Julio trae elecciones”, frase atribuída a uma figura satírica de Júlio Iglesias

Este fim-de-semana quase trinta e seis milhões de espanhóis foram chamados às urnas para votarem em eleições municipais, provinciais, insulares e regionais, cobrindo mais de oito mil municípios e doze parlamentos regionais, entre outras instituições. Foram ainda realizadas eleições em doze comunidades autónomas: Aragão, Astúrias, Baleares, Canárias, Cantábria, Castilla La Mancha, Extremadura, Comunidade de Madrid, Comunidade Valenciana, Comunidade de Múrcia, Comunidade Foral de Navarra e La Rioja. Nestas eleições, o PP emerge como o grande vencedor. O Vox, apesar de não ter conseguido travar Ayuso em Madrid, apresenta também um bom resultado. Do lado dos derrotados, surge à cabeça o PSOE, que viu o seu peso em comunidades autonómicas como a Andaluzia evaporar-se e, sobretudo, o Unidos Podemos e o Ciudadanos, que praticamente desaparecem do mapa eleitoral. A hecatombe do PSOE foi de tal forma que Pedro Sanchéz optou por convocar eleições para o mês de Julho, numa tentativa de travar a erosão da sua base eleitoral, algo que parece, ainda assim, irreversível.

É difícil não comparar os resultados eleitorais de Espanha com os que se apuraram, há uma semana, na Grécia, onde a Nova Democracia conseguiu 40,8% dos votos, ganhando de forma expressiva. Na Grécia, o Syriza, de Alexis Tsipras, continua em queda livre, tendo conseguido apenas 20,1% dos votos. O resultado apanhou de surpresa a esquerda grega, discutindo-se muito para os lados de Atenas o falhanço das sondagens que apontavam resultados para o Syriza superiores a 30% (algo que colocaria em perigo a continuidade da Nova Democracia no Poder). Também à esquerda, o PASOK, que durante anos dominou a política grega (sendo uma espécie de irmão gémeo do Partido Socialista português, ou do PSOE), surpreendeu pela positiva no seu resultado; ainda assim, continua afogado na irrelevância, com uma votação de 11,6% dos votos. Importa notar que o sistema político grego favorece a formação de maiorias, tendo a Nova Democracia ficado apenas a 5 assentos de obter a maioria absoluta, sem necessidade de recorrer ao bónus, de 50 assentos, que a lei hoje atribui caso tivessem atingido os 45% dos votos (ironicamente, um bónus introduzido nas leis eleitorais pelo Syriza). Não sendo previsível que a Nova Democracia consiga encontrar uma coligação que o suporte, haverá uma segunda volta nas eleições. Perante o impasse, existem fortes hipóteses de o centro-direita afastar as nuvens de incerteza que pairavam até há uns dias, muitas delas de fumo oriundo de uma comunicação social grega bastante intoxicada pelos complexos de esquerda, que tudo fez para vender uma realidade paralela onde existiria um suposto desgaste do partido do governo, fruto de quatro anos de Poder.

Espanha e Grécia têm percursos semelhantes em termos de alternância do Poder desde o fim das ditaduras e, em certa medida, olhar para o que se passou e passa nesses países funciona sempre como bola de cristal para a situação política portuguesa.

Em Espanha, após a morte de Francisco Franco, em 1975, iniciou-se um período de transição para a democracia. A União de Centro Democrático (UCD) de Adolfo Suarez venceu as primeiras eleições democráticas de 1977. A partir de 1982, porém, e mormente a pluralidade existente do ponto de vista partidário e autonómico, Espanha vive uma alternância entre PSOE e PP que dura até hoje: em 1982 o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) de Felipe González assumiu a governação durante quatro mandatos consecutivos, vendo a Espanha juntar-se à NATO e à União Europeia. O desgaste de quatro mandatos e inúmeros casos de corrupção puseram fim a 14 anos de governação. Seguiu-se o período de ouro do Partido Popular (PP), de 1996 a 2004, sob a liderança de José María Aznar, que colocou a economia espanhola a crescer rapidamente. No entanto, o apoio à invasão do Iraque em 2003, escândalos de corrupção e os atentados de Madrid afastaram o PP da governação, de uma forma até surpreendente. O PSOE voltou ao poder em 2004 sob a liderança de José Luis Rodríguez Zapatero; ele próprio não resistiu ao descalabro da economia espanhola na crise financeira (com um tempero de escândalos de corrupção). Em 2011, o PP, com Mariano Rajoy (a prova provada que, de derrota em derrota, se pode chegar à vitória final), regressou ao Poder, até que em 2018 – imagine-se – um escândalo de corrupção, levou à sua renúncia. Em 2018, chegou a vez de Pedro Sanchéz… do PSOE. Desde então, a Espanha vive em sobressalto, com uma profunda fragmentação partidária, fruto das votações recolhidas por Unidos Podemos, Ciudadanos e, mais recentemente, do Vox, agravada pela radicalização resultante do crescimento do independentismo na Catalunha.

