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Andreia Reisinho Costa/Observador

Andreia Reisinho Costa/Observador

Maldito penálti e chapéu. Estão-lhe atravessados

Em 2000 viu um francês careca a não lhe dar hipótese e em 1996 não previu que um checo cabeludo fizesse o que fez. Vítor Baía é a primeira de dez entrevistas que o Observador publica até ao Europeu.

No braço esquerdo, apertada, lá está ela. É o sinal de que o líder estava ali na baliza, entre os postes, com luvas nas mãos. Era um de muitos, como ele diz, mas para o mundo ver foi ele o capitão nos dois Europeus em que esteve com Portugal. Admite que berrava muito, não se calava, mas que todos os berros que lhe saíam tinham “conteúdo”, mais indicações do que reprimendas, avisos para manter em sentido quem jogava à sua frente. Era “um bocado chato, mas no bom sentido”, um “comandante” da equipa que liderava a defesa. Foi assim em 80 jogos na seleção nacional, nove deles jogados em Campeonatos da Europa.

Há dois que não saem da cabeça de Vítor Baía, os que não conseguiu evitar que Portugal caísse, com estrondo. Em 1996 deu uns passos para longe da baliza, queria tapar o caminho que umas fintas e uns ressaltos de bola desbravaram a Karel Poborsky, a intenção era matar a aventura do checo. Ele transformou o pé direito num gancho, que levantou a bola para vestir um chapéu ao guarda-redes. Nem lhe passou pela cabeça que Poborsky pudesse fazer aquilo. Em 2000, depois de muitos protestos, gritos e refilanços com o árbitro, a bola parou-lhe 11 metros à frente e com Zinedine Zidane pronto a batê-la. Estava confiante, mas não conseguiu travar um golo de ouro. Com quatro anos pelo meio, a seleção abandonava um Europeu nos quartos-de-final e outro nas meias-finais. Ambos os remates ainda lhe estão atravessados.

Aquele penálti do Zidane ainda te está atravessado?

Oh, claro que sim [ri-se]. Acima de tudo pela expectativa de que aquele podia ser o nosso Campeonato da Europa, as coisas estavam-nos a correr na perfeição.

O início ajudou.

Tínhamos começado com um jogo épico, um dos melhores da seleção nacional. Depois de estarmos a perder 0-2 com a Inglaterra fizemos aquela recuperação extraordinária. Foi esse jogo que nos moralizou e catapultou para momentos de excelência, que se vieram a confirmar nos jogos seguintes, com a Roménia e a Alemanha. Mesmo com jogadores menos utilizados, conseguimos uns expressivos 3-0 contra os alemães. Demonstrámos que a nossa superioridade não estava só em 11 jogadores, mas nos 23 que estavam ali presentes.

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Quando se tem um jogador como Zidane a 11 metros consegue-se estar confiante?

Sim. Tive o mesmo pensamento aquando do penálti contra a Turquia, quando estávamos a ganhar 1-0. Foi exatamente o mesmo: tentar defender. Infelizmente não foi possível, ficou-me realmente atravessado.

Baía para a esquerda, bola para a direita. Num segundo, Zinedine Zidane tramou os portugueses

Lutz Bongarts/Bongarts/Getty Images

Pareceu-te penálti na altura?

Não, até mesmo pela reação do próprio Abel Xavier, que nos deu a entender a todos que não tinha sido penálti. A nossa dúvida era, se tivesse sido ao contrário, na outra área, se o fiscal de linha tinha assinalado com a mesma convicção.

Como capitão, tentaste acalmar aquele refilanço todo dos jogadores portugueses?

Era um sentimento de revolta. Ultrapassando a França, teríamos toda a possibilidade de sermos campeões da Europa. Mas claro que, naquele momento, tínhamos de nos acalmar e concentrar naquela situação. Neste caso, eu tinha de tentar impedir que um golo de ouro não prevalecesse.

E os 0-2 aos 18 minutos com a Inglaterra fez-te temer o pior? Uma goleada?

Não é a forma desejável de começar um Europeu. Mas foi um momento para apelar ao espírito de superação, sacrifício, entreajuda e amizade. Nós víamos que, pela qualidade que tínhamos, que era possível dar a volta. Era uma geração já com maturidade, com títulos conquistados pelos seus clubes, nos principais campeonatos da Europa. Já havia ali gente com muita experiência e preparação para momentos de grande pressão, como aquele. O golo do Luís, que era o nosso número um, trouxe-nos para o jogo, ainda por cima a chegar ao final da primeira parte. Depois, a qualidade da equipa confirmou-se.

Viste o 3-0 à Alemanha do banco. Disseste alguma coisa ao Oliver Kahn no fim do jogo?

Tentei, mas ele como tem um “bom feitio” foi logo para o balneário e não esperou que conseguíssemos chegar até ele, para o cumprimentar. Pronto, mas tem a ver com a personalidade das pessoas.

Realmente ele tinha cara de quem tem mau feitio.

Não cheguei a conhecê-lo pessoalmente, mas tentei. O 3-0 fê-lo refugiar-se no balneário.

Que golo gostaste menos de sofrer: o penálti do Zidane em 2000 ou o chapéu do Poborsky em 1996?

Tanto um como o outro acabaram por ter um desfecho negativo para as nossas pretensões. Em 1996 estávamos no início das nossas carreiras internacionais, era a primeira grande competição pós-Mundial de Riade e de Lisboa. A seleção era quase toda proveniente dessas duas provas. Foi um amargo de boca. Mas por acaso até foi considerado o melhor golo desse Campeonato da Europa. Em 2000, pensávamos que seria o nosso ano, até aparecer aquele penálti. É difícil escolher o pior, os dois têm a conotação de uma eliminação, o que deixa sempre as suas marcas.

