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Adjudicar o tratamento de jardins de Lisboa a uma empresa com sede em Barcelos de um “amigo” do partido por 13.530 euros/mês, contratar a prima para coordenadora da área que se tutela na junta, ligar a um amigo para montar um gabinete de comunicação porque é mais rápido ou, simplesmente, não publicitar ajustes diretos de centenas de milhares de euros. Estes são alguns dos atos de gestão de três juntas de freguesia lideradas pelo PSD no concelho de Lisboa que — entre avenças e contratos atribuídos por ajuste direto a empresas de militantes do partido — gastaram, no total, mais de um milhão de euros desde o início do mandato. Um dos presidentes de junta contratou a empresa do presidente do seu núcleo, do qual ele próprio é o vice-presidente.

Ajustes diretos: a maçã que cai sobre a cabeça de Newton

Um dos mais proeminentes presidentes de junta do PSD é Luís Newton, tesoureiro da concelhia de Lisboa. A relação com a oposição na Estrela tem sido conflituosa, por PS e PCP insistirem na falta de transparência da junta de freguesia: uma junta como a Estrela poderia ter cerca de 400 ajustes diretos publicitados no site Base.gov (pela média das outras juntas de Lisboa e a dimensão que tem), mas tem apenas 22.

Quando foi questionado, em fevereiro, numa reunião da Assembleia de Freguesia sobre a razão de não serem publicitados tantos contratos por ajuste direto, o presidente da Junta de Freguesia da Estrela culpou a lei e o site Base.gov. Esta segunda-feira, em resposta ao Observador, Luís Newton voltou a fazê-lo: como são ajustes diretos inferiores a 5 mil euros, não são publicitados pelo site governamental. “A Junta de Freguesia da Estrela tem 116 contratos carregados no Portal Base, fui informado que só estão visíveis 22 contratos dado que os restantes são ajustes diretos simplificados. Isto porque o Código dos Contratos Públicos refere que os ajustes diretos simplificados têm de ser publicados mas não publicitados”, explica Newton ao Observador.

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Mas nem todos os contratos que foram omitidos são de baixo valor (exemplo disso é uma lista à qual o Observador teve acesso com mais de 20 contratos entre os 5.368 euros e os 259.860 euros feitos pela junta que não estão no Base.gov). E mais: muitos desses contratos não publicitados foram feitos a empresas de militantes do PSD. Um contrato por ajuste com a Ambigold no valor de 162.362 mil euros (132 mil euros aos quais acresce IVA) foi celebrado a 28 de junho de 2014, mas só publicitado no Base.gov a 24 de julho de 2017. Ou seja: mais de três anos depois de o contrato ter sido celebrado, mas apenas três dias depois de o Observador ter enviado as questões sobre a Ambigold ao presidente de Junta de Freguesia da Estrela.

A Ambigold Invest tem como sócio-gerente Carlos Reis, antigo líder da JSD/Braga, que se candidatou a líder da JSD nacional contra Duarte Marques em 2010, e perdeu. Carlos Reis — filho de Fernando Reis, ex-presidente da câmara de Barcelos, uma das maiores concelhias do partido — não só é militante do PSD como é também amigo do deputado Sérgio Azevedo e até têm uma empresa juntos com o mesmo nome em Moçambique (chama-se Ambigold InvestMoz, Limitada), que foi criada a 29 de novembro de 2012.

Constituição da empresa registada no boletim da República de Moçambique de 29 de novembro de 2012.

Luís Newton admite, em declarações ao Observador, que conhece “pessoalmente” Carlos Reis, mas destaca “que esse facto não pesou nos processos de contratação da junta” e acrescenta que “se tal pesasse então não teriam sido preteridos para outras empresas com propostas mais vantajosas para a Junta de Freguesia em anos posteriores.”

O autarca explica ainda que, “para todos os processos de contratação pública da junta de freguesia da Estrela são criados cadernos de encargos que devem ser integralmente cumpridos e são convidadas várias empresas para apresentarem as suas propostas. Às que cumprem o referido caderno de encargos é feita uma seleção com o critério da proposta mais baixa“. No entanto, no caso da Ambigold, não há qualquer concorrente registado no Base.gov. Ou seja: a empresa terá sido, pelo menos segundo o que consta no portal, a única concorrente.

