A decisão manifestada em conjunto pelo Presidente e pela Primeiro-Ministro da Finlândia no sentido de o país solicitar, sem demora, a adesão à NATO mereceu uma resposta pronta por parte do Kremlin. Uma réplica dura ao ponto de o anterior Presidente russo, Dimitry Medvedev, colocar a tónica na eminência de uma «verdadeira guerra nuclear». Uma afirmação que, na ótica de alguns analistas, pode ser vista como uma ameaça não apenas ao Ocidente, enquanto outros a relativizam e a encaram como uma jogada de bluff visando condicionar a política externa dos países vizinhos. Países no plural porque é altamente provável que a Suécia siga o exemplo finlandês e abandone a neutralidade.
Entre estas duas visões extremas, talvez seja possível encontrar uma posição intermédia. Aquela que olha para a situação como se de uma partida de xadrez se tratasse. Um desafio que, a meu ver, está destinado a terminar com um cheque sem mate. Um desfecho que, no entanto, envolverá um prolongado número de jogadas, com ambos os contendores a procurarem explorar ao máximo as fragilidades momentâneas decorrentes do cansaço da outra parte.
Voltando à decisão dos líderes finlandeses, não pode dizer-se que tivesse constituído uma surpresa para o Kremlin e não apenas pelo facto de a questão já vir a ser debatida há bastante tempo na Finlândia. Um procedimento normal num país onde as decisões não são tomadas ao arrepio da vontade dos cidadãos. Uma marca da qualidade da democracia participativa há muito instaurada no país.
Na verdade, a máquina de informação e desinformação de Moscovo acompanha em permanência o que se passa no Mundo e dedica especial atenção aos países que julga poderem colocar em causa os interesses russos. Por isso, estava ciente de que a opinião pública finlandesa caminhava no sentido favorável à adesão do país à NATO. Daí a campanha de desinformação levada a cabo pelo ecossistema do sharp power russo no país vizinho e a recuperação do momento da História em que os finlandeses apoiaram os nazis na invasão da União Soviética.
Só que, por falar em História, tanto a Rússia como a Finlândia sabem bem o preço que pagaram por conflitos anteriores, designadamente pela denominada Guerra de Inverno ocorrida em 1939-1940, quando a vitória russa foi conseguida à custa de um número tão elevado de vítimas do seu exército que, como viria a reconhecer Nikita Khrushchev, o triunfo soviético deveria ser visto como uma derrota moral.
Algo a não repetir, mesmo dando por adquirido que Putin não precisa de reler a História. Basta tomar em linha de conta a resistência com que o seu exército se está a ver confrontado na Ucrânia.
Face ao exposto, percebe-se a alusão russa à possibilidade de recurso a armas nucleares. O trunfo mais valioso que lhe resta. Só que um trunfo que sabe não poder jogar, pois Moscovo sabe que não é a única potência a dispor desse trunfo. Sendo verdade que, de acordo com o relatório de 2020 do Stockholm International Peace Research Institute, a Rússia conta com 6.375 armas nucleares, não é menos verdade que os Estados Unidos da América dispõem de 5.800. Resquícios dos tempos da guerra fria e que não encontram competidores à altura noutras latitudes porque a China só tem 320 armas nucleares, a França 290 e o Reino Unido 215. Não deixa de ser curioso – chamemos-lhe assim – que os cinco países com maior poderio nuclear sejam os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, o órgão criado para garantir a manutenção da paz e da segurança mundiais.
Retornando ao jogo de xadrez, diga-se que a decisão finlandesa colocou Putin perante a necessidade de identificar verdadeiramente o oponente que está do outro lado do tabuleiro. Depois de uma jogada inicial – a invasão da Ucrânia – onde Putin fingia que o adversário era constituído pelos pretensos nazis que lideravam Kiev e eram treinados pelos Estados Unidos e pela NATO, o novo czar russo viu-se obrigado a perceber que está a jogar contra um adversário bem mais poderoso. Um opositor que dá pelo nome de Mundo Livre. Um contendor impossível de vencer. Por mais reconhecida que seja a capacidade russa na arte do xadrez.
Tempo para este opositor reler Sun-Tzu. Não encurralar o inimigo ao ponto de o levar a cometer um ato de desespero. A Diplomacia acabará por se encarregar dessa parte. O cheque sem mate é o único desfecho isento de arrependimento. Para ambos os jogadores. Para a Humanidade.