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Já a Grécia, em 1974, com o fim da junta militar, viu a Nova Democracia (ND) liderada por Konstantinos Karamanlis vencer as eleições, trazendo o país de volta à democracia. Em 1981, o Movimento Socialista Pan-Helénico (PASOK) assumiu o Poder e manteve-o quase ininterruptamente até 2004, introduzindo várias reformas socialistas e aumentando o papel do Estado na economia. Com a economia quase à beira do colapso (sabe-se lá porquê), a Nova Democracia regressou ao Poder em 2004, mas o seu governo, liderado por Kostas Karamanlis (sobrinho de Konstantinos Karamanlis), apesar do sucesso inicial, não resistiu à crise financeira, trazendo de volta o PASOK e um resgate exigente imposto pela Troika. Em 2015, o partido radical de esquerda, Syriza, de Alexis Tsipras, ganhou as eleições, empurrando o PASOK para a irrelevância e a Grécia para uma lírica tentativa de renegociação da dívida e alívio das medidas de austeridade, que encheram a alma dos que sonham com os amanhãs que cantam, mas que esvaziaram os bolsos da economia grega. Após a capitulação de Tsipras perante os credores, em 2019 a Grécia escolheu Kyriakos Mitsotakis e a Nova Democracia e, desde então, o país vive uma profunda recuperação e reformas, que impressionam até os mais céticos sobre a capacidade de aquele país ter um rumo e uma razoável governação.

Não obstante a Covid-19 e a incerteza global, parece que na Grécia a esquerda, tradicionalmente forte e liderante, irá ficar reduzida à sua menor expressão de sempre. O mesmo estará prestes a ocorrer em Espanha, onde parece que os eleitores se preparam para pôr fim ao bloqueio resultante da fragmentação política e partidária, sacrificando o Unidos Podemos e o Ciudadanos. Em Itália e em França, há muito que as esquerdas mais folclóricas desapareceram do mapa eleitoral, apesar do ruído e da destruição que continuam a conseguir causar nas ruas e nos ambientes mediáticos. No centro e no norte da Europa, as governações oscilam entre partidos conservadores, nacionalistas, liberais, e sociais-democratas, sem que haja espaço para as correntes mais duras do socialismo e do marxismo, ou para discursos contra a economia de mercado e a estabilidade das instituições.

Em Portugal, num cenário de potencial bloqueio da governabilidade do país, o eleitorado escolheu o PS como fiel depositário da governação, penalizando o Bloco de Esquerda e a CDU pelo fracasso da Geringonça. Para surpresa de muitos, em vez de utilizar a maioria absoluta para patrocinar uma governação estável, o PS deixou-se dominar por uma luta autofágica entre as fações partidárias que se digladiam pela herança de António Costa, ainda o homem está (politicamente) vivo e com saúde, apesar dos visíveis cabelos brancos e da saturação estampada no rosto. Por mais que o PS tente apontar a inimigos externos as causas da instabilidade governativa, há que dizer que o caos que assistimos diariamente deve-se em exclusivo à incapacidade de António Costa formar um governo de gente capaz e à altura dos desafios, e segurar os “jovens turcos” que, já todos na meia-idade, persistem em comportar-se de forma irresponsável e infantil. Seria fácil aqui dissecar a falta de preparação para as responsabilidades da grande maioria dos membros do atual Governo (algo que é visível a olho nu até para quem sofre de várias dioptrias na avaliação política), mas para não contribuir para a instabilidade emocional de alguns deles – que estão visivelmente perto de um “burn out” – darei aqui por encerrada esta crónica, não sem deixar de fazer um remate final: se o centro-direita quer regressar ao Poder, e fazer boa figura (dava jeito, é para isso que serve a política), ponham os olhos – sobretudo – na Nova Democracia mas também neste renovado PP que, sem complexos, souberam criar nos eleitores a confiança e a noção de que estão preparados para a governação. Por cá, os eleitores, continuam apavorados, reféns que estão entre um PS que todos os dias nos surpreende nos seus próprios folhetins, e uma oposição à direta que teima em não conseguir apresentar-se como alternativa.

Estejamos atentos ao que nos traz Junho, da Grécia, e “Julio”, de Espanha. E logo veremos, também por cá, se em Agosto ou Setembro irão soprar ventos de mudança, ou se vamos ter de ficar à espera, como sempre, de que as coisas só mudem quando a fruta cai da árvore, já podre.