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Desde que existem organismos que a evolução natural vai fazendo com que algumas características sejam mantidas, enquanto outras são eliminadas. Quando o homem se começou a dedicar à agricultura, foi-se apercebendo que podia escolher as características que mais lhe interessavam. Preparava os cruzamentos que lhe parecia mais favoráveis e por tentativa erro, ao longo de muitos anos, ia chegando ao objetivo que tinha. A biotecnologia permite acelerar este processo de criar as melhores variedades para os fins a que se destinam.
Os organismos geneticamente modificados (OGM) são um dos exemplos do que a biotecnologia pode fazer e as plantas transgénicas um dos principais alvos de críticas dos movimentos ambientalistas. Marc Van Montagu, um pioneiro na biologia molecular das plantas, rejeita esta ideia. Agora, com 83 anos, diz ter tempo suficiente para andar pelo mundo a combater a falta de informação e promover a biotecnologia vegetal. O Observador aproveitou para falar com aquele que é chamado o “pai” da primeira planta transgénica.
Aproveitar o que a natureza já faz sozinha
O biólogo molecular belga Marc Van Montagu descobriu, juntamente com o colega Jozeff Schell, o mecanismo de transferência de genes da bactéria Agrobaterium para as plantas. Mas o antigo diretor do Laboratório de Genética da Universidade de Gante recusa a autoria da ideia.
“Não foi uma ideia, foi uma observação”, diz o investigador. Marc Van Montagu conta ao Observador que isto acontece constantemente na natureza: uma bactéria liga-se a uma planta, transfere a informação genética que leva consigo e faz com que a planta produza algo novo.
“Se uma bactéria podia transferir certas características, então eu podia fazer com que outras características [à escolha] fossem induzidas pela bactéria.”
O potencial para grandes produções agrícolas estava à vista
Quando tiveram esta ideia, os investigadores imaginaram logo o enorme potencial que podia ter no cultivo de plantas para a indústria, conta Marc Van Montagu. Imaginaram imediatamente que a produção poderia ser mais rentável, só não tinham ideia dos obstáculos que iriam encontrar.
“A oposição só veio porque as pessoas começaram a reivindicar que estas plantas eram perigosas.” As indústrias não incorporaram a tecnologia com rapidez suficiente para demonstrar o proveito que se poderia tirar da produção de larga escala. E sem uma expressão forte na produção, não conseguiram influenciar a legislação.
Marc Van Montagu insiste que são necessárias novas variedades, pois só assim se fará frente “à instabilidade climática que ameaça a agricultura”. “Se houver uma nova doença temos de ter capacidade para reagir rapidamente.” Reagir com um foco. Escolher que genes se pretende introduzir e o objetivo que se quer obter. “Antigamente faziam-se irradiações para conseguir mutações e depois faziam-se cruzamentos até se conseguir aquilo que se queria, mas isso demorava 10 ou 20 anos.”
Sem transgénicos, as pessoas continuam a passar fome
Além de encontrar rapidamente novas variedades, caso as condições do ambiente se alterem subitamente, as plantas transgénicas também podem ser trabalhadas para crescerem em ambientes onde de outra forma não conseguiriam, como solos pouco férteis.
Algumas plantas vivem em simbiose com bactérias e com fungos, para que possam aproveitar melhor alguns nutrientes. Alterar estes simbiontes, sem alterar a planta, também pode ser um contributo da biotecnologia para a melhoria da produção agrícola, lembra Marc Van Montagu.
As transgénicas podem ir além da adaptação ao ambiente e trazer um benefício direto ao consumidor. À planta podem adicionar-se nutrientes essenciais ou precursores desses nutrientes, como no caso do “golden rice”, uma planta de arroz geneticamente modificada para sintetizar betacaroteno, um precursor da vitamina A. Alimentar populações carenciadas neste nutriente com o arroz modificado pode evitar muitos casos de cegueira, nota o investigador.
Mas as plantas transgénicas não estão a chegar às populações que mais precisam nos países em desenvolvimento como Marc Van Montagu esperava. “Por causa de grupos que se opõe e que não querem aconteça, como a Greenpeace e outros”, acusa. “As suas receitas vêm daí, do medo que que provocam nas pessoas. Arranjam dinheiro porque afirmam estar a proteger a sociedade.” Para o investigador: “Se as autoridades ouvissem os argumentos dos cientistas, saberiam qual o caminho a seguir”.
Sem patentes, a indústria não gastava dinheiro em investigação
Quando questionado sobre as patentes, Marc Van Montagu não tem dúvidas: “Claro que devem existir”. “Não existe progresso sem patentes. De outra forma, a indústria não faria investimentos de longo prazo.”
“Claro que podemos sempre pensar numa sociedade ideal, em que todos vão trabalhar em prol da boa ética, mas a realidade é que isso nunca funciona. Apenas a competição livre entre as grandes indústrias, e as pequenas indústrias que têm possibilidade de crescer, funciona neste momento”, continua o investigador, desafiando as pequenas e médias empresas a apresentarem alternativas ao que fazem as grandes companhias.
