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Andreia Reisinho Costa/Observador

Andreia Reisinho Costa/Observador

"O Eliseu ou o miúdo não tinham qualquer hipótese de jogar na minha altura"

Era o melhor amigo de Chalana em campo e diz que Eliseu e Raphaël Guerreiro não teriam hipótese com ele. Álvaro Magalhães é o terceiro senhor nas dez entrevistas que fazemos até ao Europeu.

Demoramos a apanhá-lo. São umas cinco chamadas até, por fim, estar desocupado o suficiente para passar uns minutos com o telemóvel encostado à cara, enquanto ouve, fala, responde, pergunta, ri-se, explica e recorda. É um fartote conversar com Álvaro Magalhães, entre o fartote que é a azáfama que o ocupa. Tem apresentações de livros para assistir, treinos no ginásio para fazer, almoços combinados, carros para estacionar, auriculares desaparecidos por encontrar. Mas esperar para o ter confortável e com tempo vale a pena, não há dúvidas. Como também ele não as tem quando se compara os laterais esquerdos que a seleção nacional levará ao Europeu.

Porque Álvaro Magalhães era um “grande profissional”, não se descuidava na “vida invisível” de um jogador, dava tudo e tinha tudo “em termos técnicos, táticos e psicológicos” e, cereja no topo do bolo, ainda tinha Fernando Chalana do mesmo lado do campo. É por isto que é bom falar com Álvaro Magalhães — porque ele fala disto e explica-o durante o tempo que for preciso. O canhoto que guardava o lado esquerdo da primeira seleção portuguesa a ir ao um Campeonato da Europa, em 1984, meteu a cassete, rebobinou-a e parou-a em vários momentos. E valeu a pena.

Tem saudades daquela ala esquerda com o Chalana?

Oh, claro que sim. Fomos considerados a melhor ala esquerda do Campeonato da Europa. A nossa seleção era muito forte e, para os adversários, o lado esquerdo era difícil. Estávamos em grande forma, jogávamos juntos no Benfica e o nosso entrosamento era bom. Provámos isso em campo.

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O Chalana voltava para trás ou era preciso chamá-lo para vir defender?

Às vezes era necessário. Eu tinha que ter um apoio em termos defensivos e ele nem sempre se lembrava. Mas estávamos habituados a esse sistema de jogo e era fácil, funcionávamos bem. O entendimento era perfeito.

Contra a Espanha, em que o Álvaro faz a assistência para o golo, até vai a correr atrás de um passe do Chalana.

Fazíamos coisas incríveis, havia jogadas às quais estávamos habituados por causa do Benfica. Esse passe veio de uma recuperação de bola à entrada da nossa área e eu arranquei logo, também é importante saber jogar para criar espaços a quem tem a bola. Corri pelo corredor e ele coloca a bola nas costas do lateral. O Maceda [central espanhol] tentou fazer a dobra, mas correu-lhe mal.

O Álvaro foi mais esperto?

Por isso é que digo. Para representar uma seleção e equipa grande, um jogador tem que ser inteligente. Não é puxar pelos galões, mas temos que fazer o estudo a quem costuma fazer dobras aos laterais. E o Maceda tentou enganar-me, mas eu fui mais esperto que ele. Dei-lhe a entender que ia tentar chegar a um eventual passe dele para o guarda-redes, para que ele colocasse a bola mais para a lateral antes de a chutar para a frente. Ele tentou tocar a bola para o lado, tirei-lhe a bola e coloco no Sousa.

E foi golo.

É engraçado. Nessa altura, o António Morais, que era um dos quatro treinadores, tinha-me dito: ‘Oh Álvaro, quando fores à linha, não é preciso cruzares sempre para dentro da área. Cruza para fora, porque o Sousa vai estar sempre nessa posição’. Foi o que fiz e o Sousa fez um golo fantástico. Mas o que me ficou na memória desse jogo foi que, na segunda parte, o selecionador espanhol colocou mais um lateral direito em campo, porque o Victor Muñoz estava com muitas dificuldades. Nós estávamos a partir o lateral direito todo. Foi diabólico, fizemos jogadas impressionantes por aquele lado.

Sentia que a seleção tinha muito mais tração à esquerda?

