Os mercados bolsistas internacionais estão a viver dias de incerteza e nervosismo como há muito não se via. As ações europeias estão a cair há oito sessões consecutivas, a bolsa nacional e o índice PSI 20 – ainda mal refeitos da turbulência relacionada com o Grupo Espírito Santo, no verão – derraparam até ao nível mais baixo desde setembro de 2012. E até nos EUA as bolsas estão agora negativas na prestação anual. O que mudou, quase subitamente, e formou esta “tempestade” nas bolsas?

Não é difícil encontrar razões para este nervosismo, com as perspetivas de crescimento global a tornarem-se mais ‘negras’ e revisões em baixa das metas de crescimento sucessivas e a vir de todos os lados“, nota Michael Hewson, analista da consultora londrina CMC Markets, em nota de análise enviada ao Observador. Tendo em conta que quem investe em ações está, na essência, a comprar o direito a receber uma parte dos lucros futuros de uma empresa, os investidores estão rapidamente a repensar o otimismo que marcou a primeira metade do ano.

Mas a inversão daquilo que nos mercados é conhecido como o “sentimento” dos investidores será mais do que apenas um reajuste de expectativas de crescimento, por muito brusco e transversal que este esteja a ser. Os analistas explicam que são várias as razões objetivas que justificam um maior pessimismo entre os investidores mas salientam que o impacto negativo nos mercados está a ser amplificado pela sensação de que, ao contrário do que aconteceu nos últimos anos, os estímulos monetários dos bancos centrais – com a Reserva Federal dos EUA (Fed) à cabeça – tendem a diminuir e não a aumentar.

Cedo demais para retirar os estímulos?

O momento em que a Fed prepara o final do QE3 está a vir na pior altura possível“, diz Michael Hewson, numa referência ao programa de estímulos pelo banco central norte-americano e cujo final está previsto para este mês de outubro. O programa de “quantitative easing” (QE), que já vai na terceira edição, é uma intervenção direta por parte do banco central em que, em termos simples, é injetada nova liquidez no sistema financeiro através da impressão de moeda para a compra, em mercado, de títulos de dívida pública e privada. Não só é injetada liquidez como essa intervenção comprime as taxas de juro de referência nos mercados e na economia, baixando os custos de financiamento de uma forma geral.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Este programa tem sido gradualmente reduzido ao longo dos últimos meses e, uma vez totalmente interrompida esta injeção “forçada” de liquidez, a discussão moveu-se já para quando a Fed irá, finalmente, começar a normalizar a política monetária “anti-crise” iniciada em 2008 através da primeira subida da taxa de juro de referência. Esta é uma discussão com grandes implicações para os fluxos de capital e investimento em todo o mundo e, até recentemente, os sinais positivos no crescimento dos EUA colocavam este momento bem próximo no horizonte.

Agora, os analistas do Rabobank dizem que “tendo em conta as pressões que se criaram nos mercados, acreditamos que vão ganhar preponderância os membros mais cautelosos da Reserva Federal [no que diz respeito à temporização da subida da taxa de juro] e os mercados poderão reajustar as expectativas” em relação ao aperto da política monetária da Fed. Em termos simples, a forte queda nos mercados pode estar a dizer-nos que, apesar dos sinais positivos no crescimento dos EUA, a retoma económica global ainda não é suficientemente robusta para que bancos centrais como a Fed pensem em avançar já para uma subida da taxa de juro.

A crise da zona euro. Lembra-se?

Na nossa opinião, a questão central por detrás desta preocupação [nos mercados] tem sido o aumento das pressões desinflacionistas à medida que as perspetivas globais de crescimento se deterioraram – algo que está refletido na vaga recente de dados económicos pouco animadores na zona euro – e os preços do petróleo e das matérias-primas afundam“, o que já é, em si, um sinal de que os investidores veem poucas hipóteses de uma aceleração do crescimento global a breve trecho. O preço do petróleo desceu para menos de 80 dólares por barril, também pressionado pelo refúgio dos investidores na divisa norte-americana.

Taxas de inflação baixas são, em simultâneo, uma causa e uma consequência de baixo crescimento económico. E estão a ser uma “dor de cabeça” para quase todos os bancos centrais mundiais, não apenas o Banco Central Europeu (BCE). Desde que o BCE e o presidente Mario Draghi apresentaram, no início de junho, um pacote de estímulos com o objetivo de estimular a inflação, as ações europeias descem cerca de 12%. Pelo meio, o governo alemão cortou as projeções de crescimento para 2014 e 2015 e o ambiente político na Grécia azedou subitamente, com vários analistas a temer que o país caminhe para eleições antecipadas e faça ressuscitar entre os investidores os receios quanto à integridade da zona euro.

Com os investidores a fugirem de ativos de maior risco, como as ações e a dívida dos países da “periferia” da zona euro, e a refugiarem-se na dívida alemã e norte-americana, os juros da Grécia voltaram a superar os 8%. E também a dívida pública portuguesa está a ser contagiada, logo no rescaldo da apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2015. As taxas a 10 anos superaram na quinta-feira de manhã os 3,4%, um agravamento súbito já que ainda na última semana desceram para menos de 3% neste prazo.

Os receios em torno de uma nova crise na zona euro estão a crescer de dia para dia“, diz o analista de mercados Michael Hewson, da CMC Markets. “As taxas da Grécia, em particular, estão a subir em flecha, ao passo que os juros em Itália e Espanha também estão a inverter a tendência e a afastar-se dos mínimos recentes“, explica o especialista. Mas há mais a contribuir para a “tempestade perfeita” que se formou nos mercados e acerca da qual os analistas não arriscam prognósticos: os receios geopolíticos relacionados com o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o pessimismo em torno do crescimento da China e do Brasil e “o medo do ébola arrisca condicionar as viagens internacionais e a confiança do consumidor norte-americano“, remata Michael Hewson.