O Presidente da República publicou uma nota no site sobre a conferência de imprensa de Mário Centeno e escreveu que “ouvido o senhor primeiro-ministro, que lhe comunicou manter a sua confiança no senhor professor doutor Mário Centeno, aceitou tal posição, atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”.

Num comunicado com cinco pontos, publicado antes da meia-noite, Marcelo enfatizou que só aceitou como válida a confiança que António Costa manifestou no ministro das Finanças porque, como Expresso noticiou no sábado, seria “uma loucura” provocar a queda do ministro numa altura em que Portugal se prepara para sair dos défices excessivos e está a consolidar o sistema bancário. Agora, depois de ter ouvido a conferência de imprensa de Centeno realizada na tarde desta segunda-feira, o Presidente deixa o ministro ainda mais fragilizado ao fazer questão de dizer ser o “estrito interesse nacional” que o aconselha a isso. Em nenhum ponto da comunicação Marcelo defende as explicações do ministro ou diz que foram esclarecedoras.

Marcelo escreve que “registou as explicações dadas pelo senhor ministro das Finanças, bem como a decorrente disponibilidade para cessar as suas funções, manifestada ao senhor primeiro-ministro”. Ou seja, fez questão de sublinhar que o próprio Centeno sentiu estar numa situação de fragilidade tal que o levou a dizer a António Costa que o podia demitir.

No terceiro ponto, o Presidente da República destacou o facto de Centeno admitir que pode ter levado António Domingues a acreditar que era suposto estar fora da alçada da lei de 1983 que obriga os gestores da Caixa Geral de Depósitos às declarações no Tribunal Constitucional:

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[O Presidente da República] reteve, ainda, a admissão, pelo Senhor Ministro das Finanças, de eventual erro de perceção mútuo na transmissão das suas posições”, escreveu Marcelo.

Esta é uma questão central, uma vez que é a primeira vez que o ministro das Finanças admite que pode ter criado em António Domingues a convicção de que não teria de declarar rendimento e património no TC. Este ponto da comunicação não pode estar desligado do anterior: Marcelo escreveu ter tomado “devida nota, em particular, da confirmação da posição do Governo quanto ao facto de a alteração do Estatuto do Gestor Público não revogar nem alterar o diploma de 1983, que impunha e impõe o dever de entrega de declarações de rendimento e património ao Tribunal Constitucional.” Ora, se o Governo nunca teve dúvidas e se foi sempre esta a sua posição, não havia qualquer razão para “o erro de perceção mútuo” admitido por Centeno.

O Presidente da República ainda publicou esta frase mais enigmática: “A interpretação autêntica das posições do Presidente da República só ao próprio compete.” Aparentemente, o recado dirige-se ao PSD, que se desdobrou em críticas depois de Rebelo de Sousa parecer ter apoiado o Governo nesta polémica.

Uma conversa com Centeno à hora do almoço

Mário Centeno foi falar com o Presidente da República à hora de almoço desta segunda-feira para uma conversa que durou cerca de meia-hora. O ministro das Finanças esteve reunido a sós com Marcelo Rebelo de Sousa e terá informado o Presidente do que diria esta tarde na conferência de imprensa. Não terá sido estranha a esta iniciativa a fragilização do ministro, a sua permanência no Governo — Centeno disse que pôs o lugar à disposição de António Costa — e a coerência da história do Governo sobre a Caixa Geral de Depósitos e o acordo com António Domingues para ser presidente do banco.

Mário Centeno explicou na conferência de imprensa que foi por sugestão de Costa que pediu a audiência a Belém, para explicar “detalhadamente” de viva voz todo o processo ao Presidente.

Confrontado esta tarde pelos jornalistas à entrada de um evento no Teatro São Carlos, Marcelo recusou comentar o caso: “Não me pronuncio sobre isso. Quando me quiser pronunciar, pronuncio-me.” E pronunciou-se minutos antes da meia-noite.

Depois de Centeno ter sido acusado de mentir no último debate quinzenal no Parlamento, o Presidente da República fez uma declaração na semana passada em que, aparentemente, se colocava ao lado do Governo:

Ou há um documento escrito pelo senhor ministro das Finanças em que ele defende uma posição diferente da posição do primeiro-ministro ou não há. Se não há, é porque ele tinha a mesma posição do primeiro-ministro, para mim é evidente”, afirmou então Marcelo Rebelo de Sousa.

As palavras do Presidente, no entanto, podiam ser lidas de forma diferente: o ministro poderia estar em causa, caso houvesse um documento a contrariar o que Centeno disse, mas também estaria na linha de fogo presidencial se afinal a posição do ministro nas negociações com António Domingues fosse diferente da que António Costa comunicou a Marcelo. A assunção do “eventual erro de perceção” de Centeno não terá agradado a Marcelo.

Quando promulgou a alteração ao Estatuto do Gestor Público em junho, o Presidente emitiu uma nota (ver ponto 4) que confirmava a existência de negociações da nova administração da Caixa com o Governo. Nessa ocasião, Marcelo enfatizou que retirar a liderança do banco das regras obrigatórias para os gestores públicos era condição necessária para que os administradores tomassem posse. Foi a primeira vez que houve uma indicação de que aquela era uma alteração legislativa feita à medida e negociada com o Executivo (mas só se referia à questão salarial).

Marcelo esteve sempre informado do que iria acontecer durante esta tarde: o primeiro-ministro também falou com o Presidente da República antes de enviar um comunicado a dizer que mantinha a confiança em Mário Centeno. António Costa assume que teve conhecimento do conteúdo da comunicação escrita, que seria lida pelo ministro das Finanças na conferência de imprensa em que disse ter reiterado ao primeiro-ministro que o seu lugar “está à disposição desde o dia em que” iniciou funções, esclarecendo depois que não pediu a demissão.

António Costa fez questão de tornar público minutos depois do fim da conferência de imprensa no Ministério das Finanças que, “esclarecida a lisura da atuação do Governo”, no caso da Caixa Geral de Depósitos “nada justifica pôr em causa a estabilidade governativa e a continuidade da sua política, para o que o contributo do Professor Mário Centeno continua a ser de grande valia”.

Tendo lido a comunicação do Senhor Ministro das Finanças e após contacto com Sua Excelência o Presidente da República, entendo confirmar a minha confiança no Professor Mário Centeno no exercício das suas funções governativas”, escreveu António Costa no comunicado.

No mesmo texto em que reforça a confiança no ministro, o primeiro-ministro faz uma série de elogios a Mário Centeno: “Sob sua responsabilidade direta, Portugal logrou, em 2016, a estabilização do setor financeiro. As condições do setor bancário são hoje substancialmente melhores do que as que encontrámos em dezembro de 2015″. E ainda acrescenta os resultados do ponto de vista macroeconómico:

A tudo isto se soma a melhoria da economia real. Em 2016, o Professor Mário Centeno conseguiu o melhor exercício orçamental da nossa vida democrática, no quadro de uma reorientação da política económica, que permitiu a devolução de rendimentos e a criação de condições para o investimento, que se saldou pela aceleração do crescimento e melhorias significativas na criação de emprego.”

Retirada a referência a um encontro recente entre o Presidente da República e António Domingues.