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Um donativo de 60 mil euros, um instituto de investigação e um grupo de produtores florestais foram ingredientes suficientes para fazer nascer um projeto-piloto de reflorestação numa das áreas ardidas em 2017. Os resultados são ainda preliminares, mas este caso de estudo já teve uma primeira apresentação no workshop “How to Face Mega-Fires in Europe” (“Como combater mega incêndios na Europa”), organizado pela Comissão Europeia e pelo Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade de Lisboa. Especialistas de toda a Europa estiveram reunidos na Fundação Calouste Gulbenkian, esta quinta e sexta-feira, para refletir sobre uma estratégia integrada de combate aos fogos florestais.
Ainda as chamas consumiam Pedrógão Grande, Góis e outros concelhos limítrofes — faz este sábado exatamente oito meses — e já um grupo de acionistas do Observador se interrogavam de que forma poderiam ajudar as populações afetadas. É certo que o donativo poderia engrossar as contas dos fundos amealhados, mas a opção foi promover um estudo de caso que se focasse na procura de soluções concretas e realistas para aqueles que mais sofreram (e têm sofrido) com os incêndios do Pinhal Interior. E, claro, no desenho de um projecto de reflorestação exequível e idealmente exemplar.
Assim se iniciou o contacto com José Miguel Cardoso Pereira, coordenador do grupo ForEco – Ecologia Florestal do ISA. O investigador não tinha nenhuma ideia concreta sobre o que se poderia fazer, mas iria pensar no assunto. Não precisou de muito tempo. Na mesma semana, recebeu um telefonema de um grupo de proprietários florestais da freguesia de Alvares, no concelho de Góis, que tinha ardido quase completamente. Este grupo precisava de ajuda para planear a reflorestação da região de forma a que se tornasse menos vulnerável aos incêndios.
“Na mesma semana tive, de um lado, a oferta de financiamento do Observador e, do outro, o pedido de ajuda destas pessoas”, recordou Cardoso Pereira ao Observador. Com todas as partes de acordo com esta parceria, começaram a desenhar-se as primeiras linhas deste projeto.
Este grupo de proprietários florestais são os mesmos que há pelo menos oito anos tentam criar a Zona de Intervenção Florestal (ZIF) da Ribeira do Sinhel. Cumpriram todos os formalismo, reuniram todos os documentos, fizeram mais de 25 reuniões com os restantes proprietários da freguesia de Alvares, mas a tentativa de formação da ZIF em 2010-2012 não foi bem sucedida — soçobrou na burocracia e chocou com regras absurdas. O incêndio de 17 de junho veio relançar a necessidade de criação desta ZIF e o Núcleo Fundador iniciou uma segunda tentativa, que está agora em consulta pública.
A freguesia de Alvares é, sobretudo, de produção florestal. Os quase 10 mil hectares de explorações florestais correspondem a 90% da freguesia. Conseguir ter uma floresta mais resistente aos incêndios e mais rentável, ao mesmo tempo que se minimizam os riscos para as populações é o objetivo do Núcleo Fundador. Daí que, com o apoio de Carla Duarte, Técnica Florestal da Associação Florestal de Góis, tenham criado um documento — “A Floresta Uma Prioridade Nacional – Estratégias e Ações no Pós Incêndios” — com as principais linhas de ação que pretendiamm desenvolver e para as quais solicitaram a ajuda do Centro de Conhecimento sobre o Fogo Rural.
Proposta: reduzir a área plantada
Seis meses passados sobre o início do trabalho, há um ponto que se tornou claro para os investigadores: é preciso reduzir a carga combustível na freguesia de Alvares — à semelhança do que deveria ser feito em muitas zonas do país. Mas numa terra de madeireiros, onde falta mão de obra para atividades como a agricultura, é preciso conciliar a atividade económica com a segurança das pessoas. Uma proposta demasiado restritiva em termos de produção florestal, seja para o eucalipto ou para o pinheiro-bravo, teria um resultado quase garantido: o abandono das terras e do interior. “O que evitámos foi fazer um projecto que fique muito bonito no papel, mas que não diga nada a ninguém e que ninguém esteja disposto a chegar-se à frente para ajudar a que ele se concretize”, disse José Miguel Cardoso Pereira.