A ligação a Carlos Reis dá-se também por via de Sérgio Azevedo que é amigo de Newton e até foi com ele à China, pago pela empresa Huawei, num caso também relacionado com a junta de freguesia da Estrela, noticiado esta quinta-feira pelo Observador.

Deputado, vereador e presidente de junta do PSD viajam à China pagos pela Huawei

Sérgio Azevedo, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, explica ao Observador a ligação empresarial a Carlos Reis. “Fiz uma viagem com o Carlos a Moçambique porque tínhamos um projeto social que consistia na criação de um campo de jogos desportivo para jovens carenciados na Praça dos Continuadores, em Moçambique, e para isso criámos uma empresa, numa espécie de simplex para empresas que existe em Moçambique.”

No entanto, conta Sérgio Azevedo, “era necessário ter parceiros desportivos que financiassem o projeto. Cheguei a apresentá-lo na Benfica TV, mas não arranjámos parceiros e o projeto nunca foi avante. A empresa está aberta, mas nunca teve atividade e eu declarei-a no meu registo de interesses como deputado. Assim que cheguei a Portugal declarei logo esse interesse, eu lembro-me que até fazia parte do Grupo de Trabalho de Registo de Interesses da Assembleia da República.” Carlos Reis reitera que se tratava de um projeto social, embora admita que havia “objetivos empresariais” na ida para Moçambique, já que “significava a entrada no mercado lusófono.”

Indiscutível é que são todos militantes do PSD, passaram juntos pela mesma geração da JSD e são próximos, como companheiros de lutas internas. Uma dessas provas é que integraram os três a mesma lista ao Conselho Nacional no último Congresso do PSD, em abril de 2016. Carlos Reis encabeçava a lista C, que tinha como número dois Sérgio Azevedo e como número oito Luís Newton (a lista elegeu sete conselheiros, sendo que é o primeiro suplente quando algum dos sete primeiros falta ao CN).

Lista C ao Conselho Nacional do PSD, no Congresso de abril de 2016

O contrato da Ambigold com a junta de freguesia da Estrela (o tal de 162.362 mil euros) é o segundo maior que a empresa tem registado no Base. O maior é de 243.540 euros com câmara de Vila Nova de Famalicão (também liderada pelo PSD), embora também haja outro contrato elevado (159.408 euros) com o município de Santa Maria da Feira (igualmente do PSD). Carlos Reis, em declarações ao Observador, explica que no caso de Vila Nova de Famalicão e de Santa Maria da Feira tratou-se de “um concurso público internacional que a Ambigold ganhou por ter a melhor proposta.”

Mas também há outra junta de freguesia do PSD que contratou a empresa de Carlos Reis. A Junta de Freguesia de Santo António, liderada por outro militante da mesma fação de Newton no PSD/Lisboa: Vasco Morgado (vice-presidente do Núcleo Ocidental do PSD/Lisboa) contratou a Ambigold por 49.442,74 euros (incluindo IVA) para “realização de obras no Jardim Marcelino Mesquita“, na Praça das Amoreiras. Há aqui uma nuance relativamente a Newton: o contrato assinado por Morgado foi publicado quatro meses depois no Base.gov e não três anos depois de ser assinado. Sobre este assunto, Vasco Morgado explica que a Ambigold “fez um parque infantil” e que não lhe interessa se o Carlos Reis é “militante na Buraca, em Xabregas ou no Algarve. Isso diz-me pouco!”

A mesma junta atribuiu ainda um contrato à Ceresport Invest, uma empresa unipessoal que é propriedade de Carlos Reis, e que chegou a aparecer na lista de “outras dívidas a terceiros” da junta de freguesia de Santo António com um valor de 45.722 euros. Vasco Morgado explicou ao Observador que o contrato acabou por ser “cessado por inoperância da empresa. Não presta, não fica. Na altura apresentou o melhor preço, entrou. Não prestou um bom serviço, saiu. E não interessa se é militante do PSD.” A empresa juntava no objeto social a gestão de carreiras de jogadores de futebol e limpeza de valetas e jardins.

