O que torna Pedro Dias num homem perigoso é aquilo que ele não aparenta ser. Ele tem duas faces: uma comunicativa, alegre e sociável para quem o rodeia; a outra, que será a sua verdadeira essência, egocêntrica, cruel, com sensação de omnipotência e uma falta de empatia gritante que o torna completamente alheio aos sentimentos dos outros. É assim que três especialistas em psicologia criminal explicam o lado lunar da mente do homem mais procurado de Portugal.

O Pedro Dias que a Polícia Judiciária procura há mais de duas semanas não parece de facto ser o mesmo que os conhecidos descrevem como tendo um sorriso pronto para qualquer vizinho. O homem que os amigos dizem ter uma a mão estendida para toda a gente, sempre pronto a ajudar e afável, também não se enquadra no assassino a sangue frio que matou à queima-roupa um GNR e um civil, torturou e disparou a matar contra outro militar e uma mulher e ainda tentou sufocar uma idosa.

Será que na cabeça de um homem apaixonado por cavalos e pelo silêncio da floresta pode existir uma mente perversa? E o pai que ganha a custódia da filha de 14 anos e batiza uma criança de seis meses ao lado da nova namorada pode ser este assassino?

À luz da psicologia criminal, pode.

O perfil psicológico de um homicida

Íris Almeida, professora auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais Egas Moniz e diretora do Gabinete de Psicologia Forense do Laboratório de Ciências Forenses e Psicológicas do mesmo instituto, traçou quatro perfis criminais num estudo que teve por objeto o comportamento criminal associado aos homicídios em Portugal. A investigação permitiu concluir que, na hora de matar outra pessoa, há dois tipos de motivação: a expressiva e a instrumental.

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A motivação expressiva funciona como resposta a situações de raiva, tem como objetivo fazer sofrer o outro e é típico em homicídios em contexto familiar ou de relações íntimas. Foi o que aconteceu com Manuel “Palito”, cujo crime aconteceu por ciúme.

Em caso de motivação instrumental, o objetivo não é fazer sofrer o outro: a morte é apenas um meio para alcançar o fim e o sofrimento alheio é um dano colateral porque a vítima é um problema secundário. Ou seja, podia matar-se aquela pessoa ou qualquer outra que se tenha atravessado no caminho e dificultado uma determinada ação. É o que se observa em casos de crimes sexuais, de roubos ou de tráfico de droga, por exemplo. E pode ser o caso de Pedro Dias.

O que é um transtorno de personalidade antissocial?

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De acordo com os critérios de diagnóstico do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (publicado pela Associação Americana de Psiquiatria), o transtorno de personalidade antissocial é caracterizado por um desrespeito generalizado pelos direitos dos outros. As pessoas com este transtorno não se conformam com as normas sociais, são impulsivas e agressivas, não compreendem a importância da segurança nem sentem remorsos pelos seus atos, mentem compulsivamente e não se sensibilizam com os sentimentos alheios. No entanto, podem conseguir com quem estes sintomas passem despercebidos.

Os comportamentos de extrema violência que Pedro Dias tem demonstrado indicam que as autoridades podem estar a enfrentar um homem com algum tipo de transtorno de personalidade antissocial, provavelmente uma psicopatia. Não sabemos o que passava pela cabeça do ‘Piloto’ no momento em que as coisas se descontrolaram na Quinta das Lameiras, onde o homem de 44 anos estava às 7h00 quando foi abordado por dois GNR que estranharam a sua presença àquela hora da madrugada junto a um hotel termal em obras. Os cenários são muitos, realça Íris Almeida, e é impossível descartar algum sem que o cérebro de Pedro seja estudado: podemos estar perante um cenário de distúrbio mental – como uma depressão, um caso de esquizofrenia ou um surto psicótico – em que o indivíduo olha para a realidade de forma distorcida, como se olhasse para a rua através de uma janela com um vidro embaciado.

Nesses casos, o discernimento fica de tal modo afetado que se torna impossível avaliar coerentemente se se está mesmo perante uma ameaça ou não. As pessoas agem e podem nem sequer conseguir justificar conscientemente os seus atos.