Tendo como ponto de partida a cobertura florestal existente antes do incêndio de 2017, a equipa de Cardoso Pereira vai propôr uma redução da área plantada de forma a que não exceda os 70% da freguesia — de lembrar que antes do incêndio essa área era de 90%. “Uma das ideias-chave é propor uma paisagem mais aberta, menos abafada por floresta”, disse o professor. Ou seja, menos árvores por hectare. Mas também zonas com outras espécies, como medronheiro, e zonas totalmente limpas. “No entanto não vamos dizer o que é que devem plantar em cada sítio, não vamos ser demasiado restritivos. Os proprietários não podem achar que os estamos a tentar obrigar a fazer uma coisa que não querem”, explicou ao Observador Akli Benali, investigador no ISA e colaborador no projeto.
Mas os proprietários estão preparados para a mudança, segundo disse o Núcleo Fundador ao Observador. Os seus membros equacionam já a plantação de outras espécies de árvores, a par das espécies dominantes — pinheiro-bravo e eucalipto —, e outras atividades económicas, desde a criação de pequenos ruminantes à actividade industrial de transformação de madeiras.
A proposta de distribuição da área, que será apresentada no final do mês de março aos parceiros, vai incluir zonas de produção intensiva, onde o declive do terreno e o solo permitem maximizar a produção; zonas de produção condicionada (em parte devido às condições do terreno), onde as árvores estarão mais espaçadas e onde poderá ser sugerida a plantação de outras espécies de árvores; zonas de proteção aos aglomerados populacionais (pelo menos 100 metros sem floresta); uma zona de proteção à Albufeira do Cabril, conforme previsto pela legislação; e uma rede de corta-fogos (de pelo menos 125 metros de largura) até agora inexistente.
Este é o primeiro passo. Depois é preciso convencer os proprietários a fazer a gestão dos combustíveis nos seus terrenos, ou seja, a cortar os matos de forma a minimizar o perigo de incêndio. “Ter uma grande área de produção, mas subaproveitada, é mais um risco do que uma fonte de riqueza”, defende Cardoso Pereira. Este trabalho não caberá aos investigadores do ISA, mas à ZIF, com base nas simulações realizadas pelo projeto.
Se mais de 50% da área está pouco ou mal gerida, que impacto teria conseguir aumentar em 10, 20 ou 30 por cento a gestão nestes terrenos?
“Para uma paisagem ser resiliente e economicamente viável é preciso proteger este bem económico”, reforçou o engenheiro do ambiente Akli Benali. Como é que se protege este bem? Com a gestão dos matos. Por um lado, para reduzir a probabilidade de o fogo lá chegar e, por outro, caso chegue, para não ser demasiado intenso e com muitos danos. Fazer a gestão dos combustíveis não significa que todos os anos seja preciso fazer o desbaste dos matos, mas o que também não é viável é passar os 10 ou 12 anos de crescimento das árvores — eucaliptos ou pinheiro-bravo — sem fazer nenhum tipo de intervenção. É que, sublinha, “se a paisagem continuar a arder de 10 em 10 anos, com estes fogos intensos, nada vai ser economicamente viável.”
Akli Benali lembrou que não existe apenas uma solução. Serão apresentadas várias hipóteses, com estimativas de custos e benefícios, acompanhadas de linhas orientadores baseadas em conhecimento científico. Mas uma coisa é certa: não será apresentada uma proposta para cada proprietário, o trabalho está a ser feito à escala da paisagem, olhando para a floresta da freguesia de Alvares como um todo, porque o fogo quando chega também não reconhece os limites das propriedades.
As ZIF não foram criadas para minifúndios
“O nosso território tem esta complicação: é uma manta retalhada de decisões individuais desgarradas”, disse Cardoso Pereira. E a freguesia de Alvares é um bom exemplo disso: em quase 10 mil hectares existem três mil proprietários, dos quais mais de dois mil não tem sequer dois hectares. Pior: esses dois hectares estão divididos em 17 ou 18 parcelas, segundo o Núcleo Fundador. Muitas pessoas, que herdaram estas pequenas parcelas, nem sequer sabem bem onde é que elas ficam.
“Ninguém planeou fazer coisas horríveis, mas do agregado de milhares de decisões individuais emergem paisagens insustentáveis. A única maneira de dar coerência e dar escala de intervenção é com estes acordos entre proprietários, como a Zona de Intervenção Florestal que as pessoas de Alvares estão a criar”, prosseguiu o professor do ISA. E é precisamente isso que o Núcleo Fundador quer fazer, mas não tem sido fácil.
“O legislador pensou nos grandes proprietários e nas grandes propriedades a sul, onde se consegue um pequeno número de proprietários para grandes parcelas de terreno. Na freguesia de Alvares conseguimos facilmente atingir o número de aderentes necessários para a construção da ZIF, mas não conseguimos que os aderentes representem o número de hectares exigidos”, explicou o Núcleo Fundador ao Observador.
