Uma das grandes questões com a qual sempre se depararam as sociedades é como repartir os ganhos gerados pelos seus cidadãos e empresas, mais precisamente o que é retido por estes agentes e o que é apropriado pelo Estado e redistribuído ou aplicado em infraestruturas e serviços em prol da comunidade.

Aqui entram em discussão preocupações de natureza económica: como motivar os diversos agentes para assumir risco, inovar e criar riqueza; mas também de responsabilidade e justiça social: como garantir uma distribuição justa e equilibrada desta riqueza e qual a fronteira entre direitos individuais e o bem comum.

Se as experiências falhadas dos regimes comunistas de planeamento central são elucidativas de, pelo menos, o que não se deve fazer, nas sociedades ocidentais modernas tem sido comummente aceite que o respeito da lei e da propriedade privada, conjugadas com a liberdade de atuar num mercado livre em condições de concorrência são a abordagem a seguir.

Esta filosofia política tem implícita a confiança que, garantindo as condições de base para um ambiente concorrencial, ocorra uma geração de valor e sua distribuição baseada no mérito de cada agente em aproveitar as condições de mercado a cada momento.

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Em virtude de prestar assessoria em operações de fusão e aquisição, tendo como clientes multinacionais, fundos de capital de risco e empresas nacionais de excelência, experienciei em primeira mão os resultados positivos das empresas apostarem na meritocracia.

Quer seja pela cultura de ambição e qualidade, pela aprendizagem contínua e aposta em formação ou pelo incentivo à inovação e risco controlado, empresas que promovem a responsabilização e meritocracia destacam-se por uma maior criação de valor, motivação, retenção e empenho dos seus colaboradores.

Esta dinâmica gera ainda um conjunto de externalidades positivas para a sociedade, assentes no crescimento e desenvolvimento do tecido económico envolvente.

No entanto, o acentuar do fenómeno da desigualdade económica, e suas consequências sociais, atribuído a uma partilha desnivelada dos ganhos da globalização e ainda mais exacerbado com a pandemia da COVID-19 e as recentes pressões inflacionistas, tem levado alguns autores a levantar reservas e alertar para as limitações a abordagens cegamente centradas na meritocracia.

Nesta senda, o filósofo político americano, Michael J. Sandel aborda, no seu livro – The Tyranny of Merit: What’s Become of the Common Good? – as seguintes questões:

  • Pode uma Ordem Social justa basear-se unicamente na meritocracia? Qual o impacto na Sociedade e no conceito de justiça social se não há espaço para a solidariedade e o bem comum?
  • É o sucesso individual única e exclusivamente devido ao talento e trabalho duro do indivíduo? Ou o mesmo beneficia de um conjunto de fatores que não se controlam totalmente?
  • Sendo assim, pode a crença de um indivíduo dever o seu sucesso única e exclusivamente a si próprio (“self made individual”) gerar um sentimento de arrogância e direito adquirido que o afasta da gratidão e humildade necessários para se preocupar com o bem comum? Qual o impacto negativo desta dissociação do resto da Sociedade?
  • A garantia de igualdade de oportunidade é por si só suficiente quando os pontos de partida são diferentes? E, se não o é, como colmatar estas diferenças?
  • Deve a dignidade do trabalho apenas ser medida por métricas baseadas na remuneração e no sucesso? Qual o impacto na autoestima dos indivíduos quando o paradigma vigente é uma divisão entre vencedores e vencidos e apenas os primeiros têm reconhecimento social?

São questões válidas e muito pertinentes, que merecem ponderação profunda por parte dos decisores políticos e empresariais, até porque mesmo que as respostas possam ser imediatas, as soluções não o são.

Em conclusão, não pretendo defender que a meritocracia é perfeita, ou a solução para todos os males e desafios colocados por esta temática, mas tal como Winston Churchill perspicazmente observou que a Democracia era a pior forma de governo com exceção de todas as outras já tentadas (1), a meritocracia, se devidamente enquadrada e complementada por medidas reguladoras de alguns excessos, ainda é a melhor solução que conheço.

(1) No original: ‘Many forms of Government have been tried and will be tried in this world of sin and woe. No one pretends that democracy is perfect or all-wise. Indeed, it has been said that democracy is the worst form of Government except for all those other forms that have been tried from time to time.…’ – Winston S Churchill, 11 Novembro 1947
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