Nunca te passou pela cabeça que o checo fosse fazer aquilo, à entrada da área?

Não, não, aquilo foi uma coisa única. Nunca mais vi alguém fazer algo daquela forma. Foi pena ter sido a nós.

Em que Europeu sentias a seleção mais confiante?

Devido à maturidade, a de 2000. Mas a de 1996 estava no início e queria demonstrar que tínhamos capacidade para jogar nos principais clubes da Europa, o que se veio a confirmar. Muitos de nós jogavam ou foram jogar em equipas como o Barcelona, o Real Madrid, a Juventus, o Milan… Algo que não se vê agora. Há o Cristiano Ronaldo e o Pepe e os que vêm a seguir estão em clubes bem abaixo.

6,5 milhões de euros. Vítor Baía protagonizou a transferência mais cara de sempre de um guarda-redes (do FC Porto para o Barcelona) depois de se equipar assim, durante o Euro 1996

Shaun Botterill/Allsport

Tinhas que berrar muito na baliza?

Berrar, berrava sempre, por uma questão de liderança. Mas era um berrar com conteúdo, não era só por berrar. Tentava sempre dar indicações, era um bocado chato, mas no bom sentido. Era isso que tinha de ser, um líder da minha defesa.

Quem era o defesa que te ouvia melhor?

Com o Fernando [Couto] e o Jorge Costa havia uma relação mais estreita. Começámos a carreira juntos, era normal que nos conhecêssemos melhor do que ninguém.

Após o Europeu de 1996 foste para o Barcelona como o guarda-redes mais caro de sempre. Isso mexeu muito contigo, a etiqueta do preço?

Não, não, o meu primeiro ano até foi extraordinário, a todos os níveis. Depois com as lesões e a chegada do Van Gaal é que começaram os problemas. Mas no primeiro ano ganhámos três competições: a Super Taça de Espanha, a Taça das Taças e a Taça do Rei. Só perdemos o campeonato na última jornada. Não está nada mal, tendo em conta que nas duas épocas anteriores, ainda com o Johan Cruyff, não ganharam absolutamente nada. Conseguimos o objetivo de fazer retornar o Barcelona às grandes vitórias.

Foste o capitão em 1996 e 2000. Achas que influencia muito o facto de a braçadeira estar no guarda-redes?

Lido bem com essa teoria, não fazia questão de ser capitão. Não é uma braçadeira que nos faz ter capacidade de liderança. Ou a temos ou não a temos. Isso é apenas um adereço. Sei qual era a minha missão, pu-la em prática e ajudei no que pude, em alguns momentos até com espírito de sacrifício. Cheguei ao Campeonato da Europa de 2000 com um jogo, vindo de uma lesão grave, e acabei por fazer parte da recuperação no próprio Europeu, pondo os interesses da seleção nacional à frente dos meus. Não me arrependo minimamente disso. A liderança também é isto: ter o discernimento de colocar os interesses coletivos à frente dos pessoais. Quando isto se consegue num equipa de futebol já é meio caminho andado para o sucesso. O problema é gerir os egos.

Não faz mal estar longe do árbitro durante os jogos?

Isso é mais uma questão do próprio jogo, mas a gestão de uma equipa de futebol vai muito além disso. Não teria problema nenhum em ceder a braçadeira a colegas que poderiam estar em outros locais do campo. Estava tudo muito bem resolvido na minha cabeça em relação a essas questões.

Quem eram os outros líderes na altura?

O Figo, o Paulo Sousa, o Rui Costa, o Fernando Couto, o Jorge Costa, o João Pinto. Havia um leque muito grande de jogadores com personalidade para assumir a braçadeira. E isso era bom, porque a seleção acabava por ter jogadores com a inteligência de colocar o coletivo sempre à frente de tudo.

O que achas dos guarda-redes que foram convocados por Fernando Santos?

Acho bem. O Rui Patrício está na melhor fase da carreira, está mais equilibrado e regular, é isso que a seleção necessita. Surge neste Europeu no melhor momento de forma.

É dele que gostas mais?

O Anthony tem feito uma campanha muito boa em França, há que realçar o nível que tem atingido. O Eduardo já tem grande experiência e teve o momento para deixar a sua marca em 2010, no Campeonato do Mundo da África do Sul. Podia ter tido outra continuidade se não tivesse optado por ir para o Benfica. Precisava de um clube que lhe permitisse jogar. Não é pela baliza que Portugal vai ter problemas.

Além dos golos do Zidane e do Poborsky, o Europeu de 2004 também te está atravessado?

Não é atravessado. Não fui convocado por questões que ainda hoje desconheço. Não foi pela minha capacidade nem pela minha qualidade, e foi pena, porque saímos todos a perder. O selecionador, eu e Portugal. Acho que isso já faz parte do passado e não vale a pena continuar sempre a bater na mesma tecla.

Se pudesses estar no corpo de um jogador neste Europeu quem escolhias? Não vale escolher portugueses.

Não sei, é sempre difícil. Hmm, não te consigo dizer. Punha-me no meu próprio papel na seleção nacional [ri-se]. Mas como isso não é possível, os jogadores portugueses que façam o seu trabalho, porque têm 11 milhões de portugueses que queriam estar no seu lugar.

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