Carlos Reis afirma que a maior parte dos clientes da sua empresa não são autarquias, mas sim “clubes e empresas privadas”, destacando que em Lisboa a Ambigold “também trabalha com juntas de freguesia do PS como Benfica ou São Domingos de Benfica” e com todo o tipo de clientes, dando como exemplo um contrato recente com um clube de Râguebi. Além disso, explica o ex-líder da JSD de Braga explica que “muitos contratos não estão publicados no Base porque, ou são com privados, ou não chegam aos cinco mil euros, não sendo publicitados.”

Voltando à Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton também contratou empresas de um outro militante e ex-candidato a uma junta de freguesia nas listas do PSD. A Credescor, Lda é uma empresa de construção que tem como sócio-gerente (e dono de 75% da empresa) Adelino Wenceslau Crespo, militante do PSD e candidato a presidente de junta da Freguesia de Campo de Ourique nas listas do PSD (partido que representa atualmente na Assembleia de Freguesia).

Ora, a Credescor aparece na lista de contratação administrativa em dois contratos que, juntos, rondam os 100 mil euros (um de 19.001, 40 euros em março de 2014 e outro de 81.226 euros em março de 2015). Mais uma vez, nenhum dos contratos aparece no Base.gov e são claramente superiores aos cinco mil euros que Luís Newton dá como justificação. Luís Newton e Adelino Crespo foram colegas enquanto candidatos a juntas de freguesias vizinhas em outubro de 2013, além de que o dono da Cresdecor representa o mesmo partido de Newton na junta de Campo de Ourique, que é vizinha da Estrela.

Newton tornou-se todo-poderoso na Junta de Freguesia assim que tomou posse, fazendo aprovar uma norma em que passava a ter o poder de aprovar todas as despesas inferiores a 5 mil euros. Para tudo o que for até 4.999 euros, Newton nem sequer precisa da aprovação dos outros membros executivo e muito menos da Assembleia de Freguesia. Decide sozinho. A oposição tem criticado a opção, mas não conseguiu evitar.

O presidente da Junta de Freguesia da Estrela explica ao Observador que esta autorização se trata de “uma delegação de competências para o Presidente efetuar despesas relacionadas com a operação da junta até um determinado limite (neste caso 5.000 euros)”. Luís Newton acrescenta ainda que “estas autorizações de despesa são feitas para assegurar que as reuniões de executivo não são inundadas com propostas de autorização de despesa para pagamento de contas correntes mensais (água, luz, telecomunicações, etc), mas sim para discussão de projetos estratégicos”. E diz ainda que a autorização “concedida é das mais baixas nas juntas de Lisboa”.

A empresa do ex-candidato à junta acusado de corrupção

Mas há mais ligações na junta de freguesia da Estrela a empresas geridas por sociais-democratas. De acordo com uma listagem de contratação administrativa da junta de freguesia da Estrela de 2015 — como o Observador noticiou esta quinta-feira a empresa Informantem, cujo presidente do Conselho de Administração é Henrique Muacho foi contratada a 1 de maio de 2014 para serviços de “aluguer informático”: um contrato com um valor inicial de 2.178 euros. É depois registado um primeiro pagamento de 26.146 euros, aos quais se juntam 14.786,02 euros registados como “trabalhos a mais”.

Assim, em 2015, ano da viagem de Newton à China, a junta terá pago 40.932 euros à empresa presidida por Henrique Muacho. Esses contratos não constam do portal base.gov, onde devem ser publicadas as adjudicações das entidades públicas. Luís Newton não respondeu às perguntas sobre este tema específico enviadas pelo Observador. Luís Newton admite, igualmente, que conhece “pessoalmente” Henrique Muacho, mas deixa claro que isso não pesou na contratação.

