Nesta semana em que Lisboa recebe a Web Summit, a Bitcoin (uma das mais famosas moedas criptográficas) volta a bater recordes de valorização. Cada unidade vale hoje 6.284 euros e, exatamente há um mês, valia 3.711 euros. Isto significa uma valorização mensal de 69%, o que é extremamente tentador num ambiente em que o retorno dos ativos financeiros clássicos é praticamente inexistente. Em que se baseia esta moeda que não tem um banco central ou governo por trás? Será mesmo uma alteração estrutural para a forma como o valor é transacionado e guardado ou mais uma bolha especulativa ao estilo das tulipas holandesas em 1636? O que é fachada e o que é estrutural nesta realidade?

Parte das respostas a estas perguntas está relacionada com a infraestrutura por detrás da Bitcoin. Falo do blockchain, um sistema em que não é possível alterar o registo de troca de propriedade pois está distribuído por toda a rede e que, até agora, ninguém conseguiu comprometer. Este facto confere muito valor à Bitcoin e permite um sem número de casos de uso que estão a ser massivamente explorados.

Também Portugal vive a dúvida do que é fachada e do que é estrutural na Web Summit. A minha opinião é clara: é muito positivo. Obviamente que o aproveitamento político e mediático deste evento foi muito exagerado, o que não é surpreendente dada a obsessão de dar boas notícias aos portugueses nos últimos anos. Mas as 60 mil pessoas que vêm à conferência representam muito mais do que isso e o impacto que podem ter para a nossa economia é exponencialmente superior ao de um típico turista de cruzeiro.

Não nos podemos esquecer que vão marcar presença centenas de investidores – e que entre eles está quem tenha investido e apoiado o crescimento de empresas como Facebook, Paypal ou Dropbox – e as empresas portuguesas podem ter exposição a estes investidores. Este facto ganha uma importância redobrada quando pensamos que, em 2011, no início da última crise (que parece já estar esquecida), 42% da indústria portuguesa competia com os mesmos fatores de diferenciação que a China, sem valor acrescentado e sem potencial para aumentar a qualidade de vida dos portugueses. O empreendedorismo tecnológico representa exatamente o contrário: alto valor acrescentado e um potencial de escalabilidade e exportação quase global. Basta olhar para exemplos como a Feedzai que mantém grande parte da sua equipa tecnológica em Portugal, enquanto pensa faturar em 2018 perto de 130 milhões de euros quase exclusivamente fora do país.

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Foi referido o blockchain e este está no campo da infraestrutura que é apenas um dos verticais base do fintech e Portugal, como comprovado pelo Portuguese Fintech Report 2017, tem fintechs com muito valor em qualquer um destes segmentos:

  • Marketplaces (criação de novos mercados não existentes ou eficientes até agora): a Seedrs, empresa de equity crowdfunding, permite a qualquer empresa vender as suas acções a partir de um montante muito reduzido;
  • Money and payments (novas formas de utilizar dinheiro e guardar valor): a Switch Payments integra os milhares de métodos de pagamento que estão a surgir e aglomera-os num só ponto de contacto com o cliente final;
  • Infrastructure (estrutura base onde assenta a nova realidade do sector financeiro): a Loqr tem um sistema de gestão de identidade e abertura de conta 100% online;
  • Markets and enablers (desenvolvimento algorítmico e software que, por ser distribuído em “Software as a Service”, é economicamente viável para empresas pequenas): a James utiliza machine learning e algoritmia complexa para ajudar os bancos a concederem crédito de forma mais consciente.

Estes são apenas alguns dos muitos bons exemplos de empresas portuguesas a criar trabalho estrutural e que, graças à Web Summit, estão expostas a vários ingredientes importantes para o seu crescimento. É por isso que a Web Summit pode ajudar a um crescimento mais explosivamente positivo do que a Bitcoin para um país em que a economia, apesar de melhor e a aproveitar fatores exógenos e cíclicos positivos, tem ainda muitas alterações estruturais a fazer.

João Freire de Andrade é ‘head of venture capital’ na BiG Start Ventures, fundo português de capital de risco focado em Fintech. O gosto pelo empreendedorismo foi despertado durante o meio ano que esteve em Moçambique no projecto Move Microcrédito, onde apoiou a criação de sete negócios de pessoas carenciadas. Foi fundador e presidente do BET – Bring Entrepreneurs Together, a maior organização de empreendedorismo jovem em Portugal, e da Portugal Fintech network. Licenciou-se em Economia pela Nova School of Business and Economics e tem um mestrado em Management and Finance da Católica Lisbon School of Business and Economics. Regressou à Nova SBE para lecionar no mestrado de Finanças. Terminou este ano o curso de Fintech do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.