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O jornalista Nelson Nunes ouviu alguns dos nomes que mais fazem rir Portugal para fazer Com o Humor não se Brinca, um livro que explica onde quer chegar logo no subtítulo: “o que os melhores humoristas portugueses têm a dizer sobre a comédia”. Nesta pré-publicação (o livro chega às livrarias na segunda-feira, 3 de outubro), o Observador revela excertos dos três capítulos dedicados a Herman José, Joana Marques e Ricardo Araújo Pereira, humoristas de gerações e estilos diferentes.
O autor procurou saber de onde vem o humor e quais os seus efeitos, com testemunhos pessoais e biográficos. Mas no livro publicado pela editora Vogais também há espaço para a reflexão sobre os limites (ou a ausência dos mesmos) quando o que está em causa é a comédia. Nuno Markl, Bruno Nogueira, Salvador Martinha, Luís Franco-Bastos, Nilton, Luís de Pina, César Mourão, João Quadros e Rui Sinel de Cordes foram também entrevistados por Nelson Nunes — além de um capítulo dedicado a novos valores.
Ricardo Araújo Pereira: Portugal tem um filósofo do humor
Ricardo, o que é o humor? «Boa pergunta… É possível que todas as frases começadas por “O humor é” estejam incompletas» principia, ilustrando com um exemplo: «Há pessoas que dizem: o humor é a arma dos fracos. E a gente diz: não é, ou melhor, não é só. Claro que é a arma dos fracos, porque os fracos não têm acesso a outras, por isso é que são fracos. Se tivessem acesso às outras, cagavam nesta, porque as outras é que aleijam. Mas se é só as armas dos fracos… Eh pá, eu estive no museu do Holocausto e vi cartoons dos nazis que eram representações grotescas dos judeus, ou seja, também é a arma dos fortes. Outro exemplo: o bullying, quando não é violência, é escárnio. As melhores definições do humor são contraditórias. Quando o Eça de Queirós, n’As Farpas, diz que o humor é castigo e salvação, se calhar assim chegamos mais facilmente a algum sítio, porque pode ser, de facto, várias coisas. Pode servir para libertar, mas também para oprimir. É um fenómeno que resiste à compreensão e que é bastante paradoxal. Por exemplo, a gente olha para uma caricatura e diz, “eh pá, o nariz dele é mesmo assim”, e não é. A caricatura é uma deformação grotesca do nariz dessa pessoa, e o que é curioso é que a gente diga, apontando para uma deformação, que a realidade é mesmo assim. Ou seja, a gente vê melhor a realidade quando a vê distorcida do que quando a vê em estado natural. Esse é o primeiro paradoxo. Outro é: será que a gente pode rir de um mundo como este? Essa é uma ideia que perturba a Igreja Católica desde há séculos: é correcto rir num mundo iníquo, injusto, num mundo em que Nosso Senhor Jesus Cristo morreu? Um dos grandes problemas da Igreja é que há pessoas a rir no sopé da cruz, há um livro muito giro sobre isso, chamado Laughter at the Foot of the Cross. Por outro lado, o riso ajuda a aliviar a injustiça.»
E a combater o medo? «Exactamente! É capaz de ser a única coisa que o riso faz, reduzir um bocadinho o medo, reduzir as coisas a uma dimensão que, se calhar, é a delas. Torna-as menos grandes do que nos parecia no início. Há pessoas que acham que o riso tem um poder enorme», considera, «mas eu acho que isso é falso e que, quando há alguma manifestação desse poder, é impossível prevê-la. Há um caso muito paradigmático: quando fizemos o [modo Marcelo Rebelo de Sousa on] “pode-se fazer, mas é proibido, bom!” [modo Marcelo Rebelo de Sousa off], houve gente que disse que o sketch teve uma influência decisiva no referendo sobre o aborto. Primeiro, ninguém pode afirmar isso, não há estudo nenhum que o indique, é apenas uma impressão das pessoas. Segundo, eu não sou ingénuo ao ponto de dizer que aquilo não teve influência nenhuma. Pode ter tido efeito, só que eu não sei qual foi e eu não o escrevi para que tivesse. Então no meio de um debate nacional, com Prós e Contras de três horas, tempos de antena partidários, blogues a favor e contra, eu em casa dizia: “‘pera aí, que eu vou ganhar isto, o sketch tem um minuto e 52 segundos e é assim que a gente ganha esta eleição.” Isto não cabe na cabeça de ninguém. Em França, há um caso muito curioso, que foi a eleição do Jacques Chirac em 1995: ele estava em último nas sondagens e, no Les Guignols, que é uma espécie de Contra Informação, o Chirac era representado cheio de facas nas costas, porque toda a gente o tinha abandonado por estar em último. Era uma figura patética, os outros bonecos perguntavam-lhe se estava tudo bem e ele respondia que tinha uma comichãozinha nas costas. No fim, houve analistas que disseram que aquela representação tinha desempenhado um papel na reviravolta. Mais uma vez: ninguém consegue dizer que haja provas disso e ninguém me convence de que os guionistas disseram, “Espera aí que eu já te digo como é que o Chirac ganha, dá-me aí umas facas para espetar nas costas do boneco”. A existir algum poder no humor, é incontrolável.»
