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AFP/Getty Images

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Se a Grécia não pagar a dívida, não paga a quem?

Mais de 80% da dívida grega está nas mãos dos parceiros europeus, do FMI e do BCE. A Portugal, a Grécia deve mais de mil milhões de euros, mais do que a receita esperada com a sobretaxa de IRS.

A vitória do Syriza nas eleições gregas de 25 de janeiro já era esperada, com o partido a liderar todas as sondagens divulgadas no país desde maio. Daí que, horas após o discurso de vitória de Alexis Tsipras, já estivesse bem montada a máquina de reações ao resultado da votação. Reações que vieram de todo o lado: Berlim, Frankfurt, Bruxelas, Washington e, até, Moscovo. Para renegociar a dívida pública – uma prioridade do Syriza –, a única voz europeia que mostrou alguma abertura foi a do ministro das Finanças da Irlanda, Michael Noonan, à entrada na reunião do Eurogrupo. A Irlanda é, contudo, um dos países da zona euro, a par de Portugal, que não suportarão perdas caso a Grécia não devolva o que recebeu do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Mas participou no empréstimo direto concedido à Grécia em 2010 e aí, sim, pode haver perdas. Portugal contribuiu com mais de mil milhões de euros para esse empréstimo, mais do que os 750 milhões de euros de receita esperada este ano com a sobretaxa do IRS.

Portugal emprestou quase 555 milhões de euros à Grécia em 2011 e 548 milhões no ano anterior, em 2010. Ou seja, a Grécia deve a Portugal cerca de 1.100 milhões de euros, algo como 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) anual português, só por via dos empréstimos bilaterais que foram concedidos à Grécia em 2010 e ao abrigo dos quais foram entregues à Grécia 53 mil milhões de euros do total de 80 mil milhões inicialmente previstos – é que em 2012, com o segundo resgate à Grécia, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) passou a ser a entidade encarregada de gerir os empréstimos europeus à Grécia. Se a Grécia faltar com o pagamento dos empréstimos bilaterais, ou se alterar os seus termos de alguma forma, isso resultará numa perda para o Estado português que se traduzirá num aumento não recorrente do défice, ainda que não afete a dívida pública (bruta) aos olhos de Maastricht.

Por ser um país que também viria a beneficiar de um empréstimo por este fundo, Portugal (e também a Irlanda) não está entre os países que prestam a garantia para as incursões do FEEF nos mercados, quando este fundo, entretanto substituído pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), emitia dívida para financiar os países sob programa de assistência financeira. Enquanto o Estado português for devedor do FEEF, algo que deverá continuar a suceder nas próximas décadas, estará isento de perdas caso o FEEF não receba a totalidade do pagamento pelos capitais que, depois de ter obtido junto dos investidores através de leilões de dívida, entregou à Grécia no âmbito do segundo programa de resgate a Atenas.

Enquanto o Estado português for devedor do FEEF, algo que deverá continuar a ser nas próximas décadas, estará isento de perdas caso o FEEF não receba a totalidade do pagamento pelos capitais que, depois de os ter emitido em mercado, os entregou à Grécia no âmbito do segundo programa de resgate a Atenas.

Portugal e Irlanda. A vitória do Syriza causou reações diferentes nos dois países que, além da Grécia, receberam assistência externa no auge da crise. Em Lisboa, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, defendeu que aquilo que está no programa do Syriza “é um conto de crianças, não existe” e terá dificuldades em conciliar-se com as regras europeias. Já o ministro das Finanças irlandês, Michael Noonan, passou outra mensagem: “Não tenho dúvidas de que existe boa vontade em relação ao povo grego e pode haver disponibilidade entre os colegas [do Eurogrupo] para se ser prestável“. Uma mega-conferência europeia sobre a dívida? “Penso que não é necessário, para já”, afirmou Michael Noonan, preferindo o modelo que tem sido seguido até agora e que passa pelo debate entre os ministros do Eurogrupo e no Conselho Europeu.

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O ministro das Finanças da Irlanda esclareceu, contudo, citado pelo Irish Times, que “a questão em relação à Grécia não é a anulação de dívidas, mas sim a sustentabilidade da dívida. Pelo que o que está em jogo é a taxa de juro e as maturidades“, explicou o responsável. Noonan indicou, assim, que irá defender uma extensão das maturidades e uma redução dos juros cobrados à Grécia tendo em conta “a apreciação geral de que há muitas pessoas na Grécia a passar tempos difíceis”. E deixou um alerta, para consumo interno: os gregos deixam de receber subsídio de desemprego ao fim de 12 meses e tanto o salário mínimo como o subsídio de desemprego são metade daquilo que vigora na Irlanda.

"Não tenho dúvidas de que existe boa vontade em relação ao povo grego e pode haver disponibilidade entre os colegas [do Eurogrupo] para ser prestável", afirmou o irlandês Michael Noonan.

STEPHANIE LECOCQ/EPA

Mas que potencial existe, então, para baixar os juros ou alargar os prazos dos empréstimos à Grécia? Os empréstimos ao Estado grego estão sujeitos a uma taxa de um ponto base acima do custo de financiamento do FEEF, que neste momento é de 0,2% por ano, segundo cálculos do think tank Bruegel. Ou seja, a esse custo de financiamento do fundo europeu acrescenta-se uma centésima de ponto percentual. O mesmo think tank recorda que a maturidade média dos empréstimos é superior a 30 anos, com um período de graça de 10 anos, um período em que, efetivamente, o FEEF estará a suportar um custo real para financiar a Grécia. Já nos empréstimos bilaterais, é cobrada uma taxa de 50 pontos base (ou seja, meio ponto percentual) acima da taxa Euribor, que está em mínimos históricos na casa dos 0,5%. Estes empréstimos têm reembolso agendado para começar em 2020 e durar até 2041.

