O PS está contra a criação de uma base de dados para pedófilos proposta esta semana pelo Governo e prepara-se para erguer a bandeira da inconstitucionalidade. Para os socialistas, o principal problema está no facto de todos os cidadãos que exerçam responsabilidade parental sobre menores de 16 anos puderem vir a aceder a informações da referida lista. “É inconstitucional”, defendem.
Ainda não há data para a discussão no Parlamento mas, apesar das dúvidas já levantadas até por alguns deputados da maioria, é certo que o diploma oriundo do Ministério da Justiça vai ter os votos favoráveis do PSD e CDS, necessários para chegar à mesa do Presidente da República, para veto ou aprovação.
Os pareceres que já chegaram ao Parlamento vindos de entidades como a Ordem dos Advogados, a Procuradoria-Geral da República ou o Conselho Superior de Magistratura, são indicadores disso mesmo. A PGR, no parecer enviado à AR, levanta dúvidas sobre a “proporcionalidade” e a “adequação” legal de permitir que todos os pais possam aceder àqueles registos criminais. O mesmo dizem os advogados, que temem que a lista com o registo de todos os acusados de crimes sexuais contra menores possa “transformar-se num fator de ostracização dos visados”, impedindo a sua reintegração futura na sociedade.
O projeto de lei chegou à Assembleia da República na última quarta-feira e, ouvidos pelo Observador, na quinta e sexta-feira os socialistas não precisaram de muito tempo para analisar o documento e para dar razão aos pareceres negativos que surgiram entretanto. Permitir que os pais sejam informados de que determinada pessoa sobre a qual têm suspeitas “fundadas” consta ou não na lista de acusados de pedofilia viola os princípios básicos de proporcionalidade da Constituição da República portuguesa e “ultrapassa todas as barreiras e pilares centrais do Estado de Direito”, segundo defendeu ao Observador a deputada socialista que está encarregue do dossiê, Isabel Oneto.
Uma caixa de pandora
Outro dos argumentos dos socialistas para rejeitarem a proposta do Governo, “que roça a demagogia”, é o facto de pressupor uma filtragem de um determinado tipo de crime em detrimento dos outros. “Também não quero morar ao no mesmo prédio de um homicida”, que também pode representar um grande perigo para a família, defende a deputada, acrescentando que se está a “abrir uma caixa de pandora”. A questão central é que o crime de pedofilia é “perverso e repugna qualquer pessoa”, mas o legislador não se pode “esconder atrás disso” para violar os princípios do Estado de Direito, pondo nas mãos dos cidadãos uma informação que cabe à Justiça.
“Os cidadãos podem e devem reagir emotivamente” e querer saber se a pessoa que vive ao seu lado ou que circula nos arredores da escola do filho tem ou não cadastro associado a crimes de pedofilia. “Mas espera-se que o Estado de Direto seja racional na aplicação da justiça e aja em conformidade”, defende a deputada socialista, acrescentando que no projeto de lei fica por esclarecer o que é afinal “fundado receio”.
Se por “fundado receio” o legislador entende que é assédio ou suspeitas fortes de comportamentos contra a autodeterminação sexual e liberdade sexual de menor, então todos os cidadãos, pais, que têm essa suspeita “devem fazer queixa às autoridades” e não pedir para consultar a lista. “O que fazem os pais com a informação de que aquela pessoa tem cadastro criminal ligado à pedofilia?”, questiona Isabel Oneto, que termina dizendo que se corre o risco de “estar a caminhar para uma sociedade onde somos todos polícias uns dos outros”.
Para além disto, a deputada socialista defende ainda ao Observador que a proposta de lei do Governo pressupõe uma extensão do termo de identidade e residência – “apesar de não lhe chamar termo de identidade e residência” – para os acusados, que vai para além do cumprimento da pena. “Chamando-lhe ou não termo de identidade e residência é, para todos os efeitos, uma medida de coação e, como tal, só pode ser aplicada num processo-crime. Neste caso trata-se de uma extensão da condenação, logo, não é constitucional”, defende Isabel Oneto.
O PS espera, por isso, que o Presidente da República, a avaliar pelos pareceres negativos emitidos e pelos já certos votos contra da oposição no Parlamento, peça a fiscalização preventiva do diploma junto do Tribunal Constitucional.
O deputado do PSD e presidente da Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Fernando Negrão, por seu lado, afirmou ao Expresso ser contra a regra, inscrita na lei, que permite às autoridades policiais serem elas a aprovar o acesso ou não dos pais à lista de pedófilos, em vez de ser uma autoridade judicial.
Na semana passada, deu entrada no Parlamento a proposta de lei do Governo que estabelece “a criação de um registo de identificação criminal de condenados por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menores”. Ou seja, a criação de uma lista com o registo criminal de todos os cidadãos acusados de pedofilia no espaço de cinco a vinte anos (consoante a duração das penas, que variam entre menos de um ano e 10 anos). A proposta de lei deu entrada esta quarta-feira no Parlamento, mas ainda não tem data de agendamento para discussão em plenário.
Segundo a proposta do Governo, caberá às autoridades policiais decidir se devem ou não revelar a informação sobre a inscrição de determinada pessoa na lista. A lei diz apenas que os pais podem solicitar a informação sempre que tenham “fundado receio”, cabendo à polícia da sua área de residência decidir se a suspeita é suficientemente forte para a informação ser revelada. Se for, os pais em questão ficam apenas a saber que determinada pessoa consta na lista, não sabendo no entanto qual o grau do crime que cometeu. E ficam com o dever de manter sigilo, não podendo tornar a informação pública.
O essencial sobre o projeto de lei da pedofilia pode ser lido aqui.