Foi um Donald Trump (agora empossado Presidente) igual a si mesmo. Esta quinta-feira, e na primeira entrevista oficial que concedeu, Trump recebeu a cadeia televisiva ABC na Sala Oval e foi polémico — quer pelo discurso tantas vezes xenófobo ou apelando ao ódio, quer pelas mentiras que apregoa como sendo verdades absolutas. O agora presidente norte-americano voltou, por exemplo, a garantir que México (mesmo depois de o presidente mexicano ter criticado o seu discurso) pagará pelo muro a erguer na fronteira entre os dois países. E garantiria também que a sua tomada de posse foi a maior de sempre e que, durante as eleições, a rival Hillary Clinton teve entre três e cinco milhões de votos ilegais. Novidades, não se ouviram. Confirmações, sim. Desde logo o regresso de técnicas de tortura como o “waterboarding” (técnica que recorre a água para provocar sensação de afogamento) porque “funcionam” e para evitar que o Estado Islâmico “decapite católicos no Médio Oriente”.

México: “O muro será bom para os dois países”

Donald Trump assinou esta quarta-feira um decreto sobre imigração que abre a porta à construção do muro na fronteira com o México. Na entrevista à ABC voltou a garantir que este é mesmo para avançar. “Poderei esperar um ano até à construção, mas quero construir. Nós temos de fazê-lo. Temos de impedir as drogas de entrar. Temos de impedir as pessoas de entrar”, começou por dizer Trump, voltando “à carga” mais adiante na mesma entrevista, mas aí com prazos mais curtos para a conclusão da obra: “O muro estará concluído tão rapidamente quanto for possível. Eu diria que dentro de meses vai estar. A planificação é para começar já.”

Mas afinal, quem pagará? Por enquanto, os contribuintes norte-americanos. Depois, o México. Trump voltou a garantir isso, mesmo após o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, se ter recusado a fazê-lo. “Ele [Peña Nieto] tem que dizer isso. Mas haverá um pagamento. Vamos negociar com o México e vamos ser reembolsados. Será bom para os dois países e a nossa relação será melhor do que nunca”, garantiu Trump.

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Ainda em relação ao México e, concretamente, à vinda de mexicanos ilegais para através da fronteira, o presidente dos Estados Unidos garante que está a repensar a política anti-imigração e que terá uma solução “nas próximas semanas”. Uma coisa é certa: todos os ilegais terão que abandonar o país. Todos, ou quase todos. As crianças (também apelidadas de “dreamers”) poderão ficar. “Eles estão aqui ilegalmente. Mas não precisam de se preocupar. Eu tenho um coração grande. Vamos tomar conta de toda a gente”, explicou. Quanto aos restantes, ontem a sua expulsão já era tarde. E explica: “A nossa fronteira vai ser [com o erguer do muro] mais forte e sólida. É verdade que estamos a olhar para imigração com o coração. Mas também há muitos criminosos e gente má entre nós. Esses vão embora. Vão ser rapidamente expulsos”.

As irregularidades nas eleições: “Até mortos votaram em Hillary”

Sobre a alegada (e por Trump já assumida) interferência russa nas eleições norte-americanas, nem uma palavra. Mas Trump falou das eleições e voltou (tal como após a vitória) a denunciar uma fraude eleitoral. Segundo este, Hillary Clinton teve entre três e cinco milhões de votos ilegais. Caso não tivesse, Trump venceria igualmente o voto popular — a rival democrata teve dois milhões de votos a mais, mas Trump venceria no Colégio Eleitoral. “Vamos averiguar o que se passou. Há gente registada que está morta há muito tempo, há gente que está ilegal e que votou, há gente registada em dois estados e que votou nos dois. São milhões de votos. E nenhum foi para mim. Mas o que interessa é que venci de forma massiva. É essa a beleza do Colégio Eleitoral”, atirou.

A polémica visita à CIA: “Fui ovacionado de pé!”