A escala do minifúndio de Alvares em nada se compara com a escala a que os incêndios atingem a zona, como resultou bem evidente da catástrofe o de 2017. É por isso que Cardoso Pereira considera que não se pode fazer uma proposta à escala da propriedade, mas uma proposta à escala do território — neste caso a freguesia de Alvares com cerca de 100 quilómetros quadrados (uma área equivalente à da cidade de Lisboa). “Agora, a proposta precisa que os proprietários locais se tenham organizado de maneira a serem capazes de tomar decisões sobre uns milhares de hectares, senão o esforço não tem coerência nem tem lógica.”
Das conversas que tem mantido com a gente da terra, o Núcleo Fundador considera que os proprietários estão dispostos a mudar a forma como gerem os terrenos, “o que não tem sido viável atéagora atendendo à pequena dimensão de cada uma das propriedades.” Mas também consideram que “as melhores práticas de gestão do ponto de vista preventivo não são, nem nunca serão, suficientes para minimizar o impacto dos incêndios florestais”. Tal como já afirmavam no seu documento de trabalho, é preciso criar uma melhor capacidade de combate aos incêndios, que dependerá do Estado e das Câmaras Municipais, mas que foge ao âmbito deste projeto.
Gastar mais dinheiro, mas ter uma produção mais rentável
Para que a Zona de Intervenção Florestal funcione como um todo, os proprietários vão ter de estar envolvidos no processo e perceber que se globalmente a paisagem estiver protegida, globalmente os retornos serão maiores, ainda que isso possa não acontecer em termos individuais. A forma como cada proprietário vai tirar proveito desta ação conjunta caberá à ZIF definir. Da parte dos investigadores, o que se pode fazer é uma simulação dos custos de gestão de combustíveis e de produtividade mediante determinadas condições — cortando ou não os matos, criando ou não a rede de corta-fogos, por exemplo.
Esta tarefa está entregue a Susana Barreiro, investigadora no Centro de Estudos Florestais do ISA. O seu trabalho é fazer contas: quanto custa a silvicultura de prevenção (corte de matos, por exemplo), que número de árvores deve existir por unidade de área, que quantidade de madeira se produz consoante a idade de corte (8, 10 ou 12 anos), quanto dinheiro se perde se o fogo queimar as árvores antes do corte. “A Susana Barreiro tem recolhido informação de qual o valor médio — em toneladas de madeira por hectare e por ano ou ao fim dos 10 anos do corte — que se obtém para cada uma das modalidades de gestão ou de não gestão”, disse Cardoso Pereira.
Este trabalho ainda não está finalizado, mas com a informação que já conseguiram recolher das associações de produtores florestais e das empresas de celulose é possível afirmar que, mesmo que haja uma pequena redução da área de produção, se houver gestão dos combustíveis, há aumento da produção. E isto sem aumentar demasiado os custos associados ao desbaste dos matos.
“Propomos uma alteração da ocupação da terra e uma infraestruturação do território que à partida pode parecer pesada, mas que tem custos suportáveis e que não tem de implicar uma perda de produção lenhosa, porque a redução da área pode ser compensada com aumento de produtividade nos terrenos que é suposto manterem-se florestados”, afirmou o coordenador do projeto. “É uma ilusão achar que é arborizando tudo que melhor se rentabiliza o território.”
A floresta continuará a ser de eucalipto e pinheiro-bravo
Em terra de madeireiros e onde já não se faz aproveitamento da resina — apesar de à entrada da povoação de Alvares, a sede da freguesia, existir um pequeno monumento ao resineiro, memória de outros tempos –, em territórios onde a apicultura não é uma atividade económica importante e onde não existe pinheiro-manso para retirar os pinhões, é impensável dizer aos proprietários que têm de deixar de plantar pinheiros-bravos e eucaliptos por causa dos incêndios. É certo que estas espécies, por gerarem resina e óleos essenciais, são altamente inflamáveis, mas para Cardoso Pereira não são as espécies de árvores escolhidas o fator mais importante para a ocorrência de incêndios, mas a existência de matos altos. “Se fosse um carvalhal com matos de um metro e meio era a mesma coisa, ardia tudo também.”
