Usou a camisola 13 de Eusébio de 1966 por sorte divina e marcou um golaço que será eterno. A trivela morou na cidade Invicta muito antes de Ricardo Quaresma lá chegar. António Sousa brilhou no FC Porto (1979-84 e 1986-1989) e fartou-se de fazer grandes jogatanas na seleção portuguesa, juntamente com os homens de bigode. Golos era o prato do dia para este médio com alma de avançado. Em 1984 esteve perto de sentir a magia de jogar a final de um Campeonato da Europa, mas um tal de Michel Platini roubou-lhe o chão, a ele e aos outros. A “frustração” conquistou à força um lugar na barriga.

A aventura em 84 começou com um empate contra a Alemanha de Schumacher, Rummenigge e Rudi Völler (0-0) e continuou com mais um empate contra a Espanha de José Antonio Camacho e Carlos Santillana, mas este com um sabor especial. Foi aqui que Sousa trocou os olhos àquela gente, com uma simulação e uma senhora trivela, deixando Luis Arconada KO. Sousa ainda suspira e faz suspirar ao descrever. “Foi um golo espetacular. São coisas que não morrem”.

O carimbo para as meias-finais chegou no minuto 81 do terceiro jogo, contra a Roménia, saidinho da bota direita e do vólei de Jordão. Bento fechou a baliza a sete chaves e a coisa deu-se. Depois lá chegou o desastre gaulês, quando Portugal até esteve a vencer no prolongamento (Jordão e Domergue bisaram antes do trágico golo do camisola 10 Platini). Pelo meio a máquina lusitana teve problemas, pela estranha decisão de escolher quatro treinadores “principais”. Sousa diz que nem todos estavam na mesma página, havendo aqui e ali interesses pessoais e clubísticos. Mas a equipa conseguia, no entanto, corresponder “na hora da verdade”. E era até mais poderosa, pelo menos em soluções, do que a atual, pois havia avançados à fartazana: “Ficou de fora o Manuel Fernandes. Só para descrever a potência da qualidade”. Pois bem, conte-nos histórias, então…

É preciso quanto tempo para uma desilusão daquelas sair da cabeça? As férias foram fáceis?

Houve alguma frustração, porque fizemos um grande campeonato, que acabou com aquele 3-2 contra a França. Deixou-nos frustrados, conscientes de que realmente tudo fizemos para conseguir chegar à final. Nesse momento sentimo-nos penalizados, de qualquer das formas estávamos conscientes que tivemos uma grande prestação nesse Europeu.

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Ainda sonha com o Platini?

Se fosse uma coisa jeitosa, agora um homem não… Futebol é assim mesmo, tem coisas boas e más. Aprendemos a vencer e a perder. Depois não pensamos mais nisso, conseguimos ultrapassar, olhando para o que vem a seguir.

No site do FC Porto descrevem-no como um médio com alma de avançado. Era mesmo assim?

Se calhar. Era um médio ofensivo, fazia muitos golos. Talvez tenha sido dos médios do Porto que mais golos fez na sua história, talvez seja por isso.

Lembra-se bem do golo à Espanha no segundo jogo do Europeu?

São coisas que não morrem, não se apagam. Ficam sempre na retina os momentos altos e grandes. Esse é um dos momentos que não podemos esquecer. As pessoas viram, as pessoas continuam a falar disso. A memória está presente. Foi um golo espetacular.

Descreva lá…

Foi um passe do lado esquerdo, salvo erro do Álvaro [Magalhães], para a zona central do terreno, descaído sobre a meia esquerda. Dominei bem, fleti para dentro, ameaço um chuto forte e dou uma trivela que foi uma chapelada enorme ao [Luis] Arconada. Fica na memória dos grandes golos.

Quem era o craque da seleção?

Todos. Era uma equipa demasiado grande e forte, em termos de qualidade individual e mental. Havia uma mescla. Por exemplo, só para focar um caso, onde hoje temos muita dificuldade nesse setor. Analisando os pontas-de-lança, nesse Europeu, tínhamos Nené, Jordão e Fernando Gomes. Ficou de fora o Manuel Fernandes. Só para descrever a potência da qualidade. Para não falar no meio-campo: havia Sousa [o próprio], Carlos Manuel, Frasco, Jaime Pacheco, Diamantino e Chalana… Um sem número de jogadores de grande craveira. É difícil dizer o maior. A qualidade e a personalidade eram demasiado vincadas e fortes.