Mas admite que para as pequenas e médias empresas é difícil manter-se no mercado. O regulador da comercialização de organismos geneticamente modificados é muito exigente e tem regras muito apertadas, obrigando a uma série de passos e autorizações que são muito dispendiosos e consomem muito tempo. Segundo Marc Van Montagu, as grandes empresas de transgénicos dizem que os custos estão ao nível das farmacêuticas: 150 milhões de euros para conseguirem uma autorização de venda em todo o mundo. É por isso que as pequenas e médias empresas não conseguem.
“Toda esta regulamentação não é necessária”, diz o investigador, que confia na capacidade dos Estados Unidos de punir quem crie algo perigoso. “As companhias já seguem procedimentos seguros, que podem ser comprovados com testes simples e os dados podem ser tornados públicos. Depois algumas coisas são fiscalizadas, por amostragem, para ver se os dados apresentados são corretos.” Se assim fosse, defende, “seria mais barato e haveria mais variedades”.
Transgénicos trazem mais diversidade, não menos
As plantas transgénicas são alvo de muitas acusações. Marc Van Montagu afirma que nenhuma delas está demonstrada cientificamente: nem que são perigosas para os humanos, nem que comprometem a biodiversidade. “Não é um argumento, é uma crença. Ainda não foi demonstrado.”
“Na natureza acontecem tantas alterações. Se alguma coisa não for necessária, não se vai disseminar.” Cada nova característica, e cada antiga também, requer energia. E a energia é um bem precioso para a planta. “Se uma planta selvagem herdar alguma coisa de que não lhe é útil, não vai continuar.”
Para o investigador, não são as transgénicas que comprometem a biodiversidade, pelo menos não a agrícola, mas antes o facto de não existirem mais variedades transgénicas disponíveis. “A agricultura intensiva já é baseada em monocultura.” E se houver uma praga, uma doença ou uma alteração climática que mate essa variedade, matará campos de cultivo inteiros. Nesse momento será preciso criar uma variedade nova, que resista à nova adversidade.
“De cada vez que queremos uma nova variedade, pegamos na antiga e selecionamos novas características de resistência ou criámo-las.” Enquanto se ligam umas funções, outras são desligadas, explica o investigador.
A agricultura com transgénicas podia usar menos químicos
O objetivo das plantas de cultivo transgénicas cumpre, na sua essência, o mesmo das plantas parentes que não foram geneticamente modificadas: terem uma grande produtividade e originarem uma exploração agrícola rentável.
Mas num e noutro caso, “as plantas de cultivo não podem sobreviver se não usarmos químicos, como herbicidas, para matar as ervas daninhas que de outra forma cresceriam mais do que as plantas de interesse”, afirma o investigador. Num e noutro caso, “a nossa agricultura provoca uma enorme perturbação do ambiente”.
Assim, para que a produção seja rentável, as ervas daninhas têm de ser ou mortas quimicamente ou retiradas à mão. “[Mas] não podemos voltar ao tempo em que só tínhamos uma boa produção se pudéssemos passar o dia todo a arrancar plantas daninhas.”
O investigador defende que “com a ciência podemos criar plantas que permitem uma agricultura mais saudável”. Marc Van Montagu admite mesmo que seria possível criar plantas mais resistentes e que tivessem a capacidade de crescer mais rápido do que as ervas daninhas. Assim podiam usar-se menos químicos. “Mas não basta dizê-lo, é preciso fazê-lo e isso requer muita ciência. Não se faz por cruzamentos, faz-se por OGM ou novas tecnologias de reprodução.”
“Mas às vezes é mais rápido usar químicos que se degradam rapidamente no solo”, como o glifosato. Este é o herbicida mais usado em todo o mundo e o investigador entende porquê: “É o melhor. Degrada-se no solo mais depressa que os outros químicos”. Ainda que defenda que não há razão para considerar o glifosato perigoso, admite que seria bom existirem mais alternativas no mercado.
Os cientistas têm de dialogar com a sociedade
Se os cientistas partirem do pressuposto que só porque foi criado pela ciência é de confiança, não conseguem chegar às pessoas. “É errado pensarmos que as pessoas tomam como garantido que temos de usar aquilo que a ciência nos providencia”, diz. “Os cientistas devem aprender como é que a sociedade funciona e quais as suas crenças. Os cientistas deviam perceber porque é que as pessoas têm medo e aí iam encontrar as respostas.
Mas há cientistas que fogem ao debate e ao diálogo com o público, “porque isso se assemelha demasiado à política” e um cientista é treinado para fazer ciência, não para este tipo de situações, explica o investigador.
Mar Van Montagu defende que “deve haver mais diálogo com a sociedade”. O investigador não espera que todas as pessoas sejam convencidas dos benefícios das plantas transgénicas. “Mas se a maioria concordar, os políticos vão seguir a ideia. Os políticos não se vão arriscar a ir contra as pessoas porque podem perder votos.”
Marc Van Montagu esteve em Lisboa, a convite do Instituto de Tecnologia Química e Biológica, para dar início ao programa de doutoramento em Ciências das Plantas. Pode ver a sessão aqui.