“Uma extensão enorme da área de floresta que ardeu foi fogo de superfície. As copas das árvores morreram, estão chamuscadas, mas não arderam. Ao não serem queimadas não contribuíram com energia para a propagação do fogo. E isso acontece muito em pinhal e em eucaliptal”, explicou o engenheiro florestal. “Dizem que a culpa dos incêndios é dos eucaliptos mas, se formos a ver, a grande maioria da área que ardeu foi com fogos de superfície. O que ardeu foi o mato. O que é responsável pela extensão dos fogos é a falta de gestão e a acumulação de combustíveis no sub-bosque.”
O fogo tem tendência para se mover à superfície, seguindo um percurso paralelo ao solo. Se não houver matos altos, o fogo não escala verticalmente, não sobe pela árvore acima. Se esse fogo correr rapidamente junto ao solo, sem uma grande intensidade, é possível que as árvores consigam sobreviver e que o fogo quase se extinga por si só, especialmente se encontrar uma descontinuidade, como um corta-fogo.
O problema é que existem muitas zonas com matos densos e com um ou dois metros de altura. Por um lado, esses matos densos fazem com que a energia libertada pelo fogo seja muito maior e mesmo que as chamas não cheguem ao topo das árvores, o calor é suficiente para matar as copas. Por outro lado, com matos altos, o fogo escala na vertical e incendeia a copa das árvores. Um fogo deste tipo é muito mais intenso, salta de copa em copa e é virtualmente impossível de extingir.
Para reduzir a probabilidade de ocorrerem incêndios de grande intensidade, como os que envolvem as copas das árvores, também é preciso que estas não se toquem, explicou o coordenador do projeto. Para isso é preciso ter as árvores mais espaçadas, o que significa ter menos árvores por unidade de área. Mas os problemas não ficam todos resolvidos. Havendo mais espaço entre as copas, passa mais luz até ao solo, condição ideal para o crescimento dos matos mediterrânicos. “Diminui-se a propagação dos fogos a partir das copas, mas aumenta-se o risco de propagação junto ao solo. Isto pode não fazer arder as copas, mas pode matá-las na mesma com o calor que se liberta do fogo de superfície.” A única solução é cortar os matos para que isto não aconteça.
“O que me chamou a atenção nas voltas que tenho dado por estes sítios queimados é precisamente a prevalência de fogo de superfície a mostrar que ali a espécie arbórea foi bastante irrelevante para determinar se ardia ou se não ardia”, contou Cardoso Pereira. “Onde tínhamos pinhais ou eucaliptais adultos e com o mínimo de gestão — ou às vezes com pouca gestão, mas que chegaram a adultos e as copas fecharam e ensombraram cá em baixo —, o fogo passou, eventualmente até matou as árvores, mas as copas não arderam.”
Projeto: prever perigos, custos e a segurança da população
Nem todos os pontos do documento criado pelo Núcleo Fundador podem ser desenvolvidos pela equipa de investigadores criada no âmbito deste projeto — e que receberá o financiamento do Observador. Mas a equipa multidisciplinar compromete-se a ajudar em todos as áreas de especialidade dos seus membros, como na análise do risco de incêndio, no levantamento da vulnerabilidade das populações ou nos impactos económicos. Cardoso Pereira, enquanto coordenador do projeto, destaca a importância de envolver as populações e os proprietários florestais: “Não faria sentido propor o que quer que seja que ignore as pessoas, enquanto proprietários e enquanto principais interessados”.
São assim três os pilares deste projeto: uma parte biofísica, relacionada com as espécies a plantar, o fogo, a meteorologia e outros factores ambientais, e a criação de uma paisagem mais resiliente ao fogo; uma parte económica, que está focada nos rendimentos obtidos a partir da produção florestal e na perspectiva de perda destes rendimentos; e a segurança das pessoas, de maneira a que o local continue a ser atrativo e seguro tanto para se viver como para se visitar.
A equipa tentará dar resposta a estes três objetivos usando métodos científicos, mas o resultado final nunca será possível sem se manter um contacto permanente com a população e com os proprietários florestais. “Não se pode promover uma paisagem mais resistente olhando só para a parte biofísica ou olhando só para a parte económica”, lembrou Akli Benali, colaborador do projeto.
Para a parte biofísica, o projeto vai focar-se no que aconteceu no passado — em termos de meteorologia e de perigo de incêndio, por exemplo — e tentar projetar a informação recolhida no futuro. Entre os dados de 1980 a 2017, os investigadores pegaram no conjunto de condições meteorológicas que se sabe que levaram aos maiores incêndios, até porque 10% dos piores incêndios são responsáveis por 90% da área ardida. A partir daí é fazer a simulação para condições adversas.