E por que motivo é que o riso ainda é um enigma? Como não poderia deixar de ser, RAP recorre aos livros: «Ao longo dos séculos, vários filósofos se debruçaram sobre o assunto, postulando várias teorias. Por exemplos, há um texto do Descartes que é involuntariamente cómico, em que ele descreve a forma como acha que o riso se processa fisicamente, uma coisa tão palerma, que dá vontade de rir. Mas há observações interessantes no meio disso tudo, aquilo que se constata no fim é que tudo isso contribui para uma teoria que ainda está em aberto e que está constantemente a ser acrescentada, precisamente porque o fenómeno é difícil de compreender. E talvez seja essa uma das razões para que haja margem para que algumas pessoas digam que se nasce com um dom.»
E daí deriva aquela ideia, com a qual Ricardo não concorda, segundo a qual há comédia para fazer rir e comédia para fazer pensar. «A comédia distingue-se da tragédia porque a questão da eficácia é muito clara», disserta. «Eu posso ir ver o Édipo Rei e não choro, e isso não significa que a tragédia seja má. Mas se eu vou ver uma comédia e não me rio uma única vez, em princípio há qualquer coisa errada com aquela comédia. Há uma questão de eficácia tangível, a gente ouve se funcionou. O meu trabalho consiste em fazer rir as pessoas, e o riso tem muito má reputação. Basta ver as marcas de linguagem: “pateta alegre”, “muito riso, pouco siso”. E não existe nenhuma razão para isto, a tristeza também é pateta e não há nenhum pateta triste. Não há nenhum motivo para uma pessoa que se ri ser menos ajuizada do que as outras, mas o riso tem má reputação, às vezes até entre humoristas, o que me deixa algo perplexo por acharem que têm de fazer mais do que só fazer rir. Só?!»
E dispara: «Uma vez, pusemos um cartaz no Marquês de Pombal a fazer pouco do cartaz que lá estava, que tinha sido colocado por uns nazis. Fizemos aquilo à noite e, quando amanheceu, os jornalistas telefonaram logo a saber o que era aquilo. Até já tinham resposta múltipla: são cidadãos apartidários, é um movimento cívico… E eu respondi que aquilo era uma piada. No dia seguinte, o Público escreveu: “Gato dizem que cartaz é só uma piada”, e eu não tinha dito “só”. Mas para a maior parte das pessoas, rir é só rir. Para mim, é muito mais do que isso, quanto mais não seja porque é absurdo que um animal como nós, que tem consciência da sua própria extinção e que convive com a informação de que vai morrer, seja capaz de rir. É a mesma coisa que imaginar que um criminoso que vai ser executado percorra o corredor entre a cela e a cadeira eléctrica a rir à gargalhada. Essa é uma boa metáfora para a nossa vida. Portanto, essa capacidade de fazer rir os outros é importante precisamente por isto: porque quem vai a rir vive melhor do que quem vai com medo do que lhe pode acontecer. Isso, para mim, não só chega como sobra. O que me deixa perplexo é que haja humoristas que dizem: “Não, eu mais do que fazer rir, desejo fazer pensar.” Isso deixa-me sempre doido, acho que é preciso ter um ego muito especial para estar convencido de que a nossa missão neste planeta é fazer os outros pensar. Acho que nem o professor Eduardo Lourenço está convencido disso, nem ele diria uma coisa dessas. Essa merda é de uma arrogância insuportável, até porque o que essas pessoas querem dizer é uma coisa ainda mais inquietante: “Eu quero fazer os outros pensar como eu.” É isso que essa frase significa. Confesso que não tenho essa arrogância, interessa-me fazer os outros rir. E creio que isso é, sem me querer gabar, mais nobre do que fazer pensar.»