Éramos diabólicos, não há dúvidas. O jornal L’Équipe considerou o Álvaro e o Chalana como a melhor ala esquerda do Campeonato da Europa.

Só faltava partilhar quarto com o Chalana também.

Nessa altura estava com o Diamantino, por acaso. Já no Benfica partilhava quarto com ele muitas vezes. A seguir ao Eusébio, penso que não houve outro igual ao Chalana.

E o Figo e o Ronaldo?

O Ronaldo é desta geração. É um grande jogador, toda a gente sabe, está entre os melhores de Portugal, claro. Para mim é Eusébio, Chalana e Ronaldo.

O Álvaro fez mais de 40 jogos no Benfica durante 1983/84. As pernas não pesavam quando chegou ao Europeu?

Fui totalista, não falhei um jogo! Mas depende se somos, ou não, um bom profissional. Temos que saber respeitar a profissão e o tempo de recuperação. Não é uma hora e meia de treino que nos vai desgastar. Um atleta de alta competição, que representa um clube como o Benfica, que joga todos os jogos, que vai representar a seleção no Europeu, que é o ponto alto de uma carreira, tem que estar mais do que motivado. Tem que ir buscar forças ondas elas não existem.

"Se um jogador é mau profissional fora das quatro linhas, claro que chega cansado a um Europeu ou a um Mundial. Noitadas, má vida. Muitas vezes as lesões não aparecem dentro do campo. Aliás, surgem sempre no campo, sim, mas só porque a vida invisível que o jogador tem não é compatível com um profissional de futebol. Há quem saia dos treinos sem lesões e, no dia seguinte, aparece com dores musculares."

Mas às vezes aparecem jogadores cansados nestas alturas.

Porquê? Se calhar não tiveram cuidado na sua vida invisível. Abusam da profissão e depois claro, há um desgaste físico. Se um jogador é mau profissional fora das quatro linhas, claro que chega cansado a um Europeu ou a um Mundial. Se analisarmos o Ronaldo no Real Madrid, por exemplo, o futebol é muito competitivo e o desgaste é tremendo, é natural que esteja muito cansado. Mas, mesmo jogando mais que os outros, começo a pensar que o Ronaldo chega lá em melhores condições. É um grande profissional, durante o ano trabalha sempre nos limites. Pode aparecer uma lesão ou outra, mas mantém sempre uma boa regularidade durante a época. O tempo de recuperação é fundamental para os momentos de forma de um jogador.

Estava a dizer que os problemas acontecem quando um jogador abusa da profissão. Como assim?

Noitadas, má vida. Muitas vezes as lesões não aparecem dentro do campo. Aliás, surgem sempre no campo, sim, mas só porque a vida invisível que o jogador tem não é compatível com um profissional de futebol. Há quem saia dos treinos sem lesões e, no dia seguinte, aparece lá com dores musculares. Aí alguma coisa se passa. O que se faz fora dos treinos e do campo é o segredo para a longevidade de um jogador.

O Álvaro era atinado?

Apareci em grande forma no Europeu porque tinha um trabalho de grande qualidade no Benfica. E depois fazia boas recuperações, tinha uma vida normal, não andava em noitadas nem em bebidas. Ter uma noite rebenta com um jogador, não há hipótese. Chegas ao dia seguinte sem capacidade para trabalhar. O segredo de um jogador, repito, é trabalhar bem e ter uma boa recuperação. Há tempo para tudo, desde que seja feito com cabeça.

Havia alguém naquela seleção que abusava?

Ninguém. Nas horas livres cada um faz o que quer, mas na altura não.

Alguma vez teve de puxar as orelhas a um companheiro de equipa?

Às vezes, na brincadeira, dizia: ‘Olha, deita-te cedo’. A mim ensinaram-me quando cheguei aos seniores da Académica, e ao Benfica, que dentro do balneário não há amigos. Todos querem jogar. A amizade de fora é uma coisa, no campo todos lutam por um lugar na equipa. Não me venham dizer que tudo é amigo. Não há amigos. No futebol cada um faz o seu trabalho e luta pelo lugar, depois é o treinador que decide.

E como treinador?

