Madonna precisa de uma autorização de residência para viver em Portugal e, por “cortesia”, a ministra da Administração Interna abriu-lhe a porta do gabinete, com vista para o Terreiro do Paço, para dar arranque ao processo. Só este ano, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) já atribuiu 73 vistos de residência especiais — a exceção, prevista na lei, permite a atribuição a candidatos de cinco domínios diferentes –, mas sem direito a encontros pessoais com os requerentes.
“Não me lembro de alguma vez ter ouvido falar de uma situação semelhante”, diz ao Observador um inspetor do SEF com várias décadas de ligação ao serviço. Esta quarta-feira, o Correio da Manhã descrevia a operação montada no Ministério da Administração Interna para que a cantora norte-americana e a advogada pudessem ser recebidas com discrição. Até a hora do encontro — 18h30, quando os funcionários já tivessem saído — foi pensada. E a agenda oficial de Constança Urbano de Sousa omitia essa reunião.
A ação terá sido justificada, segundo o diário, por tratar-se de uma “personalidade ímpar, de enorme projeção internacional, com tudo o que isso representa para a imagem do nosso país – ao nível por exemplo do turismo e da economia”. E a lei prevê que possam ser atribuídos vistos de residência à margem do processo normal.
O diploma é a lei de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiro do território nacional (lei n.º 23/2007, de 4 de julho), que estabelece um “regime excecional” para “situações extraordinárias” que podem ser desencadeadas, “a título excecional” pela diretora do SEF ou “por iniciativa do membro do Governo responsável pela área da administração interna”. Neste caso, foi da ministra que partiu a iniciativa de avançar com o processo “excecional”, uma vez que só agora o caso de Madonna passará para a alçada daquele organismo.
Regime especial por ser cantora
Segundo a mesma lei, os vistos especiais podem ser atribuídos por “razões de interesse nacional”, “razões humanitárias” ou “razões de interesse público decorrentes do exercício de uma atividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social”. O processo de Madonna deverá enquadrar-se neste último caso. É para aí que apontam os esclarecimentos enviados ao Observador pelo SEF, onde se acrescenta que, no ano passado, foram atribuídos 132 vistos especiais.
Aquilo que o SEF não esclarece — e a que o ministério de Constança Urbano de Sousa ainda não respondeu — é se em todos os processos considerados “excecionais” a ministra ou a diretora do SEF se dispuseram a receber os requerentes. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras escuda-se no cumprimento do “regime legal de proteção de dados pessoais” para não esclarecer se Madonna será recebida por altos responsáveis da instituição para cumprir o processo burocrático.
A mesma lei que regula a presença de cidadãos estrangeiros em Portugal estipula que “as decisões do membro do Governo responsável pela área da administração interna sobre os pedidos de autorização de residência que sejam formulados ao abrigo do regime excecional previsto no presente artigo devem ser devidamente fundamentadas“. Constança Urbano de Sousa terá, assim, de clarificar em que contexto o Governo decidiu possibilitar à artista o regime excecional de residência no país. Ao Correio da Manhã, fontes próximas da ministra referem que “não faz sentido” obrigar a cantora a recorrer a um visto gold através de investimento (por exemplo, em habitação).
Burocracias é com o SEF
Cumpridas as apresentações formais, é preciso tratar da papelada. Para qualquer cidadão estrangeiro “normal”, isso obrigaria a uma visita aos serviços do SEF.
No caso de Madonna, nada garante que assim seja. De qualquer forma, a artista terá de fazer prova de que cumpre os requisitos legais para que lhe seja atribuída uma autorização de residência em território nacional: terá de apresentar um documento de identificação, provar que tem residência (um tópico ainda em aberto) em Portugal, que tem meios de subsistência e que está livre de antecedentes criminais.
Também terá de registar os seus dados biométricos, como qualquer cidadão faz quando vai renovar o seu cartão de cidadão ou tratar do passaporte. Para isso, existe um programa informático em todos os serviços do SEF. A alternativa — que lhe permitiria evitar deslocar-se a um serviço público e enfrentar as habituais filas — seria que esses dados fossem recolhidos na forma antiga, no papel.