Marcelo saúda a reflorestação de futuro. Sem esquecer o passado
Akli Benali confessou uma limitação: “Não estamos a assumir que nos próximos anos o clima muda”. Mas explicou porquê: “Para isso é preciso um projeto mais longo e com mais investigação”. Este projeto, pelo contrário, tem como objetivo aplicar os conhecimentos já existentes a uma situação real.
O ponto de partida para as simulações será que tudo se mantinha tal como estava antes do incêndio de 2017 e a partir daí vão-se variando alguns parâmetros, como incluir os corta-fogos ou incluir mais áreas com gestão ativa dos matos. “Estamos a testar a sensibilidade do simulador para o perigo de incêndio quando a paisagem muda e quando as pessoas mudam comportamentos”, explicou o engenheiro do ambiente, que está totalmente envolvido nesta parte do projeto. “Isto é um pequeno laboratório. A tecnologia que utilizámos para chegar a estas estimativas permitem-nos, depois de isto estar assente, fazer muitos cenários hipotéticos. Por exemplo: se se abandonar o eucalipto o que é que acontece? E se se mantiver o eucalipto e as pessoas passarem a gerir a floresta?”
Além da parte biofísica, há uma parte do projeto que envolve investigadores da Economia Agrária e Sociologia Rural do ISA e investigadores do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT). Os primeiros vão construir um inquérito e aplicá-lo a um grande número de proprietários para avaliar a disponibilidade em adotar novas práticas de gestão florestal.
Os investigadores do IGOT vão analisar a vulnerabilidade das populações. De porta em porta vão caracterizar a estrutura etária das populações e verificar onde estão as pessoas com dificuldades, vão analisar quais os caminhos transitáveis por veículos de evacuação e mapear o centro de saúde, farmácia e bombeiros. Com isto podem criar protocolos de evacuação em caso de ameaça de grande incêndio e disponibilizar os recursos aos bombeiros de outras corporações que cheguem para ajudar sem conhecerem o local.
O projeto, que teve início em setembro, estava previsto estar completo em seis meses, mas está atrasado. Por exemplo, a tarefa de caracterizar a perigosidade dos incêndios deveria estar concluída em dezembro, mas revelou ser bastante mais complexa do inicialmente previsto, confessou Akli Benali. O engenheiro do ambiente assegurou, no entanto, que “o dinheiro é o que há e vai ter de chegar, não se vai pedir mais dinheiro”.
Dos 60 mil euros doados pelo Observador, uma grande parte está destinada a pagar recursos humanos, com muitas pessoas dedicadas a tempo inteiro ao projeto, e, sobretudo, tendo em conta a morosidade dos trabalhos que serão desenvolvidos na realização dos inquéritos e na avaliação da vulnerabilidade da população. As deslocações são outra parte importante do projeto.
“Estamos a tentar ao máximo evitar fazer sugestões para a distribuição da paisagem, para a distribuição de ocupação do solo, estando parados em Lisboa a pensar sobre o interior”, disse Akli Benali. “Fomos a Alvares várias vezes e estamos em contacto permanente com as pessoas de lá de maneira a tentar adequar as nossas propostas à realidade. Caso contrário corremos o risco de propor coisas que nunca vão ser executadas porque são desajustadas da realidade.”
Uma parte do dinheiro será ainda destinado à divulgação dos resultados do projeto quer na freguesia de Alvares e concelho de Góis, quer noutros concelhos. A ideia é que possa servir de exemplo como projecto-piloto.
Do projeto de Alvares a um projeto para o Pinhal Interior
O projeto de Alvares já despertou a curiosidade de outros concelhos do Pinhal Interior que pediram à equipa do ISA para irem apresentar o projeto também nestes locais, contou José Miguel Cardoso Pereira. Mas este projeto será para a equipa do ISA mais do que uma coisa para ser contada de concelho em concelho.
Com base no que planearam e estão a executar, construíram já uma outra proposta de projeto de investigação para submeter a financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia. “Não é uma réplica deste exercício, porque tem de ter uma componente de investigação mais pesada, mas inspira-se muito aqui”, contou o engenheiro florestal. “Dá menos destaque às partes mais técnicas de engenharia florestal e dá mais ênfase ao que tenhamos a fazer de mais inovador para analisar o problema.”
Neste novo projeto, a equipa vai passar da escala de uma freguesia para a escala dos 20 concelhos do Pinhal Interior, mas a lógica continuará a ser a mesma: identificar as zonas vulneráveis, propôr a criação de corta-fogos, reduzir a quantidade de vegetação. E isto fazendo sempre uma avaliação à escala da paisagem.