Na corrida pelo “reforço das regras de transparência” na política e nos altos cargos públicos, o Bloco de Esquerda apareceu esta terça-feira com dois projetos que quer juntar ao conjunto de iniciativas (do PS, PCP e BE) que já existem no Parlamento e que os socialistas querem debater numa comissão eventual. O Bloco quer resultados até ao fim da sessão legislativa (julho) e com dois pontos centrais em cima da mesa: criar uma Entidade de Transparência dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, no Tribunal Constitucional, e apertar o controlo ao enriquecimento injustificado. Pelo caminho, quer que as declarações de riqueza incluam bens de que o titular de cargo político ou público usufrua, mas sem deles ser proprietário. Faz lembrar o caso Sócrates, mas Pedro Filipe Soares afasta a comparação.

A discussão sobre o enriquecimento súbito de políticos, ex-políticos ou titulares de cargos públicos é antiga, no Parlamento, e já teve outros nomes, como o de “enriquecimento ilícito”, que bateu duas vezes na trave do Tribunal Constitucional, com dois chumbos: um em 2012 (aprovado por todos exceto pelo PS) e outro em 2015 (aprovado por PSD e CDS, já com uma alteração ao nome, para “enriquecimento injustificado”). Agora o PS fala em “acréscimos patrimoniais não justificados” e o BE fala em “combate ao enriquecimento injustificado”, vão por vias diferentes, mas encontram-se na fórmula.

A ideia central passar por pôr a administração tributária a atuar quando se verifique existir uma situação que levante suspeitas. A diferença maior entre os dois projetos está na percentagem com que o Estado fica se se confirmar que o património é ilícito. O Bloco defende que seja 100% (através de tributação em sede de IRS ou IRC, conforme o caso), o PS defende 80%. O projeto do BE foi entregue esta terça-feira e define como “enriquecimento injustificado” as situações “em que se verifique um desvio de valor igual ou superior a 20% entre os rendimentos declarados e os incrementos patrimoniais do contribuinte, sempre que o valor do rendimento for superior a 25 mil euros”. Quanto a esta iniciativa específica, o deputado confia que não levantará problemas constitucionais. Na última vez que foram a votos projetos semelhantes, o BE absteve-se no do PS, já que os socialistas se tinham oposto à sua iniciativa sobre este mesmo ponto.

Registo de “usufruto de um bem”

Os bloquistas querem criar uma Entidade da Transparência para registar e controlar o registo de interesses, declarações de rendimentos e riqueza (que devem estar publicadas online) e as incompatibilidades de titulares de cargos políticos, mas também dos altos cargos públicos. E o BE considera que estas declarações devem “incluir não apenas os bens de que o titular seja proprietário, mas também dos que seja possuidor ou detentor”, ou seja, como explicou Pedro Filipe Soares, situações em que há “usufruto de um bem, que pode ser matéria de enriquecimento ilícito”. E deu como “exemplo teórico” o usufruto “de um bem acima dos rendimentos”, mas sem relação com o património que o político ou titular de cargo público declarou. Um exemplo teórico que acaba por encaixar nos que já se conhece publicamente sobre o caso que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates, ainda que o deputado do BE negue relação.

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Quem a isso estiver obrigado e não apresentar a declaração de património, rendimento e interesses, durante o exercício do mandato ou após, ou omitir “fatos relevantes” é punido com pena de prisão que vais dos três aos oito anos. Além deste projeto, o Bloco já tinha entregado, na passada sexta-feira, outro dois com alterações ao estatuto dos deputados e ao regime de incompatibilidades, voltando a defender um regime de exclusividade para os deputados (que ficam impedidos de ter atividade privada) e levantando impedimentos para quem sai da vida política e pública. O Bloco quer também alargar o universo a que se aplica o regime de incompatibilidades.

Caso na próxima sexta-feira seja aprovada a Comissão eventual sobre a transparência proposta pelo PS, todos estes projetos do BE transitarão para lá, onde serão debatidos juntamente com os dos outros partidos (até agora só BE, PS e PCP apresentaram projetos sobre estas matérias). Na conferência de imprensa em que apresentou os dois novos projetos, Pedro Filipe Soares disse que o BE “não tem nada a objetar” sobre a Comissão Eventual, “mas considerada a proximidade do debate de 2015, não se deve partir do zero”.

“A vontade do Bloco de Esquerda e chegar ao fim da sessão legislativa com uma lei que defenda a transparência” nas vidas políticas e pública. O deputado lembrou que no passado recente já foram consultados especialistas, pelo grupo de trabalho que funcionou no Parlamento, e que se deve “beber dessa reflexão para encurtar o prazo”. O PS definiu 180 dias para chegar a uma conclusão, um prazo que o BE considera longo. “Os projetos não nasceram de geração espontânea, advêm de reflexão ao longo de anos”, argumenta Pedro Filipe Soares, numa tentativa de apressar o PS nesta discussão: “É importante que o mais rapidamente possível se chegue a alguma alteração à lei”.