Paulo Portas não voltou à política, mas foi de política que falou esta segunda-feira: de consultas populares (veja-se o Brexit), de eleições primárias nos partidos (que escolheram Trump) e de eleições diretas (nos partidos portugueses). Todas têm um problema. Não são abençoadas: “Quanto mais vejo referendos e suas consequências, primárias e suas consequências, diretas e suas consequências, mais admiro o método cardinalício”, disse o ex-líder do CDS numa palestra em que tinha a seu lado Durão Barroso. “O que é a democracia representativa em grande qualidade? Um coletivo de 120 pessoas, como lembra o Professor Adriano Moreira, sem carisma mas com função, nenhum deles curiosamente eleito, todos nomeados, foram capazes, com assistência do Espírito Santo, de eleger o Papa Wojtyla, na hora em que o Papa Wojtyla era necessário para mudar o mundo, e eleger o Papa Francisco, na hora em que o Papa Francisco foi capaz de responder ao novo mundo para a Igreja. Vejam lá se não são melhores consequências do que referendos, primárias e diretas”.
Foi desta forma que Paulo Portas terminou a sua intervenção no almoço-palestra sobre o tema “Globalização e Desglobalização: a Posição da Europa face à nova Liderança Norte Americana”, organizado esta segunda-feira pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Uma “última provocação“, advertiu o ex-vice-primeiro-ministro, que levou Durão Barroso, desta vez na pele de mestre de cerimónias, a terminar o encontro com um brinde às “democracias, às sociedades e às economias abertas”.
Longe vai a versão dos anos 90 e eurocética de Paulo Portas. Numa União Europeia desorientada, tentada a resolver os seus problemas estruturais com referendos e para lá da área de influência do Espírito Santo, a única solução para o projeto europeu, acredita o antigo líder do CDS Portas, é a coesão.
A Europa, que está a perder competitividade, que tem um défice de lideranças, que tem muitos problemas estruturais por resolver, não pode largar a mão de uma coisa: que é de ser o primeiro bloco económico do mundo“. E mesmo um motor engripado não pode ter duas velocidades, defendeu Portas: “Sou patriota e português. No euro, cumprem-se as regras mas não pode haver primeira ou segunda divisão”.
Numa sala de um hotel de Lisboa recheada de diplomatas e representantes de peso do CDS, como Adriano Moreira, Assunção Cristas ou Pedro Mota Soares, e do PSD, como José Luís Arnaut e Pedro Reis, Paulo Portas propôs-se a analisar os vários desafios que a União Europeia enfrenta no atual contexto, sobretudo depois da eleição de um Presidente norte-americano menos próximo de Bruxelas do que os seus antecessores. Uma nova realidade, sublinhou o democrata-cristão, que não pode ser dissociada dos desafios que encerram a saída do Reino Unido da União Europeia, o relançamento da Rússia enquanto potência mundial, a “otomanização” da Turquia e a falta de lideranças fortes na Europa.
Mas foi Donald Trump quem dominou grande parte da intervenção inicial de Paulo Portas. O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros sublinhou o carácter narcisista do novo Presidente norte-americano, mas não sem antes fazer uma ressalva: todos as personagens que desfilam na “vida política” vivem numa “competição” permanente entre “narcisismo e institucionalismo”. No entanto, “neste momento, o narcisismo parece estar a prevalecer” na Casa Branca. “O ponto está em saber é se a dose é tão exagerada que impede de ver outra coisa que não o reflexo do espelho”, sugeriu.
Para Portas, de resto, “Trump será um Presidente muito parecido com o candidato”. Ou seja: “Desvaneceu-se a tese de que o establishment era capaz de alterar a natureza do candidato. Trump acha que pode ser Presidente como era CEO das suas empresas“.
Mas quem vive pela espada, morre pela espada, continuou o antigo líder do CDS. “Trump parece ter uma fé simples, para não dizer simplista: a eficácia [da governação] mede-se pelos acordos e os acordos só se obtêm em posição de força. Trump vai ter de mostrar acordos e provar a quem o elegeu “que vale a pena ter um Presidente confrontacional“. Sem resultados, que até agora escasseiam, como prova a dificuldade em aprovar a reversão do Obamacare, Trump sairá fragilizado.
No caminho, “Trump mudará frequentemente de opinião” e não deverá “ser penalizado por isso”, defendeu o antigo líder do CDS. “A rigidez da palavra política é um problema dos políticos profissionais. De um bilionário não se espera a coerência, espera-se a eficácia”, notou.