Herman José: “Escrever humor é sempre uma dor”
Por iniciativa própria, Herman agarrou na conversa e fugiu pelo passado, lembrando-se dos primeiros tempos a lutar pelo seu próprio lugar. «Sabes, o que aconteceu é que fui o primeiro a ter acesso à televisão, que era difícil e sofridíssimo. Primeiro que lá chegasse… Foi um drama conseguir impor a imagem que tinha sonhado para mim, portanto acabei por impor uma corrente de linguagem de humor que não existia em Portugal, muito baseada na lógica do humor anglo-saxónico. Esse humor fugia da piada quadrada e óbvia da revista, que dava a sensação de que não se podia sair daquelas técnicas e de que iria ser sempre assim. Lembro-me de que, na primeira vez em que experimentei coisas alternativas, muito inspirado pelos Monty Python (nas mais sofisticadas) e pelo Benny Hill (nas mais simples), as reacções eram sempre geracionais: a malta nova sentia um apelo enorme pelos disparates que eu fazia, mas o poder instituído não achava graça nenhuma. Achava tão pouca piada que, nos primeiros sketches que fiz, inventavam sempre avarias para que não fossem para o ar. Nem percebiam onde é que eu estava a tentar chegar com aquelas entrevistas baseadas em jogos de palavras ou com o homem que nunca se lava ou nunca diz não, de tipo nonsense, não colava. O mais longe que eles tinham ido no nonsense», relembra, «foi com as histórias do Raul Solnado, elas próprias uma adaptação dos textos de um humorista espanhol chamado Miguel Gila. Nesse trabalho, já havia os primeiros laivos de algum surrealismo humorístico, mas ficou por ali e não se praticou mais. Portanto, o que se praticava nas televisões e nas revistas era uma coisa muito geracional, muito antiga, muito previsível.»
Uma vez que começáramos a falar sobre a forma como as novas gerações da comédia olham para Herman, procurei então caminhar em sentido inverso: o que pensa o pai do humor nacional da geração que lhe sucedeu? «Há várias camadas, como em tudo», observa. «Temos a miudagem mais simples, que se percebe nitidamente que adapta uns textos do George Carlin ou de outro humorista qualquer que vê na Internet, faz à portuguesa, safa-se, engana umas miúdas, ganha uns tostões e lá vai vivendo. Esses, um dia destes, acabarão todos a fazer qualquer coisa normal, atrás de um balcão ou como carpinteiros, coveiros, qualquer coisa. São produtos de passagem. A seguir ao ‘Levanta-te e Ri’, aconteceu com o humor e, sobretudo, com o stand-up, um bocadinho o que sucedeu com os cantores a seguir à Chuva de Estrelas: nunca houve tantos cantores. Essas carreiras acabaram, ficaram a Sara Tavares, o João Pedro Pais e o resto foi levado pela maré. E o que eu sinto é que, a seguir a essa fase do Levanta-te e Ri, houve umas dezenas valentes de jovens comediantes que apareceram e que o tempo se vai encarregar de fazer desistir.»
Até porque, para Herman, existe um factor que «vende lindamente, e que quando acaba é assustador, chamado juventude. A juventude vende tudo, tudo tem piada. Um menino bonito com uma poupa diz uns disparates e as meninas ficam doidas, e assim enchem uma sala. Quatro meninos giros com violas a dizer “eu ‘tou e tu não ‘tás e agora vai-se a ver e tu OK” enchem coliseus e depois, passada aquela encantada frescura da juventude, ficam uns senhores a caminho da meia-idade que ou têm arte, ou então têm de desistir. E o mundo está cheio de ex-jovens cheios de êxito que depois foram apanhados na curva de forma muito surpreendente.»
