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Andreia Reisinho Costa/Observador

Andreia Reisinho Costa/Observador

"Em 84 só faltou terem levado as camisolas dos clubes"

Era adjunto do Benfica e foi chamado para "serenar" os ânimos entre encarnados e dragões. Toni era um de quatro treinadores em 84. É a sexta de dez entrevistas que publicamos até ao Europeu.

Já se sabe como ele é. Gosta de falar, fala muito e parece ter sempre algo para dizer. Até o apanhamos numa altura complicada. Toni já não ia a Coimbra “há muitos anos” e está lá “para assinar”, como nos diz a meio da conversa, que interrompe para inverter os papéis e perguntar se a entrevista ainda ia durar muito. É rápido a perceber a possível confusão nas palavras e a corrigir-se, dizendo que pegou na caneta para assinar os papéis de sócio da Académica e não de um contrato para ser treinador. Porque era disso que aquele telefonema tratava.

Toni era treinador da seleção nacional que foi ao Europeu de 1984, mas não era o único. Com ele, para França foram António Morais, José Augusto e Fernando Cabrita, que perfaziam uma equipa técnica com quatro homens a fazerem o que costuma fazer um — dar treinos, definir a tática, escolher jogadores, inventar palestras. “Não era fácil para nós”, admite, cortando à raiz qualquer troca de palavras sobre confusões dizendo que era sempre o “senhor Fernando Cabrita” a decidir o que fosse. Preferências à parte, era sempre o mais velho dos treinadores a tomar as decisões finais: “Pela sua idade e por ser quem era, merecia o respeito para que fosse ele a tomar a decisão que bem entendesse”.

Como é que se sentia como um de quatro treinadores da seleção?

Pois, olhe, quando falamos do Europeu de 1984 o que vem normalmente à baila é: ‘O que era aquilo das quatro cabeças?’. Mas sabe o que nunca vem?

Então?

Uma liderança fraca na federação. Foi por isso que aquilo aconteceu. No fundo, o Europeu foi a antecâmara do que aconteceu em Saltillo, dois anos depois. Está a ver? Eram outros tempos. Também não se fala tanto dos nove jogadores do Benfica e dos nove do FC Porto que foram convocados, a quem só faltava terem levado as camisolas dos clubes.

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Sentia-se muito isso?

Pois. E a intervenção que fiz antes do jogo com a Alemanha foi para frisar que ali só havia uma camisola, a da seleção nacional. Os jogadores passaram ao lado disso tudo e quem levou com o guardanapo no trombil…

Foi o Toni?

Olhe, o que interessa é prestar homenagem aos que partiram. Ao senhor Fernando Cabrita e ao senhor Morais, que já cá não estão, e ao senhor Otto Glória, que foi quem começou a qualificação contra a Polónia, no dia em que o meu filho nasceu: 9 de outubro de 1982.

Como é que foi parar à seleção?

Ora bem, quem era treinador da seleção era o senhor Cabrita. Eu e o senhor António Morais, atendendo às clivagens que já havia entre o Benfica e o FC Porto, nós, adjuntos de Benfica e FC Porto, fomos para serenar isso. Tentávamos que houvesse um equilíbrio ali dentro.

Na época anterior ao Europeu, Toni foi adjunto de Sven-Göran Eriksson no Benfica

Fernando Farinha/Global Notícias

E conseguiram?

Os jogadores olhavam primeiro para eles e o problema, claro, é que todos queriam jogar. E na altura ainda nem havia Lei Bosman. Ui, se houvesse, nem queira saber como teria sido.

Havia certas posições em que era tramado escolher, não?

Nós jogávamos em 4-3-3 e só a pontas de lança havia o Jordão, o Nené, o Fernando Gomes e o Diamantino. Só podia jogar um, agora veja lá. Não era fácil para nós. A equipa técnica dialogava e quem decidia era depois o senhor Cabrita que, pela sua idade e por ser quem era, merecia o respeito para que fosse ele a tomar a decisão que bem entendesse.

E se na altura cada um preferisse um avançado diferente?

Era preciso olhar para as características do adversário e para o que o jogo iria pedir. O Nené não é titular contra a Roménia e entra a sete minutos do fim para decidir o encontro. De qualquer forma, quem tomava a decisão era o senhor Cabrita. Era o líder. A equipa já tinha uma base e o que podia acontecer era oscilar entre um ou outro jogador.

Mas não havia discussões?

Oh, claro que havia. Mas o importante era a liderança, para os jogadores sentirem que ela existia. Era natural que, entre os quatro, fosse o senhor Cabrita a tomar a decisão final.

Mas outro dia falei com o António Veloso e ele disse que o António Morais era quem mandava mais.