E aquela história dos quatro treinadores, aquilo ajudava ou desajudava?

Não é fácil. Era complicado. Nós sentimos que havia ali alguns interesses pessoais, de Porto e Benfica. No fundo eram a grande força. O Porto neste caso tinha mais unidades, certamente que havia quem porventura tentava olhar a interesses do seu clube. Quando assim era podia tornar-se complicado. Fomos sempre grandes homens e profissionais, ultrapassando algumas situações momentâneas, por termos quatro treinadores. Na devida altura e na hora da verdade zelámos pelos interesses da equipa, na hora da verdade fazia-se um onze para entrar ao nível que a necessidade imperava. O mais importante era isso!

Quem é que mandava, afinal?

O Fernando Cabrita é que era o líder! Nunca esteve em causa. Depois havia [António] Morais, Toni e José Augusto. O primeiro era do Porto, os dois últimos do Benfica. O Toni e o Morais foram sempre de grande qualidade em termos mentais. Olharam sempre pelo melhor da equipa, independentemente do clube. O Zé Augusto, se calhar, preocupou-se mais com outra área, que podia ter criado algum dissabor. Pela coragem, atitude e personalidade, conseguimos sempre ultrapassar essas raízes de mal-estar.

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Usou a camisola 13 por alguma razão? Era a que queria?

Foi sorteio. Foi um prazer e uma honra enormes ter aquela camisola vestida num Europeu, após muitos anos de interregno de ausência em provas de Campeonato do Mundo e Europa. Herdei a camisola do monstro do nosso futebol, a quem ofereci depois, a pedido dele. Eu ofereci a camisola ao Eusébio no final do primeiro jogo [vs Alemanha Ocidental]. Era uma camisola de grande marca da nossa seleção.

Houve algum craque que lhe enchesse as medidas nesse Europeu?

Estávamos só focados em nós próprios. As estrelas eram sempre muitas do lado dos adversários, sabíamos de antemão que haveria jogadores de grande nomeada nas outas equipas.

No verão desse Europeu mudou-se das Antas para Alvalade. Foi pacífico?

Foi tudo no sossego, nas calmas, sem grandes alaridos…

Com uma prestação destas no Euro-84, foi inesperado Portugal ficar de fora de Campeonatos da Europa durante 12 anos?

Pelo meio tivemos o Mundial de 1986 no México, mas só voltamos a Europeus em 1996. A nossa geração ajudou a criar e abrir portas, a cimentar raízes. Foram construídas mentalidades de uma forma positiva. Não só dentro das quatro linhas, como no exterior, na forma como o dirigismo deveria estar imposto nas instituições. Os anos 80 foram extremamente importantes para darmos passos em frente, para sermos uma equipa constantemente presente em eventos importantes. A mentalidade [vencedora] acabou por acontecer, por termos qualidade mais do que suficiente. A prova disso é o que temos espalhado pelo mundo fora, não só jogadores como treinadores. Há portugueses em grandes equipas, é extremamente importante. Os anos 80 mudaram, e de que maneira, o futebol português. E a forma como deveria estar-se no futebol.

Esta seleção de 2016 tem pernas para andar?

Penso que sim. Há equipas mais fortes que a nossa neste momento. Temos de procurar sonhar. Porque não chegar à final? Porque não vencer? Esta tem de ser a ideia de quem está na seleção. O Fernando Santos disse isso, que vai com o objetivo de lá chegar e ganhar. Não é fácil, como eu disse, existem seleções melhores. Temos uma mescla de jogadores jovens e experientes, com qualidade. Estamos melhores do que há três anos. As opções são outras: há muita juventude com muito valor. Não será o ano ideal para dizermos que vamos procurar ganhar, mas acredito que podemos fazer um excelente campeonato. Se lá formos e ganharmos, melhor.

Se pudesse reencarnar num jogador deste Europeu, quem seria?

[Pausa e drible no jornalista] Em mim próprio… Porque não!?

Eh, eh. Então porquê? Porque haveria o António de desfrutar jogar nas botas de António Sousa?

A minha marca ficou, é uma marca positiva, é boa. Certamente que era uma mais-valia para a nossa seleção.

Seria titular?

Cooooooom certeza que era titular. Como fui sempre…