Mas podemos estar também perante um distúrbio de personalidade, onde há clara noção da realidade e em que o indivíduo sabe exatamente o que está a fazer: o crime é cometido com plena consciência e posse das faculdades.

Ou então, Pedro pode ter estado sob efeito de substâncias que alterem a configuração mental, como álcool ou drogas.

Se se comprovar que Pedro tem um distúrbio de personalidade, o homem que Arouca conhece não é o mesmo que vive na sua mente. Sim, ele tinha problemas com as autoridades e isso não era segredo para ninguém: há uns anos, as buscas feitas pela polícia na quinta que Pedro tinha na Várzea, sede da sua empresa de produção animal, resultou na apreensão de armas de vários calibres e no resgate de mais de cinquenta animais de espécies protegidas e autóctones.

Mas antes dos crimes daquela terça-feira, 11 de outubro, Pedro era apenas o homem que chorava ao olhar para a fotografia dos filhos do Chico, um amigo que morreu demasiado cedo. “Sabe, quando temos tudo na vida ficamos com vontade de passar para o outro lado do rio”, sugeriu ao Observador uma comerciante da vila. O que nem ela, nem muitos dos que conviviam com Pedro podiam imaginar é que o outro lado do rio pode estar num recanto negro da mente do filho da terra.

O que difere um transtorno mental de um transtorno de personalidade

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Quem sofre de um transtorno de personalidade antissocial tem clara noção da realidade e sabe a consequência dos seus atos porque eles são cometidos sob plena posse das suas faculdades. Num caso de transtorno mental, o indivíduo olha para a realidade de forma distorcida e a sua capacidade de avaliação do mundo fica comprometida. Dentro dos transtornos mentais há os surtos psicóticos, ou seja, episódios em que o discernimento fica comprometido e que o indivíduo pode agir sem se rever, depois, nos seus atos.

Mas isso é algo que as pessoas com esta condição, como os burlões, conseguem disfarçar. Por isso é que ninguém podia prever que o simpático Pedro Dias era capaz de matar um militar da GNR à queima-roupa, obrigar o outro a colocar o cadáver do colega na bagageira do carro patrulha e seguir com ele algemada à pega do carro ao longo de cinco quilómetros. O Pedro Dias que Arouca conhece nunca amarraria esse GNR a uma árvore e dispararia à cabeça do militar pronto a matá-lo sem piedade (ficaria apenas ferido, mas Pedro Dias não o soube na altura); nunca tiraria a vida a um homem e à sua mulher (que não morreu, mas que está em estado grave) sem sequer se dirigir a eles, apenas para lhes roubar um automóvel para a fuga; e nunca tentaria sufocar uma idosa com uma almofada quase até à morte.

Qual é o calcanhar de Aquiles de Pedro Dias?

Independentemente do que aconteceu nos momentos dos crimes, quanto mais o tempo passa, mais certezas há de que Pedro é um homem muito inteligente. Paulo Sargento, diretor da Escola Superior de Saúde Ribeiro Sanches e docente na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, diz que o homem mais procurado do país já demonstrou ser um indivíduo com facilidade de adaptação e com uma notável capacidade de resolver problemas. Do seu lado tem ainda a vantagem de conhecer bem a região por onde tem vagueado nas últimas duas semanas, ter um ótimo sentido de orientação – muito graças ao treino militar que recebeu enquanto esteve na África do Sul – ser organizado ao ponto de desenhar esquemas de atuação com facilidade e o facto de ser um homem robusto e saudável.

O que está a favor e contra Pedro Dias?

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Pontos a favor. Pedro Dias…

  • … tem treino militar que o torna apto a sobreviver em ambientes agrestes com maior facilidade do que a maior parte das pessoas.
  • …. é resiliente, resistente, adaptável e capaz de engendrar planos de atuação com facilidade para resolver problemas com rapidez.
  • … conhece bem a região onde tem andado e é dotado de um ótimo sentido de atuação.
  • … pode ter acesso à informação da polícia através da comunicação social.
  • … é um homem robusto e saudável.