Ainda assim, o Bruegel diz que “apesar de os empréstimos da zona euro à Grécia já terem maturidades extremamente alargadas, é possível aumentá-las ainda mais”, e pode sempre abolir-se esse custo de 50 pontos base acima da Euribor. Algo que, diz o think tank sedeado em Bruxelas, poderá ser uma solução viável e que permitirá duas coisas, em simultâneo: que Alexis Tsipras reivindique uma vitória perante o eleitorado que fez dele primeiro-ministro da Grécia e, por outro lado, que a decisão seja politicamente aceitável pelos cidadãos dos países credores. Quanto é que a Grécia podia poupar com essa eliminação do prémio de 50 pontos base nos empréstimos bilaterais e com uma extensão de mais 10 anos nos prazos deste financiamento e também do FEEF? Cerca de 31,7 mil milhões de euros ao longo de toda a vida do empréstimo, calcula o Bruegel.

"Os empréstimos da zona euro à Grécia já têm maturidades extremamente alargadas, mas é possível aumentá-las ainda mais. Sendo certo que 30 ou 40 anos não faz muita diferença"
Think Tank Bruegel, sedeado em Bruxelas

A Grécia tem mais de 80% da dívida pública nas mãos dos parceiros europeus e de instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE). A dívida pública está em 177% do PIB e Atenas entrou em 2015 a saber que tinha de pagar 22,3 mil milhões de euros em reembolsos e juros de dívida este ano – o que é mais do que o custo estimado para 2015 com o pagamento de salários na função pública grega, segundo dados do Fundo Monetário Internacional. Cerca de um terço destes encargos com a dívida pública refere-se ao reembolso de dívida que está nas mãos do Banco Central Europeu (BCE), que no final de 2013 estava na posse de mais de 25 mil milhões de euros em dívida grega comprada ao abrigo do programa de aquisição de dívida lançado em 2010 por Jean-Claude Trichet, o Securities Market Programme.

São cerca de oito mil milhões de euros que a Grécia terá de reembolsar ao BCE em julho e em agosto, o que abrirá espaço a que o banco central possa comprar dívida pública grega ao abrigo do programa recém-lançado de expansão monetária. Horas depois de terminada a contagem de votos na Grécia, um membro do Conselho Executivo do BCE, Benoît Coeuré, anulou quaisquer possíveis sugestões de que o BCE estaria disposto a participar num perdão da dívida à Grécia: é “impossível“. “É absolutamente claro que não podemos concordar com qualquer redução da dívida que inclua os títulos detidos pelo BCE. Tal é impossível por razões legais”, advertiu Benoît Coeuré, em entrevista ao jornal alemão Handelsblatt. O mandato do BCE interdita-o de financiar os Estados europeus, pelo que dar-se-ia esse caso na eventualidade de tal operação.

Além dos cerca de 25 mil milhões de euros que o BCE tem em dívida pública grega (um valor relativo a final de 2013), a Grécia deve 28 mil milhões ao FMI. E também de Washington não tardou o esclarecimento, sublinhando que não pode ser dado à Grécia “tratamento especial”. Mais austeridade, portanto, para a Grécia? “Não é uma questão de medidas de austeridade, mas sim de reformas profundas que continuam por fazer“, respondeu Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, em entrevista ao francês Le Monde, numa alusão à luta contra a evasão fiscal e a melhoria da eficácia do sistema judicial.

"Não é uma questão de medidas de austeridade, mas sim de reformas profundas que continuam por fazer", afirmou Christine Lagarde, diretora-geral do FMI.

Chip Somodevilla

Uma outra parte da dívida grega diz respeito a obrigações do Tesouro (cerca de 46 mil milhões de euros) que estão na carteira dos bancos gregos e, em menor medida, nos portefólios dos bancos e gestoras internacionais que participaram nas emissões de dívida que a Grécia conseguiu fazer em 2014 ou que compraram no mercado a aproveitar a melhoria dos preços (e descida dos juros implícitos) registada ao longo do ano passado. A dívida grega era, até outubro do ano passado, um dos ativos com melhor desempenho em 2014 nos mercados financeiros.

A principal fatia da dívida grega está, contudo, ligada ao FEEF e aos empréstimos bilaterais: cerca de 187 mil milhões de euros. E será sobre este valor que o governo de Alexis Tsipras quer discutir com os parceiros europeus um eventual alívio. Não só Alexis Tsipras mas o seu ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, cujo perfil o Observador traçou aqui. Yanis Varoufakis que, em entrevista ao Jornal de Negócios em junho de 2013, dizia que a dívida grega continuava insustentável, mesmo após a reestruturação promovida em 2012. E deixava algo muito claro: “Quando houver um novo perdão, terá necessariamente de incidir sobre a dívida oficial, a dívida aos contribuintes europeus. Não valerá a pena envolver os privados, não fará grande diferença pelo montante baixo que aí resta”.

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