[Artigo originalmente publicado a 28 de dezembro de 2015]
A tradição das 12 passas
Até quem não suporta o sabor das passas rende-se a elas nas 12 badaladas de 31 de dezembro para 1 de janeiro. Acredita-se que ingerir as doze passas seja um bom empurrão para que pelo menos 12 desejos se realizem no ano vindouro. Mas desde quando é que esta crença se enraizou na cultura? Na península Ibérica, tudo terá começado nas Portas do Sol, em Madrid, no relógio da Casa dos Correios, no final do século XIX. Na verdade, as uvas já eram presença obrigatória na Passagem de Ano na Alemanha e em França. Em Espanha não se celebrava a chegada do novo ano porque a tradição era que se festejasse a chegada dos Reis Magos a 5 de janeiro. A certa altura, a Câmara Municipal de Madrid instituiu uma taxa municipal para quem quisesse celebrar o Dia dos Reis Magos. Como forma de protesto, e para troçar dos hábitos das potências europeias, os espanhóis começaram a reunir-se na Praça do Sol e a comer passas em vez de uvas frescas. A ideia pegou. E até deu jeito porque os agricultores em Espanha puderam vender o excesso de uvas que havia nesta época.
As luzes de Natal
Usar a luz como forma de celebração é um hábito muito antigo: desde os primeiros povos que se acendiam fogueiras no solstício de inverno para a primavera que estava a chegar. Depois a Bíblia veio contar a história do nascimento de Jesus comunicado ao mundo através do surgimento de uma estrela-cometa – a estrela de Belém – que iria conduzir os três Reis Magos até à manjedoura onde o “salvador do mundo” podia ser adorado.
Quando surgiu o hábito de utilizar os pinheiros para celebrar o Natal, as pessoas colocavam velas nos ramos para os enfeitar. A festa não durava muito: as velas desequilibravam-se, incendiavam as árvores e muitas vezes queimavam partes das casas. As seguradoras do século XIX desistiram de pagar pelos danos provocados por este hábito. E numa altura em que as luzes de Natal pareciam ficar para a história, um homem veio revolucionar os enfeites da celebração (pelo menos para os mais ricos): Thomas Edison. Depois de inventar a lâmpada incandescente, em 1880, Edison precisava de vender o seu produto. Por isso pendurou várias luzes no laboratório, inspirado pelas festividades Yule (no norte da Europa), que retrata uma batalha entre o Rei do Carvalho (que simboliza a luz) e o Rei do Azevinho (que simboliza a escuridão).
Bastaram dois anos para que Edward Johnson, um amigo de Edison, mostrasse uma árvore de Natal enfeitada com 80 luzes e pusesse os mais ricos da América a gastar o equivalente a quase 275 euros. Em 1900, comprar luzes de Natal era tão caro que as empresas que vendiam o “milagre” de Edison se limitavam a alugueres. A General Electric comprou os direitos de patente a Edison em 1882 e oito anos depois a invenção apareceu na Scientific American. Foram precisos 25 anos para que as luzes de Natal se generalizassem e 15 empresas as disponibilizassem no mercado norte-americano.
O presépio de Natal
Os católicos conhecem bem o hábito: monta-se a árvore de Natal e, por perto, o presépio. Nele está representada a “família sagrada”, central na história da Bíblia, os animais que aqueceram a manjedoura e, em alguns casos, as figuras dos Reis Magos que visitaram Maria, José e Jesus poucos dias depois do nascimento do “rei dos reis”. Conta o site das Biblotecas da Câmara Municipal de Lisboa que as primeiras imagens de um presépio são do século VI e foram pintadas em mosaicos no interior de igrejas e templos. Em 1223, São Francisco de Assis construiu o primeiro presépio de barro e criou o hábito tal como o conhecemos. No entanto, as primeiras figuras eram mais comuns em casas dos nobres. À medida que essas figuras se foram simplificando e tornando mais acessíveis, as classes mais baixas puderam começar a celebrar o nascimento de Jesus. Mas isto só veio a acontecer no século XIX, já depois da influência do Barroco na criação dos presépios que eram autênticas obras de arte.
A Coroa de Natal
Algumas casas não dispensam o hábito de pendurar uma coroa de Natal à porta. Mesmo que a coroa já nem sequer seja redonda e tenha assumido outras formas, mais modernas e menos tradicionais. A verdade é que essa é uma tradição que os romanos preservavam e que marca hoje o tempo do Advento, o período de quatro semanas que antecede o Dia de Natal. Os romanos penduravam coroas verdes na porta para indicarem aos vizinhos que aquela era uma casa de saúde e alegria. E no inverno ganhavam a dimensão de simbolizar a esperança apesar das adversidades em tempo de frio. Inspirados por este simbolismo, algumas religiões, em especial o cristianismo, adotaram a grinalda de flores e adicionaram alguns elementos. Entre eles estão as quatro velas na coroa – cada uma simbolizando as semanas do Advento – e acender uma em cada semana.
O postal de Natal
Quem não cedeu já à tentação de enviar a mesma mensagem de Boas Festas a todos os amigos? Ou, antigamente, o mesmo postal? Pois saibda que o hábito começou nas mãos de Sir Henry Cole, escritor e diretor do South Kensington Museum no século XIX. Cole tinha o hábito de enviar mensagens de Boas Festas ao familiares e amigos, mas a partir de certa altura os destinatários eram tantos que o envio das mensagens era demasiado moroso. Por isso decidiu criar uma mensagem de base que seria enviada a todos os amigos. Henry Cole criou o texto – “Feliz Natal e Próspero Ano Novo” -, o pintor John Callcott Horsley desenhou o postal – uma família a brindar com vinho tinto – e assim foram criados os postais de Natal, em 1843. Logo nesse ano foi possível comprar os postais através do jornal Summerly’s Home Treasury — custavam 1 xelim. Foram vendidos 100 mil exemplares antes de serem retirados de circulação porque até as crianças no desenho bebiam vinho. Mas o hábito agradou e permaneceu até hoje, ainda que através de métodos diferentes.
Cantar as Janeiras
Os grupos correm as ruas das vilas e aldeias portuguesas. Volta e meia param à porta de alguém, cantam uma música de Natal e depois são convidados a entrar para petiscar alguma das iguarias à mesa. É algo muito típico não só por cá, como em muitos outros países europeus. A sua origem é pagã e não tem relação com as celebrações do Natal religioso. As Janeiras são semelhantes às “strenas”, as celebrações em que os romanos cantavam aos deuses e outras entidades divinas para pedir boa sorte no início do ano. Essa tradição era celebrada no mês de Jano, o deus romano da transição, dos reinícios e do conhecimento do passado e do futuro.
O Bolo Rei
A massa simboliza o ouro, os frutos cristalizados simbolizam a mirra e o aroma do bolo significa o incenso. Estas foram as prendas oferecidas pelos Reis Magos ao menino Jesus quando o visitaram em Belém, de acordo com a Bíblia. Conta a lenda que os três reis magos queriam decidir quem teria o privilégio de ser o primeiro a entregar a oferenda ao “salvador do mundo”, por isso pediram a um padeiro que cozinhasse um pão com uma fava no seu interior: quem ficasse com a fava seria o primeiro. Mas a história desta tradição é de origem pouco clara, ainda que se aproxime a um hábito pagão dos romanos: nas Saturnais, uma celebração de inverno, o Rei da Festa era eleito depositando-se uma fava junto da pessoa pretendida, uma prática que também era exercida nas assembleias. Será por isso que ainda hoje se coloca uma fava (ou algo que a simbolize) no interior da massa.