Pontos contra. Pedro Dias…

  • … acabará por se sentir em desespero, desconfortável e desgastado.
  • … sentir-se-á cansado e o sono vai trair a sua capacidade de tomar decisões.
  • … sabe que tem 25 anos de prisão garantidos (pena máxima) e pode ceder e entregar-se.

Pedro é um homem muito atento, mas para Carlos Poiares, psicólogo criminal, será por aí que, mais tarde ou mais cedo, revelará o seu ponto fraco. Até agora tem tido a capacidade de tomar decisões friamente, de um modo tão calculado e rápido que tem conseguido ultrapassar os obstáculos sem demonstrar afeto. Mas a capacidade de tomada de decisão só se mantém equilibrada quando a mente também estiver em equilíbrio. E o que retira equilíbrio ao cérebro é o cansaço. É uma questão de tempo até que Pedro comece a sentir sono e seja conduzido a um estado de depressão. “Ele vai entrar em desespero, vai sentir-se encurralado e desconfortável”, explica Carlos Poiares.

Basta olhar para a pirâmide de Maslow, uma hierarquia das necessidades humanas prevista pelo norte-americano Abraham Harold Maslow, para entender porquê: na base dessa pirâmide estão duas necessidades essenciais: a primeira é a necessidade fisiológica, que prevê a imprescindibilidade de respirar, comer e beber, da sexualidade e de dormir; e a segunda é a necessidade de segurança e de conforto. Um dos pressupostos da pirâmide de Maslow é que um indivíduo não consegue satisfazer as necessidades previstas nas camadas superiores se não vir as necessidades previstas nas camadas inferiores satisfeitas.

Ou seja, se Pedro deixar de dormir ou de comer normalmente e se começar a sentir-se desconfortável, só e em perigo, toda a resistência e resiliência que tem demonstrado vai desmoronar-se. E os erros que cometer a partir daí serão fulcrais para que a polícia o possa finalmente deter.

Os becos sem saída na mente de Pedro Dias

Certo é que a mente humana é um labirinto com mais pontos de interrogação do que certezas. E o comportamento que Pedro Dias tem revelado prova isso mesmo. Se for verdade que tem um transtorno psicopata, então é normal que os apelos dos amigos e a memória da sua família não o demovam da fuga: este homem não se sensibiliza. A frieza afetiva é tanta que não consegue prever o sofrimento alheio: embora saiba que as pessoas estão a sofrer (aquelas que ele atacou, mas também as pessoas que o amam), não consegue descodificar essa dor e torna-se indiferente a ela, explica-nos Paulo Sargento.

Mas também é difícil descobrir o que o leva a continuar a fugir: é que “medo não pode ser porque ele sabe que tem 25 anos de prisão garantidos“, acrescenta Carlos Poiares.

Outro mistério sobre Pedro Dias é porque é que ele parou entretanto de matar: a sua indiferença à vida alheia parece ter mudado a partir do momento em que se cruzou com os dois idosos em Moldes, perto da terra onde vivia. Nesse episódio, Pedro tentou matar a mulher, sufocando-a com uma almofada, mas algo fê-lo controlar os seus impulsos. Pode ter sido a idade das vítimas (pode ter pensado que, pela idade avançada, eles não seriam uma verdadeira ameaça), uma quebra na força de vontade ou o facto de serem pessoas da terra, sugere o psicólogo criminal.

Ou então pode ter sido uma questão mais instrumental, sugere Paulo Sargento: pode ter-se sentido saciado (pelo menos por enquanto), ter ficado com poucas munições ou ter mudado o seu modus operandi para se tornar mais discreto e conseguir assim fugir.

Pedro Jorge Dias está em fuga há dezasseis dias. Em casa, os amigos preferem manter a imagem do “Pedro simpático” e da sua presunção de inocência como escudo: repetem na comunicação social que o amigo não cometeu estes crimes e que “ele não fez nada porque não o vejo a fazer estas coisas”, como disse Sara Devesas, sua vizinha e ex-aluna da mãe. Mas, para a polícia é o “Pedro homicida”, um homem considerado “altamente perigoso” que está “fortemente armado” e tem de ser encontrado e detido.