Esta era para ser uma entrevista presencial. Mas os recentes ataques terroristas em Bruxelas fizeram com que Jorge Domecq, que deveria participar numa conferência sobre segurança em Portugal, não conseguisse chegar a Lisboa. Acabou por falar com o Observador por telefone. Embaixador espanhol e antigo diretor do gabinete do secretário-geral da NATO, Jorge Domecq é diretor-executivo da Agência Europeia de Defesa desde fevereiro de 2015. Para este diplomata já não há fronteiras entre a segurança interna e a segurança externa da Europa e as ameaças são cada vez mais transnacionais, o que faz com que os Estados-membros estejam mais dispostos a cooperar — independentemente de serem países grandes ou pequenos.

Para o homem-forte da Agência de Defesa europeia, a Europa está “confrontada com uma nova situação de segurança”. Diz que não há alternativa ao patrulhamento armado por militares nas cidades europeias e que o caminho para o futuro passa por maior cooperação e integração na política de Defesa europeia.

Com os recentes ataques em Bruxelas, mas também com os ataques em Paris e outros ataques terroristas, acha que o tema da segurança está mais presente nas prioridades da União Europeia? Há mais urgência em tomar decisões neste campo?

É óbvio que estamos a ser confrontados com uma nova situação da segurança na Europa e isso está a afetar diretamente os cidadãos, já não é uma ameaça que esteja muito longe. Agora acontece nos Estados-membros e os países querem uma resposta europeia. Estes problemas já não são puramente de natureza interna ou externa e isso leva a que assistamos a forças militares a desempenharem missões que não encaixam completamente num cenário de segurança tradicional — como o trabalho com a crise dos refugiados no Mediterrâneo ou a vigilância militar que está a ser levada a cabo em toda a Europa por causa dos ataques terroristas. Há um apelo para uma resposta coletiva e um exemplo disso foi quando França invocou pela primeira vez o artigo 42.7 do Tratado de Lisboa, após os ataques a Paris [através do qual um país atacado pode invocar auxílio e assistência mútua].

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A política europeia de Defesa é uma das áreas mais sensíveis quando falamos em integração comunitária. Considera que à luz destes ataques terroristas haverá mais interesse por parte dos Estados-membros para uma maior cooperação?

É um grande desafio, mas em tempos de crise há sempre oportunidade para avançar no caminho de uma resposta coletiva. Por exemplo, os ataques cibernéticos são muito melindrosos e é difícil que todos os Estados-membros cooperem na sua resolução, devido à informação que é conhecida nesses ataques. Mas a resposta só pode ser transnacional, já que os ataques também o são. A única maneira de lidarmos com estes ataques de forma eficiente é se o fizermos em conjunto. Considero que as ameaças que enfrentamos atualmente podem ser uma oportunidade para encontramos uma política europeia de Defesa mais coerente.

Desde que chegou à presidência da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker tem vindo a defender “uma verdadeira política de Defesa europeia”. O que é que isso significa?

O presidente Juncker disse claramente no Conselho Europeu de junho do ano passado, que há a necessidade de mobilizar todos os instrumentos europeus para apoiar a política Defesa, independentemente das capacidades de cada um e, assim, assegurar que todos partilhamos o que temos e não deixamos de lado a indústria de Defesa na Europa. Isto é algo que faz parte do programa de trabalho da Comissão para este ano. Até ao final de 2016 haverá um Programa de Ação de Defesa e uma Estratégia Europeia para o Espaço. Estes instrumentos vão estar ao dispor e cumprir os objetivos da Estratégia Global para a Segurança e Relações Externas que está a ser preparada pela Comissão.

Tendo em conta os projetos que a Agência Europeia de Defesa tem vindo a coordenar, quais é que considera serem os objetivos prioritários nesta nova política?

Na perspetiva da agência, acho que há uma necessidade de cooperação sistemática. Hoje, esta cooperação acontece entre dois, quatro ou oito países, mas são só ilhas de cooperação e não acontecem de forma regular. Agora que os orçamentos de Defesa vão subir, ou pelo menos estabilizar, é importante que se gaste melhor e em conjunto. Precisamos investir mais em programas e capacidades. Até porque há falhas como o abastecimento de aviões no ar, a defesa cibernética, drones e comunicações governamentais por satélite que já estão identificadas e onde os parceiros europeus concordam que é preciso melhorar. Por último, é preciso investir em investigação e no desenvolvimento de novas tecnologias. Há muitos anos que isso é um problema, especialmente quando falamos em cooperar nesta área. Hoje faz-se apenas um terço de cooperação nesta área face ao que acontecia em 2006.

Caso estes objetivos não sejam estabelecidos e alcançados, quais são as consequências para a União Europeia?

Se isto não acontecer, não vamos conseguir fazer face aos desafios com que estamos a ser confrontados. É fundamental que continuemos a ser um parceiro relevante para os nossos aliados. Se deixarmos de ser relevantes no campo da Defesa, vai ser difícil convencer os nossos parceiros externos, nomeadamente os Estados Unidos da América, a cooperarem connosco na NATO. Uma política europeia de Defesa forte é um pré-requisito para uma NATO vibrante.