O que os jogadores poderiam pensar é qual dos três poderia influenciar mais o senhor Cabrita. Estou completamente despido a falar das coisas. Não sei quem tinha mais influência. Olhe, eu dava a minha opinião e pronto, depois o senhor Cabrita decidia. Sempre houve a coisa de dizer que o Morais defendia os jogadores do FC Porto e eu os do Benfica. Quando o Nené marcou o golo até se disse que os do FC Porto deixaram de falar comigo. Importantes eram as derrotas, nunca fiz delas um drama. O importante era aprender com os erros para não os repetir. E não retiraram lições do que aconteceu no Europeu, porque dois anos depois conseguiram piorar tudo, em Saltillo. Felizmente que esse tempo acabou.

Os jogadores passavam ao lado de tudo isto?

Aí tenho que lhes tirar o chapéu. Embora houvesse essa fratura entre os jogadores, eles dentro do campo ultrapassam tudo. Por isso é que chegaram até às meias-finais com a França e saíram vivos de um grupo com a Roménia, que não é a de hoje em dia, a Alemanha e a Espanha. Na última jornada todas as equipas ainda se podiam apurar.

Mas fala-se sempre muito no facto de Portugal ter tido quatro treinadores.

Sempre se fala nessa troika. Troika não, era um quarteto, mas os jogadores passaram sempre ao lado disso. ‘Ai, se não fosse aqueles malandros da comissão técnica tínhamos ido mais longe e segurávamos a bola a seis minutos do fim, contra a França’.

"O que os jogadores poderiam pensar é qual dos três poderia influenciar mais o senhor Cabrita. Estou completamente despido a falar das coisas. Não sei quem tinha mais influência. Olhe, eu dava a minha opinião e pronto, depois o senhor Cabrita decidia."

Não era isso que queria dizer.

Eu sei, não estava a falar de si. Que idade é que o amigo tem?

Ainda não estava cá quando o Platini nos eliminou.

Está a ver, isto foi há 32 anos! Mas sei o que se dizia e o que se diz quando se abordar o Europeu de 1984. Como este ano também é em França, é natural que se façam ligações com o que aconteceu na altura.

Acha que hoje em dia era possível uma seleção ter quatro treinadores?

Nem pensar. Quer do ponto de vista organizacional, quer em termos de estrutura da seleção, seria impossível. Então agora com a Cidade do Futebol, que é um passo gigantesco que se dá rumo à modernização, não dava. E já não existe o panorama em que se ia buscar um bloco de jogadores ao FC Porto, outro ao Benfica e outro ao Sporting. A maioria dos jogadores estão hoje no estrangeiro, nas grandes equipas europeias. Estão muito mais espalhados. A vontade de jogar é que continua a mesma, por isso é que o Ricardo Carvalho, há uns tempos, teve aquela situação.

Com o Paulo Bento?

Mostra como os jogadores estão lá para jogar, todos querem o mesmo. As leis do jogos já foram alteradas muitas vezes, mas ainda não é permitido jogar com 15 [ri-se].

O Toni via-se a ser selecionador, tendo em conta o que viveu em 1984?

Sabe uma coisa? Quando trabalhamos em equipa temos um compromisso que é feito entre todos. Já tinha sido adjunto de vários treinadores e estava a dar os meus primeiros passos. Estava fresco e ainda me sentia envolvido com os jogadores.

Ainda participava nas peladinhas dos treinos?

Não, calma, já tinha que separar as águas.

O português foi sempre adjunto do sueco nas cinco épocas que Eriksson contou na Luz: entre 1982 e 1984 e de 1989 a 1992

Global Imagens

Se pudesse encarnar num jogador que vai estar neste Europeu, quem escolhia?

[Demora alguns segundos a responder] Hmm, escolheria sempre um português, portanto seria o João Moutinho.

Porque é médio, como o Toni era?

Claro! Se pudesse reencarnar era para jogar no meu lugar.

Tinha alguma coisa a mais que os médios que hoje estão na seleção?

Não gosto de comparar, mas tinha atributos que, na altura, faziam de mim um bom médio. Era um box-to-box, era resistente, tinha uma capacidade razoável e um bom pontapé. Sabia jogar curto e longo e tinha uma boa visão periférica do jogo. Penso que tinha uma cultura tática já elevada e fui evoluindo com a idade. Integrei uma equipa que, em 10 anos, ganhou oito campeonatos.

E se pudesse meter alguém de outros tempos a jogar nesta seleção?

Se fosse para lá meter algum jogador, então seria o Chalana.

E tirava o lugar a quem?

Oh, era o Chalana e mais 10 [ri-se bastante, como se a pergunta fosse parva].

Seria o Chalana, o Ronaldo e mais nove, se calhar.

Ora bem, realmente teria que ser, sim.

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