A visita de Trump à sede da CIA, em Langley, na Virgínia, foi tudo menos de cortesia. Na hora de discursar, e de costas para um mural que homenageava os agentes da CIA mortos em serviço, nem uma referência a tais perdas. Antes, Trump falou de si e da perseguição que, acusa, a imprensa norte-americana lhe move. O próprio ex-diretor da agência de informação, Jonh Brennan, foi crítico de Trump, acusando-o de ter feito um ““exercício detestável de auto-engrandecimento em frente ao mural de homenagem aos heróis”.

Trump nega que o tenha feito. “Eu tenho muito respeito por quem trabalha na CIA. O Mike Pence [vice-presidente] chegou antes de mim e prestou uma grande homenagem em frente do mural. Quando eu cheguei, e antes de discursar, também o fiz”, explica. Quanto ao discurso, Trump garante que foi um êxito. “Foi grandioso. Aplaudiram-me de pé. É uma das maiores ovações de pé de que há memória. Eu sei quando faço bons e maus discursos. Aquele discurso foi um ‘home run’!” Quando questionado se faria tudo na mesma, Trump responde de pronto: “Absolutamente”.

A maior tomada de posse “de sempre”, ponto

O dia da tomada de posse de Donald Trump continua a fazer correr tinta. E Trump faz questão que corra. Após o seu porta-voz Sean Spicer ter convocado a imprensa para a acusar de “minimizar o apoio massivo” que Trump recebeu, agora é o próprio Presidente a garantir que nunca se assistiu a uma tomada de posse assim. “Não vou permitir que menosprezem aqueles que vieram de longe até Washington [para a tomada de posse]. As fotografias que vocês [imprensa] mostraram foram desagradáveis e tiradas demasiado cedo e de certos ângulos. Posso mostrar-lhe uma fotografia no final e vai ver uma multidão imensa”, prometeu Trump. E concluiu: “Em termos de audiência total, foi a maior tomada de posse da história. Tem de concordar com isso. Quando olhei para aquele mar de gente, pensei: ‘Wow!’ E olhe que eu já vi muitas multidões. E muito, muito grandes…”

O regresso da tortura que “funciona” contra as “decapitações” do Estado Islâmico

Donald Trump poderá autorizar a reabertura de prisões secretas da CIA no estrangeiro e a continuação do programa de interrogatórios que foi desmantelado em 2009, por os seus métodos terem sido considerados práticas de tortura. A informação é avançada pelo Washington Post, que diz ter tido acesso ao esboço de um decreto que Trump deverá assinar nos próximos dias. Em entrevista à ABC, o presidente não nega. E até elogia a tortura — concretamente o “waterboarding”, ou “afogamento simulado”. “Falei com oficiais dos serviços secretos e perguntei-lhes: ‘Funciona? A tortura funciona?’ E eles responderam-me: ‘Sim, absolutamente!’ Sim, quero trazer de volta [a tortura]. Quero manter o nosso país a salvo.” Mas a salvo de quem? Aí, o dedo acusatório de Tump volta-se para Estado Islâmico. “Quando eles estão a decapitar a nossa gente, quando o fazem porque elas são cristãs no Médio Oriente, quando o Estado Islâmico faz isso, devo eu sentir-me mal por causa do ‘waterboarding’? Tanto quando sei, devemos combater o fogo com o fogo.”

Banir os refugiados por serem muçulmanos? “Não… Mas alguns são do Estado Islâmico e têm más intenções”

Antes mesmo de ser eleito, Trump nunca escondeu (em comícios ou no Twitter) que pretenderia impor restrições à entrada de refugiados no país. Assim que chegou à Casa Branca, essa foi uma das primeiras vontades do novo Presidente. À ABC, voltou a afirmá-lo, mas garante que esta não será uma medida contra os muçulmanos. No entanto, propositadamente ou não, associa-os ao Estado Islâmico. “Não, não estamos a banir os muçulmanos. Eles [refugiados] vêm de um país onde há um tremendo horror. E vêm para cá causar-nos problemas enormes. O nosso país já tem problemas suficientes para resolver. Muitas das pessoas que chegam, vêm com más intenções. Algumas até são do Estado Islâmico. Não quero isso. Vou ser o presidente de um país mais seguro!” Mas a medida poderá ser impopular e até xenófoba? “O mundo está um desastre. Acha que isto vai causa mais raiva? O mundo já é um lugar enraivecido.”