Mas, no humor, também há os bons — ó se há! «E depois há outros que encaram a profissão e esta arte quase como tirar um curso superior ou um mestrado: concentram-se, trabalham muito, vendem a sua imagem, o seu nome e os seus espectáculos da maneira certa, têm percepção de como enquadrar o seu produto no mercado. Cada um deles tem seu slot de mercado e agarrou-se a ele com muita inteligência, ainda que nada lhes garanta que se mantenham sempre, o mercado é muito volúvel. Mas há óptimos exemplos: o Luís Franco-Bastos, o Nilton, o Bruno Nogueira, à sua maneira, o Ricardo Araújo Pereira… O Ricardo Araújo Pereira é um caso à parte, porque ele tem uma organização mental, sobretudo para a escrita, e um tipo de ironia muito próprias, que eu conheço desde os tempos em que ele escrevia para mim e eu ficava encantado a ouvi-lo ler os textos que eu ia dizer a seguir. É uma coisa inata nele.»
Araújo Pereira à parte, «há também um conjunto de miúdos novos que vou encontrando nos festivais e noutros sítios, cujos nomes ainda não consigo fixar. E há um tipo muito engraçado, que é líder do seu mercado, que é o Fernando Rocha. Um extraordinário performer ao vivo, tem uma energia e um tom… Eu sinto que ele tem muitos complexos por ser considerado só um contador de anedotas, e às vezes ele faz um esforço para ultrapassar isso, mas não precisa. É como o Quim Barreiros: Ninguém está à espera que ele desate a cantar o repertório do Fausto. Nesse aspecto, o Fernando Rocha é um fenómeno e um ser humano fantástico.»
Herman não termina sem falar dos «outros colegas que se movimentam noutras áreas e que abrem os seus caminhos à maneira deles. O César Mourão é um exemplo curioso, arranjou ali o seu lugar na chamada improv comedy, que nem é muito usada em Portugal, e é um grande trabalhador, é muito, muito sério. E é um ser humano muito gentil, isso também ajuda muito». Com uma dose grande de coragem e uma semelhante de inconsciência, atrevi-me a perguntar a Herman se tem noção de que já há muitos portugueses que não o põem na primeira divisão da comédia lusa. O humorista não tem ilusões, justificando o fenómeno: «É uma síndrome inevitável. A rapidez a que as coisas se passam leva a que quem tem muitos anos de carreira saia um bocado fora dos catálogos.» Mas também é verdade que «hoje em dia, quando me incluem em elencos de coisas de humor, não se atrevem sequer a propor-me o mesmo cachê porque me consideram um caso à parte, não me consideram bem só um humorista. É o Herman. Acho que, neste momento, não estou em nenhuma caixa.».
O comediante acrescenta que «por outro lado, esta serenidade toda com que respondo prende-se com o facto de, como eu nunca deixei de fazer espectáculos, e agora faço mais que nunca, haver um espanto com que vejo gente nova a encher os meus espectáculos e, sobretudo, a saírem em histeria dos cafés ou das camionetas ou de acampamentos de escuteiros para me pedir autógrafos, como se eu fosse um deles. Por exemplo, no espectáculo do Jardim Caixa, no NOS Alive do ano passado, ainda pensei: “Bom, vou meter-me ali no meio e não sei se será o ideal, porque vai haver rock e é uma coisa tão pujante…” E a minha noite foi absolutamente inacreditável, foi a maior enchente e a mais fantástica delas todas. Portanto, as coisas têm de ser observadas a essa luz, sempre assumindo 60 e tal anos de vida e 40 e tal de carreira, isso é incontornável».
Joana Marques: Uma senhora cheia de graça
É inevitável falar a Joana Marques da quase ausência do feminino no humor. Porém, a resposta surpreende. «Acho que é parvo distinguir entre homens e mulheres no humor, porque também ninguém pergunta pelas mulheres na filosofia. É um facto que há menos mulheres na comédia. A mim, o que assusta mais é aquela coisa de fazer uma noite feminina de humor, acho um péssimo princípio. Dei-me ao trabalho de ir ver uma e foi horrível. Não gosto daquela coisa de grupinho, tipo “Agora vamos fazer todas juntas porque somos mulheres”. Não! Eu vou fazer com outras pessoas, sejam elas mulheres ou não, mas apenas se me identifico com elas ou se têm o mesmo tipo de humor que eu, e não por sermos mulheres. “Somos todas mulheres”, olha que coincidência tão boa!», ironiza. «Parece aquela coisa de teres de gostar de outra pessoa só porque é portuguesa.»
