em Portugal a LOQR já permite aberturas de conta em formato digital, de forma simultaneamente compliant e fluída a vários bancos nacionais e internacionais. Parece uma tarefa simples mas, até meados de 2017, era irregular e esta startup entrega, em estilo “chave na mão”, inúmeros atalhos aos complexos processos internos de compliance e sistemas de informação dos bancos. Desta forma, as equipas de marketing atingem o seu objectivo: baixar barreiras de entrada e melhorar a experiência do cliente.

Os incumbentes gozam ainda de várias vantagens, tais como o enorme número de clientes com a natural inércia em mudar de banco ou seguradora. Têm também muita experiência regulatória e de compliance. Não faria sentido aproveitarem a agilidade e qualidade tecnológica das startups para equiparem os seus clientes com as melhores ofertas?

O forno está quente e só não temos mais (e melhor) pão se não quisermos. O sector financeiro português vai continuar anos à espera de resultados ou passar a usar catalisadores?

João Freire de Andrade é ‘Head of Venture Capital’ na BiG Start Ventures. Fundador e Presidente da Portugal Fintech, completou o curso de Fintech do MIT. Licenciou-se em Economia pela Nova SBE e tem um mestrado em Management and Finance da Católica Lisbon SBE, onde criou e leciona a primeira cadeira de Fintech num mestrado de Finanças em Portugal.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.