A NATO já está a ajudar a Europa no Mar Egeu, patrulhando aquela região devido à crise dos refugiados. Acha que este tipo de cooperação com a NATO será frequente no futuro?

A cooperação com a NATO é essencial. Nós temos limitações políticas que impedem que tenhamos uma cooperação mais formal entre a NATO e a União Europeia, mas é uma necessidade nesta altura. Tendo isso em conta, temos dado passos muito importantes a nível prático e, desde que cheguei à EDA, tenho insistido em fortalecer essa relação — tentamos não duplicar recursos nas atividades que fazemos e procuramos áreas onde nos podemos complementar. Na situação em que nos encontramos, nomeadamente na crise dos refugiados, a União Europeia está mais bem posicionada para lidar com as consequências de uma forma mais abrangente porque tem um conjunto de ferramentas ao seu dispor que cobrem aspetos financeiros, políticos e diplomáticos. É claro que a ajuda da NATO é importante e relevante.

Estamos a assistir há algum tempo a uma mudança no tipo de missões que a NATO tem levado a cabo, com ênfase na ajuda humanitária e na segurança dos interesses económicos e comerciais dos seus Estados-membros. Acha que os cenários de guerra como os conhecíamos até agora estão fora de causa?

Mesmo que estejamos numa situação de capacidades híbridas, como referiu, vamos continuar a precisar de todo o espetro das capacidades de defesa. Talvez haja menos situações de guerra aberta e vamos ter se usar todos os instrumentos disponíveis para travar certos conflitos. Vamos também ter de olhar para os conflitos de uma forma mais complexa e, por isso, elaborar um plano de defesa torna-se mais difícil. Mas temos de manter todas as capacidades, mesmo para situações de guerra aberta. Temos é de aprender a flexibilizar os nossos recursos.

Quando falamos nesta flexibilização e diferentes formas de conflito, é inevitável ter em conta os militares que hoje em dia patrulham as cidades europeias fortemente armados. Isso choca os europeus. Acha que nos devemos habituar a que esta situação seja cada vez mais frequente?

Não sei se vamos ter de nos habituar, mas não penso que há outra opção. É já um facto e o que temos de assegurar é que temos os meios civis e militares a trabalharem juntos da forma mais eficaz para enfrentarem os desafios se segurança que a Europa tem. Não devemos estar tão preocupados com a separação entre forças civis e forças militares, já que na operação Sofia, no mar Mediterrâneo, que tem combatido o tráfico humano na região, as Marinhas de vários Estados-membros cooperam com forças civis como a Frontex.

A maneira como os Estados-membros olham para a política de Defesa europeia parece ser um pouco extremada. Por um lado, sempre que há ataques terroristas, há apelos para maior cooperação, e, ao mesmo tempo, há também resistência a uma política de Defesa mais integrada. Isto ainda acontece?

Acho que há uma vontade clara de aumentar a cooperação, isso de certeza. Não podemos continuar a cooperar apenas em 15% nos programas que os Estados-membros desenvolvem, segundo mostram os dados mais recentes. Isso é cada vez mais claro para os Estados-membros que compreendem que os desafios que enfrentam não podem ser resolvidos isoladamente — tem de ser feito em conjunto. E isto serve tanto para os Estados mais pequenos, como para os maiores.

Tendo isso em conta, antevê uma maior cooperação na Agência Europeia de Defesa?

Espero que sim. Se isso não acontecer, não vamos conseguir ter todas as capacidades necessárias para assegurarmos a nossa segurança e não vamos conseguir manter uma indústria de Defesa na Europa. Neste momento, vemos uma indústria da Defesa cada vez mais fragmentada e cada vez mais pequena na Europa. Isto só pode ser ultrapassado através de mais cooperação, senão vamos ficar mais dependentes de outros atores, fora da União Europeia.

A possibilidade de um exército europeu é um debate que acontece há décadas no seio da União Europeia. Acha que esse objetivo está mais perto de ser alcançado?

A possibilidade de um exército europeu nesta altura é encarada como um projeto a longo prazo. Ainda é preciso implementar primeiro o que está no Tratado de Lisboa que permite muitas maneiras de resposta coletiva a nível europeu. Não estou só a falar do artigo 42.7, mas também a cláusula de solidariedade ou a estrutura de cooperação permanente que oferecem alternativas para a cooperação na área da Defesa. Assim, devemos explorar bem estas possibilidades. Mas eu acredito que a uma certa altura, de modo a que a União Europeia se mantenha relevante, vamos ter de ver qual será a melhor maneira de gastarmos dinheiro na Defesa. Isso vai implicar muitos estudos prévios, mas já há grande cooperação entre alguns países como a Holanda e a Alemanha. Existe um movimento muito mais forte de integração na Defesa do que no passado. Esta é sempre uma área sensível porque se trata de questões relacionadas com a soberania de cada país.