A regularização de dezenas de milhares de trabalhadores precários da Administração Pública será um dos braços de ferro a ter em conta na reta final da legislatura, entre socialistas e bloquistas — que esta quarta-feira à tarde medem forças sobre esse tema no Parlamento. Apesar das expectativas do Bloco de Esquerda, António Costa reconheceu que o processo está atrasado, desculpando-se com a complexidade do programa.
No BE, sugere-se ao mais alto nível — Catarina Martins e José Soeiro, por exemplo — que o PS possa estar a tentar boicotar a lei que aprovou na Assembleia da República ou a ser conivente com esse boicote. O atraso no lançamento dos concursos está a colocar em risco dezenas de trabalhadores cujos contratos temporários estão a chegar ao fim, apesar de estarem sinalizados como trabalhadores para integrar os quadros. O Governo garante que todas as situações estão acauteladas, mas o Bloco levanta muitas dúvidas.
“Não é uma situação generalizada, mas temos registos de pessoas cujos vínculos chegaram ao fim enquanto aguardam o lançamento dos concursos. Ainda hoje [terça-feira] recebi o testemunho de um bolseiro da Universidade de Coimbra que tinha uma bolsa de investigador e trabalhava como contabilista. A bolsa chegou ao fim e o contrato não foi prolongado, apesar de estar abrangido pelo programa de regularização. Ora, isto não pode acontecer“, denuncia o deputado bloquista José Soeiro ao Observador.
Com o lançamento dos concursos atrasado, “há pessoas que não têm qualquer informação sobre o estado em que se encontra o processo“, continua o deputado. “Há muitas pessoas com receio do que lhes vai acontecer”, alerta José Soeiro. Com uma agravante: muitos destes trabalhadores (bolseiros, investigadores, recibos verdes) não terão proteção em caso de desemprego.
A pressão do Bloco aumenta. O primeiro round deste combate acontece esta quarta-feira à tarde, depois de o Bloco de Esquerda ter exigido ao Governo que fosse ao Parlamento explicar os atrasos na implementação do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP). Uma decisão anunciada por Pedro Filipe Soares nas últimas jornadas parlamentares do partido, em Leiria. Nessa intervenção, o líder parlamentar bloquista foi claro: o Executivo tem até ao final de março para lançar os concursos para regularizar os trabalhadores precários da Administração Pública.
Bloco ameaça avançar unilateralmente com valorização das longas carreiras contributivas
A exigência do Bloco de Esquerda tem uma razão de ser: de acordo com a resolução do Conselho de Ministros de 28 de fevereiro de 2017, que definia o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, os concursos deveriam ter sido lançados até meados de fevereiro deste ano. Algo que não aconteceu até este momento e que não deverá acontecer tão cedo.
No último debate quinzenal, 28 de fevereiro, Catarina Martins já tinha confrontado António Costa com o atraso no lançamento dos concursos. O primeiro-ministro reconheceu a demora, falou na “complexidade” do programa e prometeu que os concursos iam ser abertos em abril — não em março, como exigiram os bloquistas.
A garantia de António Costa não satisfez o Bloco de Esquerda. Esta terça-feira, Catarina Martins voltou a subir o tom e a exigir que os concursos fossem abertos até ao final do mês. “Até ao fim do primeiro trimestre os concursos têm de abrir“, insistiu a coordenadora bloquista. “São os serviços [públicos que ficam] sem as pessoas de que precisam e as pessoas sem os salários de que precisam para viver”, acrescentou.
Catarina Martins admitiu, aliás, que este atraso pode ter motivações políticas. “Se este processo não acontecer para estas pessoas quereria dizer que o PS estava a boicotar a própria lei que negociou e aprovou no parlamento. Nós não queremos acreditar que assim seja”. O Bloco não quer acreditar que assim seja, mas não deixa de o sugerir.
José Soeiro concretiza. “Há uma responsabilidade política e direta do Governo que tem de impedir este tipo de boicotes“, diz o deputado ao Observador. O bloquista recorda que o Executivo se faz representar nas Comissões de Avaliação Bipartidas (CAB), através dos ministros das Finanças, do Trabalho e da tutela em causa. E são estas comissões que devem analisar os processos de integração de precários. Neste contexto, o Governo tem obrigação de travar o “boicote” à lei que o Bloco diz estar em curso.
“Ontem [segunda-feira] estivemos na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa onde nos foi dito que dos 800 investigadores, apenas dois desempenhavam funções permanentes. Mas alguém acredita nisto? Há dirigentes, sobretudo no Ensino Superior, com interpretações muito criativas na lei”, denuncia José Soeiro.
Governo garante que trabalhadores estão protegidos, mas não se compromete com prazos
Mesmo perante a pressão do Bloco de Esquerda, o Governo assegura que todas as situações estão acauteladas. Ao Observador, fonte oficial do gabinete do ministro do Trabalho e da Segurança Social garante que os trabalhadores abrangidos pelo programa de regularização extraordinária serão protegidos e terão os contratos “prorrogados até à conclusão dos concursos”.
No caso de o contrato já ter terminado, salvaguarda o gabinete de Vieira da Silva, os vínculos vão ser renovados até à conclusão dos concursos de regularização.
Ainda que não explique a razão de todo o atraso no processo, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social garante que “algumas” comissões de avaliação têm os seus trabalhos “praticamente” concluídos. Para que seja possível abrir os concursos, os pareceres têm de ser homologado por três ministros (o da tutela, o das Finanças e do Trabalho), algo que já acontece em alguns casos. “Já existem pareceres homologados pelos três ministros, pelo que a expectativa do Governo é de que muito em breve possam começar a ser abertos os primeiros concursos“, nota o gabinete de Vieira da Silva.
Quanto ao fim do PREVPAP, fonte oficial do Ministério do Trabalho lembra que, de acordo com a resolução do Conselho de Ministros de 28 de fevereiro de 2017, o processo deverá estar concluído até “31 de dezembro de 2018“.
Os bloquistas, no entanto, não recuam um centímetro. “Há condições para abrir os concursos homologados ainda em março. É um objetivo realista. Não queremos crer que haja qualquer motivação financeiro-contabilística para atrasar o processo. A regularização de precários terá um impacto tendencialmente neutro. Não se estão a contratar novas pessoas”, argumenta José Soeiro. “O sucesso deste programa é fundamental. Temos de garantir que ninguém fica para trás“, remata o deputado bloquista, que deverá colocar estas questões no Parlamento.