Nestes últimos dias, os portugueses assistiram a um espectáculo paradoxal: é legítimo dizer, ao abrigo da liberdade de expressão, que um recentemente falecido herói do exército português foi um “criminoso de guerra”; mas já não há liberdade para se ser contra a ideologia promovida pelo ‘lobby gay’.

A ofensa à memória do Tenente-Coronel Marcelino da Mata, a cujo funeral assistiu o Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, teve por autor Mamadou Ba, um cidadão senegalês a quem foi concedida a nacionalidade portuguesa e que é dirigente do SOS Racismo. Por sua vez, a suposta declaração homofóbica foi proferida pelo Professor Doutor João Pedro Caupers, Presidente do Tribunal Constitucional (TC).

É curioso registar que aquela direita de que a esquerda gosta muito, porque lhe faz todos os fretes possíveis e imagináveis, saiu logo em defesa de Mamadou Ba, e do seu alegado ‘direito’ a insultar a memória do ex-combatente. Também se declarou contra as declarações do actual Presidente do TC, o que aliás fica muito bem para quem queira singrar nos meios de comunicação social, em que uma tal atitude é condição sine qua non.

Mas, vamos por partes, como dizia Jack, o estirpador, segundo alguém de muito mau gosto e pior formação moral. Em primeiro lugar, é preciso distinguir entre uma ofensa a uma pessoa, mesmo que falecida, e uma crítica a uma organização, mesmo que alegadamente defenda os direitos de uma minoria. Ou seja, qualquer cidadão pode legitimamente discordar de um partido político, ou de uma organização social, sem que esteja a ofender ninguém, mas já não pode caluniar uma pessoa, viva ou defunta, imputando-lhe publicamente a prática de crimes muito graves.

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O dirigente do SOS Racismo tem todo o direito de não concordar com a guerra colonial, até porque é originariamente senegalês, mas não pode chamar “criminoso de guerra” a um militar português que recebeu as mais altas condecorações nacionais, nomeadamente a Torre e Espada. A ofensa a alguém que, por ter falecido, já não se pode defender, não é apenas deselegante, é também um insulto à sua família, ao exército nacional e ao Chefe de Estado, que honrou, com a sua presença, o funeral do alegado “criminoso de guerra”.

Com certeza que Mamadou Ba pode dizer o que quiser de quem quiser, mas deve responder pelas afirmações proferidas, que lesam não apenas o bom nome de Marcelino da Mata, mas também a sua família, cujo luto nem sequer teve a decência de respeitar, todos os combatentes, o exército português e o Presidente da República. A família de Marcelino da Mata, a Liga dos Combatentes, as Forças Armadas e a Presidência da República não devem ter medo de defender a honra de quem nunca o teve para defender Portugal. Já é tempo de este activista do SOS Racismo perceber que a nacionalidade que lhe foi concedida lhe confere direitos, mas também lhe impõe deveres – como o respeito ao Chefe de Estado e às Forças Armadas –  cujo incumprimento não pode ficar impune.

Todos os portugueses são livres de ser comunistas ou anticomunistas, e deve-se-lhes reconhecer a liberdade de se expressarem livremente sobre esta ideologia. Mas nenhum anticomunista pode publicamente acusar Álvaro Cunhal de um crime que não cometeu. Ninguém tem dúvidas de que o histórico líder estalinista do Partido Comunista Português (PCP) tudo fez, depois do 25 de Abril de 1974, para instaurar um regime totalitário em Portugal, o que só não aconteceu porque a Igreja e as forças democráticas, nomeadamente o Partido Socialista de então, o não permitiram. Mas a certeza do carácter e propósito antidemocrático de Álvaro Cunhal, que é uma evidência histórica, não autoriza ninguém a caluniar a sua memória. E, se alguém o fizer, a sua família e o PCP devem exigir, em sede judicial, uma justa reparação por essa ofensa.

A propósito, é curioso verificar que os que agora se sentiram muito ofendidos pelas declarações pretensamente homofóbicas do Presidente do Tribunal Constitucional (TC), não ficaram incomodados pelo sequestro e espancamento de dois homossexuais, na festa do Avante! de há seis anos (cf. Observador, 12-9-2015). Alguém quis que se suspendesse um festival em que se permitiram agressões homofóbicas?! Alguém requereu ao TC a ilegalização de um partido político que recorre ao discurso do ódio e agride as minorias?! Alguém entendeu que o PCP devia indemnizar os homossexuais espancados por seguranças ao seu serviço?! Nesse caso, não se tratou apenas de declarações, mas de agressões físicas, pelo facto de as vítimas terem tido um comportamento homossexual. Ou seja, a atitude do PCP foi descaradamente homofóbica, mas como não era politicamente correcto exigir-lhe responsabilidades, o partido saiu incólume desse caso.

Pode-se não gostar das declarações do Presidente do TC, mas não se pode negar que não são insultuosas para ninguém, nem é admissível, num país democrático, um suposto ‘delito de opinião’. Com efeito, o Professor Doutor João Caupers, que matizou essas afirmações, proferidas num contexto particular e para fins pedagógicos, reconheceu, expressa e formalmente, “a tolerância para com as minorias”, insurgindo-se apenas contra o que entendeu ser “a promoção das respectivas ideias”. Aliás, também há activistas do ‘lobby gay’ que discordam de algumas das suas pretensões, como é o caso da comediante francesa que dá pelo nome de Frigide Barjot e que encabeçou, em Paris, uma multitudinária manifestação contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, no caso do Presidente do TC, não há nenhuma ofensa a ninguém, mas uma mera discussão ideológica, o que é, como o próprio jurista reconheceu, uma coisa “bem diferente”.

Com certeza que os comunistas não podem ser, por esse facto, ofendidos física ou verbalmente, mas o comunismo, como filosofia política antidemocrática, pode e deve ser discutido porque, não obstante o seu fracasso em todos os países em que vigorou, ainda há quem simpatize com esta ideologia totalitária. Por sinal, o que o Professor Caupers disse dos homossexuais, poder-se-ia dizer, até com mais propriedade, do PCP e do BE, porque é evidente que “não passam de uma inexpressiva minoria, cuja voz é enorme e despropositadamente ampliada pelos media”.

Não é preciso ser Sherlock Holmes, nem o Padre Brown, para compreender a razão oculta desta campanha mediática contra o Presidente do TC: fragilizar a sua posição, agora que se vai tomar uma decisão relativa à inconstitucionalidade da lei que despenaliza a eutanásia e a assistência ao suicídio. Este ferocíssimo ataque é um aviso e uma ameaça ao Presidente do TC, com o intuito de o condicionar nessa decisão. A extrema-esquerda não brinca em serviço: todos os meios, também os mais mesquinhos, são adequados para pressionar o TC. Agora, como no verão quente de 1975.

É bom saber que o actual Presidente do TC não está ao serviço de nenhum lobby, nem faz fretes à extrema-esquerda. Já provou a sua independência em relação a estes poderosos grupos de pressão e espera-se, agora, que prove a sua competência declarando, como já fizeram os melhores jurisconsultos do nosso país, a inconstitucionalidade da eutanásia e da assistência ao suicídio. Com efeito, é a Constituição da República Portuguesa que solenemente declara, por proposta do PCP, que “a vida humana é inviolável” (Artº 24º, 1).