A ideia do humor no feminino é, para Joana Marques, descabida. «Isso não existe. O meu humor é diferente do que o Bruno Nogueira ou o Salvador Martinha fazem, mas não é por eu ser mulher, é só por ser diferente. Eu não acho que faça um humor feminino, há piadas deles que podiam ser feitas por mim e há piadas minhas que podiam ser feitas por eles. Não acredito que haja género no humor, a menos que a tua personagem seja essa, só fazer temas de mulheres, mas isso é muito limitativo. Além do mais, o que é que são temas de mulheres? É ter o período?» Mas os pontos de vista são inevitáveis. «Obviamente, a piada do humorista parte sempre da perspectiva, e eu como mulher vou ter pontos de vista que os homens podem não ter. Mas isto só acontece aqui. O género não é determinante», sentencia.
Pego na discussão a partir de outra ideia: então e porque é que não há mais mulheres na comédia em Portugal — que se destaquem, pelo menos? «Não tenho grande resposta para dar. Mas pior do que não haver mulheres no humor, é haver aquelas que aparecem a usar a bandeira da “mulher humorista” — ou seja, temos de lhes achar graça só por serem mulheres, que é o pior princípio de sempre. Por exemplo, quando eu fiz os castings do Cómicos de Garagem, apareceram algumas miúdas, sempre muito menos do que rapazes, e às quais nós prestávamos grande atenção. Apareceram duas ou três com alguma graça. Uma delas era a Joana Santos, muito nova, para aí com 16 anos, mas acabou por ir para Medicina, imagina bem, podia ter tido uma grande carreira no humor e foi escolher uma coisa que não dá solidez nem estabilidade nenhuma. Mas era uma miúda com piada, e isso é muito raro. Com as outras, o que eu sentia era isto: “Sou mulher, as pessoas já vão prestar mais atenção quando eu subir ao palco, e vou dizer coisas escabrosas ou ordinárias porque é o choque entre ser uma mulher engraçadinha e dizer coisas de que as pessoas não estão à espera”. Essa lógica é pobre», remata.
«O que mais me faz pensar nem é a razão pela qual existem poucas mulheres», prossegue, «é antes o motivo pelo qual as que existem optarem por esse caminho. E porque é que fazem estas ladies nights, porquê, porquê?! Dou voltas à cabeça e não percebo isto em contexto nenhum, mas no humor ainda menos. Acho que as poucas mulheres que há na comédia não fazem muito pelas próximas que poderiam aparecer. Se aparecessem duas ou três muito boas, se calhar aliciavam outras miúdas mais novas, da mesma maneira que outras que vêem a Maria Rueff podem querer ser actrizes de comédia. Mas este tipo de stand-up feito por mulheres pode retrair miúdas mais novas.»
Ainda que sustente alguma esperança no aparecimento de comediantes no feminino, Joana diz-se «arrepiada com o que tem aparecido até agora». Desengane-se, contudo, quem achar que a guionista se sente bem por ser a única (ou das únicas) a escrever humor com destaque no panorama mediático português. «Sim, se calhar, se houvesse 20 humoristas mulheres, não te terias lembrado de vir falar comigo, mas não vejo a coisa por esse prisma. Da mesma forma que os homens não pensam, “Vamos ser muito poucos para ter o trabalho todo para nós”, isso não funciona assim. Acho que, com as que aparecem, fica-se mal impressionado, e quem vê aquilo acaba por extrapolar e pensar que as mulheres são servem para fazer comédia. Enquanto isso, vês outros países que têm muitas mulheres humoristas, ainda que a escala e a proporção sejam diferentes. Há uns tempos ouvi a Maria Rueff dizer isto, “As mulheres estão menos dispostas a expor-se ao ridículo”, e talvez seja essa a razão pela qual não existe tanto atrevimento do mulherio em agarrar-se a um microfone em palco. Essa coisa está enraizada na nossa cultura, mesmo que não pensemos nelas. Na escola, o palhaço da turma é, normalmente, um rapaz. Não digo que fosse a palhaça da turma, mas sempre fui muito de responder aos professores e fazer piadinhas, e aquilo não é o papel típico de menina bem comportadinha. Aquilo resvala para o [estilo] maria-rapaz. Mas isto é capaz de estar a mudar, até porque o fenómeno não é exclusivo da comédia. Há mais engenheiros informáticos homens do que mulheres, porque, provavelmente, havia mais predisposição dos rapazes para brincar com electrónica. Mas, se calhar, dentro de 10 ou 20 anos, a coisa já não é assim.»