O primeiro-ministro está contente com o que atingiu no primeiro ano de Governo, mas deixou o aviso — no discurso de encerramento das jornadas parlamentares do PS — que o seu plano é a dez anos. A sua Agenda para o país é mesmo para a Década, lembrando que o futuro que o Executivo está a preparar vai muito para além do “dia-a-dia” e “ultrapassa a legislatura”, que acaba em 2019. O binónimo otimismo (do Governo) versus o “diabo” anunciado pela oposição também voltou a ser lembrado por António Costa, que quer dar mais poder às autarquias já no próximo mandato.

Ó Diabo, a fé de Costa é para dez anos

Num discurso que fechou três dias de jornadas parlamentares, António Costa deixou um aviso: veio para ficar. Não por um ano, nem por dois, mas por mais de uma legislatura. Foi sempre esse o seu plano e só assim conseguirá que o país “vire a página” e resolva os problemas estruturais. Após várias referências ao Orçamento para 2017, o primeiro-ministro explicou que “o orçamento é muito importante, mas há mais vida para lá do Orçamento. Há mais vida para além da política do dia-a-dia e quando me candidatei à liderança do PS, apresentei um documento para a década, que está espelhado no Plano Nacional de Reformas”.

Fez então o aviso, que sempre esteve lá — com as letras todas — quando se candidatou ao PS: “Uma Agenda para a Década”. Costa insistiu que o Governo que dirige não se limita aos “problemas do dia-a-dia, nem serve só para corrigir os erros da governação anterior, mas pretende atacar na raiz os bloqueios estruturais, e isso implica não a governação de uma legislatura, mas de médio longo-prazo, só assim retomaremos uma trajetória de convergência com a União Europeia”.

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Em todo o discurso, Costa ainda insistiu mais uma vez que a sua visão para o país não tem “um futuro limitado ao horizonte de legislatura, mas a ambição de uma agenda para a década, que permita o desenvolvimento do país.” Na verdade, Costa assume que o seu plano não se esgota no mandato de quatro anos. Veio para ficar. Para se recandidatar ao cargo novamente até conseguir executar o que planeou para o país.

Essa agenda de Costa, garante o próprio, inclui as “reformas estruturais que temos de fazer e não aquelas com as quais a direita se andou a vangloriar de baixar salários que não são reformas estruturais, são retrocessos”. Costa pede por isso aos deputados do PS para continuar a “trabalhar juntos no próximo feito.”

O caminho deve ser feito com a determinação necessária, que até lhe podem chamar otimismo, contra aqueles que estão sempre à espera do diabo, mas que têm pouca fé nas portuguesas e nos portugueses para vencerem a crise”, atirou António Costa.

Costa assume-se assim como otimista, característica que o próprio chefe de Estado já lhe atribuiu. Marcelo Rebelo de Sousa chegou a dizer que António Costa tem um “otimismo irritante”.

É preciso “tranquilidade”

“Tranquilidade”. A expressão ganhou popularidade quando um antigo treinador de futebol do Sporting, Paulo Bento, mesmo perante as adversidades, pedia calma. Num discurso do secretário-geral que tinha um pedido prévio de alguns deputados sportinguistas — como o líder da bancada, Carlos César — para que não atrasasse a cerimónia e se conseguisse ver o jogo entre o clube e o Real Madrid, Costa retratou um “país que respira um clima de tranquilidade, as famílias e as empresas deixaram de viver na incerteza de saber se acordavam a ouvir na rádio que iam cortar mais um salário” e com um Governo que “deixou de viver na incerteza de um plano B, de mais um orçamento retificativo”.

Uma das conquistas do primeiro ano de Governo, no entender de Costa, é que “o país recuperou a sua normalidade e nada melhor para um país do que viver tranquilamente a sua normalidade”. O secretário-geral lembrou ainda que — quando este governo tomou posse — “muitos diziam que para nos mantermos no euro não podia haver mudança de política e que, para haver mudança de política, não nos podíamos manter no euro”.