Traçado esse perfil, Paulo Portas não deixou de sublinhar aquele que acredita ser o ponto forte do novo Presidente norte-americano, por oposição aquela que é, neste momento, uma das maiores fragilidades da Europa: a aposta decidida no aumento da competitividade da economia. O antigo ministro da Defesa de Durão Barroso lançou os dados: como ficará a União Europeia se do outro lado do Atlântico os Estados Unidos apostarem numa forte desregulação económica interna, alicerçada num forte injeção de investimento público, ao mesmo tempo que a Grã Bretanha, fora do clube dos 28, tenta tornar-se “numa espécie de super-Irlanda”? “Será um choque de competitividade terrível nomeadamente para a Europa“, defendeu o centrista.
Ainda que admita que o “excesso de protecionismo pode fazer muito mal à liderança [global] dos Estados Unidos“, sobretudo no setor tecnológico, a Europa corre o risco de ficar para trás se não encontrar respostas para os desafios colocados pela “digitalização e automação da economia”.
Os problemas da Europa são anteriores e posteriores ao fenómeno Trump. A Europa tem um problema sério de competitividade. Uma parte dos europeus é hostil à mudança, é pouco flexível. Um europeu muda de emprego três ou quatro vezes ao longo da vida, um americano muda dez”, defendeu Paulo Portas.
O antigo vice-primeiro-ministro traçaria depois aquilo que considera serem os principais desafios da União Europeia, deixando, à medida que ia avançado no seu raciocínio, algumas provocações. “A Rússia é um adversário global da União Europeia, sim ou não? Eu não faço parte daqueles que confundem a Rússia com a União Soviética, com o Pacto de Varsóvia ou com a quinta coluna“, respondeu Portas, sugerindo uma normalização das relações entre Bruxelas e Moscovo.
Depois, a relação União Europeia-Turquia. Não esquecendo o desafio que as células terroristas que nascem e atuam dentro das fronteiras europeias representam para as forças de segurança, Paulo Portas deixou a pergunta no ar: será que teria existido esta “otamanização e sultanização da política turca” se os responsáveis europeus se tivessem esforçado em liderar uma “autêntica negociação” para a adesão da Turquia à União Europeia?
Mas também o problema das dívidas soberanas europeias, notou Portas, dando o exemplo da Grécia. “Não chegam os dedos das mão para contar os planos de resgate com que a Grécia já se comprometeu e razoavelmente não cumpriu“.
Ou ainda o desafio da migração, que, considera Portas, anda de mãos dadas com a falta de lideranças coerentes entre os Estados-membros. “Tenho muita vergonha que um continente com centenas de milhões de pessoas tenha praticamente colapsado do ponto de vista da sua decisão política por causa de um milhão de refugiados”, afirmou o ex-vice-primeiro-ministro.
A terminar, Paulo Portas abordou ainda a questão do Brexit, defendendo que a União Europeia deve ter manter “negociação racional” e uma “abordagem pragmática” com Londres, por duas razões: comerciais, claro, mas também de segurança.
Não podemos prescindir da colaboração dos ingleses para poder ter uma política credível de segurança”, defendeu o centrista, traçando, ainda assim, uma linha vermelha para as negociações: qualquer acordo que venha a ser obtido não pode favorecer “o risco moral daqueles que querem sair.”
Por esta altura, Durão Barroso tomou a palavra para relançar os termos da discussão em torno dos desafios que a globalização representa para os europeus neste contexto muito próprio que envolve a nova adminsitração Trump. Mas não sem antes contar uma conversa que manteve com George W. Bush, já em fase de transição, durante a primeira reunião do G20, em Washington. Nessa altura, contou o antigo-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia, Bush terá dito que estava muito satisfeito com a eleição de Barack Obama, mas deixou escapar uma frase premonitória: “O próximo Presidente dos Estados Unidos vai ser um nativista, um protecionista e um isolacionista”. Corria o ano de 2008. Oito anos depois, Donald Trump era eleito 45.º Presidente dos Estados Unidos.
Ao desafio de Durão Barroso, Paulo Portas respondeu defendendo mais uma vez a necessidade de adaptação da União Europeia: “Não é a globalização que destrói empregos. O que destrói empregos é a digitalização e a automação da economia. Podem tomar-se medidas legislativas contra a globalização, mas não me parece que o progresso, a digitalização e a automação da economia sejam traváveis”, concluiu o antigo líder do CDS.