Olha, posso dizer. O Paulo Sousa, que até já reconheceu isso, aconselhei-o a ter cuidado na sua vida invisível, se quisesse atingir um nível muito alto. Tinha que seguir o caminho certo. Ele era do meu distrito, de Viseu, e no Benfica já acompanhávamos os miúdos. Ele era juvenil ainda. Há um jogador, que hoje é treinador, que é o Petit, que quando chegou às minhas mãos no Esposende e em Barcelos, ninguém no Boavista acreditava nele. Nos escalões inferiores facilitavam. Agarrei nele e acordei-o. Disse-lhe que era bom jogador, ok, mas que se quisesse ser profissional, teria que seguir o bom caminho. Andou muitos anos sem alguém o aconselhar. Tive a felicidade passar pelo Benfica e pela Académica, duas grandes universidades. Para chegar ao topo um jogador tem de fazer muitos sacrifícios.

Entre 1981 e 1984 a ala esquerda do Benfica era feita dos canhotos Álvaro Magalhães, aqui a cruzar com estilo, e de Fernando Chalana

LUSA

Voltando ao Europeu. Com qual treinador se dava melhor, dos quatro?

Era o Cabrita, o Morais, o José Augusto e o Toni. Eu dava-me bem com todos.

E o Toni?

Ele era adjunto do Benfica na altura. Havia mais confiança, sim. Mas estavam ali para defender as cores de Portugal. Sabiam que os melhores tinham de jogar. O 11 que jogou o Campeonato da Europa era o melhor.

Ou seja, os quatro treinadores concordavam que o Álvaro tinha de jogar.

Claro que os jogadores do FC Porto se calhar queriam o Eduardo Luís a jogar. Mas ele nem de perto, nem de longe, me conseguia tirar o lugar. Era um bom profissional, fez até uma boa época, mas os treinadores seriam muito burros se não colocassem em campo uma ala esquerda habituada a jogar no seu clube. Mas tive de o provar em campo para depois não aparecerem as bocas durante o Campeonato da Europa, está a perceber? Aí é que está o problema. Tive que calar essas bocas todas dentro do campo.

Havia esse guerra entre jogadores do FC Porto e do Benfica?

Sempre. Mas, acima de tudo, havia respeito. Sempre me dei bem com todos e continuo a dar. Eram jogadores fantásticos e gente boa. Mas claro que todos queriam jogar.

Por isso é que os números tiveram que ser sorteados?

Eram sempre. Eu fiquei com o 17. Se não fosse sorteado tínhamos dado a camisola 10 ao Chalana. E eu ficaria com o 4, que usava no Benfica. O importante é jogar.

O que acha do Eliseu e do Raphaël Guerreiro?

Tiveram uma época boa. O Raphaël teve um bom comportamento em França e penso que este até foi o melhor ano que o Eliseu fez. São dois jogadores interessantes. O selecionador ou escolhe um mais experiente ou um mais jovem, mas o que interessa é o comportamento. A escolha é capaz de recair no Eliseu.

O Álvaro de Magalhães de 1984 roubava-lhes o lugar?

Sim, sem dúvida. Sim, sim. Não tinham qualquer hipótese.

O que tinha a mais que eles?

Tinha tudo, em termos técnicos, táticos e psicológicos. Era um profissional muito forte, não facilitava, não dava hipótese. Sabia que para estarmos bem preparados tinha que trabalhar muito. Fui habituado a ser campeão desde as camadas jovens. O que muitos fazem agora já nós fazíamos na altura. O futebol moderno, como dizem hoje, já nós o tínhamos e trabalhávamos. Por isso éramos campeões. Nessa década de 80 apareceram dois laterais esquerdos, eu e o Inácio, e o Eliseu ou o miúdo não tinham qualquer hipótese de jogar nessa altura.

Se pudesse estar no lugar de alguém neste Europeu, quem escolhia?

O Cristiano Ronaldo. É o número um de Portugal e da Europa, o indivíduo mais forte em termos psicológicos, já tem experiência nestas coisas. Fora de Portugal, escolho sempre o Buffon. Considero-o como o exemplo de um verdadeiro profissional, além de ser o melhor guarda-redes do mundo. Transmite liderança à equipa e tem uma capacidade impressionante. E já tem quase 40 anos.

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