Costa lembrou ainda os “compromissos que assumiu com os parceiros no Parlamento, com os portugueses e enquanto país no quadro da União Europeia”. Ora, Costa acredita que, passado um ano, o Governo cumpriu com todos eles. “Quando estamos quase a completar um ano podemos dizer que cumprimos o que prometemos e estamos a ver os resultados daquilo que cumprimos.”

“Emprego, emprego, emprego”

António Costa fez também um levantamento daquilo que têm sido as principais políticas do governo, definindo claramente uma hierarquia. “A prioridade da política económica do Governo é: emprego, emprego, emprego”, garantiu Costa, que se congratulou pela criação de cerca de 90 mil empregos no último ano.

A nível financeiro, Costa também puxou dos galões (neste caso ainda previsões) do défice orçamental, garantindo que o país vai ter “o menor défice dos 42 anos de democracia portuguesa“. Lembrou ainda que, como disse a Comissão Europeia, “vamos sair do procedimento por défices excessivos no próximo ano.” Além disso — numa altura em que evita falar de renegociação da dívida, uma exigência dos parceiros Bloco de Esquerda e PCP — Costa promete uma “redução sustentada da dívida a partir do próximo ano.”

O primeiro-ministro, cumpridor das metas de Bruxelas, utiliza até os mesmos trunfos políticos de Maria Luís Albuquerque: antecipar pagamentos do empréstimo da troika para poupar nos juros. E anunciou que o Governo não só “não precisou de adiar”, como até antecipou esta terça-feira “duas tranches de pagamento ao FMI, que se traduz em 2017 e 2018, numa redução de 40 milhões de euros dos juros a pagar.”

Seguiu depois uma descrição de fazer lembrar a revolução tranquila. O retrato de Costa foi extenso:

O que conseguimos não foi só a reposição dos salários, das pensões e o aumento das pensões sociais, cumprimos também noutros domínios que são centrais: no desenvolvimento do Estado Social, com a oferta dos manuais escolares na Educação, com mais 600 novas camas de cuidados continuados e a redução em 24% do valor das taxas moderadoras que tinham sido aumentadas na Saúde.”

Quanto ao Orçamento para 2017, que retoma a discussão na especialidade já na quinta-feira, Costa lembra que “prossegue a trajetória de reposição de rendimentos, de melhoria de condições para o investimento privado, e também do investimento público, que irá crescer em 20%”.

Além disso, sem mexer na “consolidação das contas públicas”, o primeiro-ministro dá exemplos de melhorias feitas em sede de especialidade: a eliminação da sobretaxa para “91% dos contribuintes já em janeiro de 2017” e o “aumento extraordinário de seis euros para pensões mais baixas.”

Potenciar as traseiras do país

No fim das jornadas parlamentares na Guarda, o primeiro-ministro não esqueceu o interior e a promessa de valorizar o território, que era o mote do evento. António Costa diz ter cumprido o “compromisso de dar uma nova atenção a esta zona do território nacional a que nos habituámos a chamar de interior”, lembrando que o Orçamento para 2017 já integra algumas das 164 medidas do Plano Nacional de Coesão Territorial.

António Costa defendeu ainda que “não há valorização do território sem a mobilização do poder autárquico” e promete um “voto de confiança naquele que tem sido um dos grandes contributos nesse sentido: a descentralização”. O primeiro-ministro compromete-se assim a “concluir um pacote de descentralização com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Associação Nacional de Freguesias, para que já no próximo mandato autárquico, em 2018, as autarquias tinham mais meios e mais poderes.”

O primeiro-ministro assume que “na Comissão Europeia já começou o debate do pós-2020” e que o Governo está “com olho no 2020”, daí que seja importante que “no próximo mandato autárquico, as Comissões Coordenadoras de Desenvolvimento Regional têm de ser eleitas pelos autarcas das regiões” que coordenam.