Henrique Muacho, que foi apresentado por Sérgio Azevedo a Luís Newton, era atualmente candidato pelo PSD à junta de freguesia de Póvoa de Santo Adrião e Olival de Basto, mas foi afastado na quarta-feira, depois de Fernando Seara ter sido alegadamente surpreendido por um processo judicial em que Muacho estava envolvido. Mas o caso era público e já tinha sido noticiado. O gestor foi acusado pelo Ministério Público num caso de corrupção que tinha como figura de topo João Correia, ex-diretor da Direção-Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos (DGIE) do Ministério da Administração Interna. O MP alegava que, durante três anos, João Correia teria montado uma teia com amigos e “irmãos” da maçonaria, de forma a arrecadar milhares de euros em dinheiros públicos. Um desses cúmplices seria Henrique Muacho, acusado na altura pelo MP de sete crimes.

O empresário e ex-candidato a autarca em Odivelas era um dos dez membros do grupo de convívio “Os Pingas”, que tinha ligação a duas empresas que teriam beneficiado do esquema alegadamente montado por João Correia. As empresas eram a Nextinforman Infraestruturas, SA, da qual era presidente do Conselho de Administração, e a S.T.M.I. – Sociedade Técnica de Manutenção Informática, Lda, onde era gerente. Esta última empresa tinha ainda uma participação maioritária na Tetmei (empresa ligada no processo a outros arguidos). Ao que o Observador apurou após já todos os arguidos terem sido ouvidos em julgamento, este aguarda agora sentença.

Primeiro fizeram negócio, depois tornaram-se ‘vice’ e presidente do núcleo

Os ajustes diretos aqui referidos andam em torno do círculo de poder de um dos três núcleos do PSD/Lisboa. O PSD/Lisboa está divido em três núcleos: o Central, liderado pela fação da família Gonçalves, que tem a Junta de Freguesia das Avenidas Novas; o Oriental, presidido por Paulo Quadrado; e o Ocidental, controlado pela fação de Luís Newton e de Sérgio Azevedo, que tem na sua área de influência as juntas da Estrela e de Santo António, por exemplo.

Na junta de Santo António dá-se o caso concreto de o presidente da junta — que é vice-presidente do Núcleo Ocidental do PSD/Lisboa — ter contratado uma empresa de Nuno Firmo, presidente do mesmo núcleo social-democrata. O próprio Nuno Firmo lembra ao Observador: “Os contratos com a empresa são antes de termos concorrido à direção do núcleo”. O presidente do Núcleo Ocidental esteve envolvido na história de caciquismo revelada pelo Observador a 20 de julho, sobre as eleições na distrital a 1 de julho.

Mas as histórias de Firmo são antigas. Em 2012, vários estudantes do ISEG acusaram Nuno Firmo (que tem Sérgio Azevedo como mentor desde a “jota”) de promover a falsificação de fichas de militantes da JSD a partir da faculdade, para votarem em 2010 na antiga Secção I, liderada por Sérgio Azevedo, nas diretas que elegeram Pedro Passos Coelho. O Ministério Público chegou a abrir uma investigação por suspeitas do crime de falsificação, mas o caso foi arquivado em outubro de 2015: não foi possível “apurar com a necessária certeza indiciária a intervenção dos arguidos nos factos denunciados”, pode ler-se no despacho de arquivamento.

Vasco Morgado — que admite ao Observador conhecer Sérgio Azevedo “desde pequenino” — contratou então a empresa Nuno Firmo, homem de mão de Newton e Sérgio Azevedo na presidência do Núcleo Ocidental. São dois ajustes diretos (publicados no site Base) que a junta de freguesia de Santo António fez à NTW-Web Technology, Lda, de Nuno Firmo: um de 4.800 euros de 13 de fevereiro de 2014 e outro de 1 de janeiro de 2015, no valor de 19.200 euros (a ambos ainda acresce IVA, o que atira os valores totais para os 29.520 euros). Ambos os contratos tinham como justificação “aquisição de serviços de apoio, análise, pesquisa, apresentação de relatórios, consultadoria de gestão e otimização de processos administrativos e logísticos, por via informática”.

Como justifica Vasco Morgado ter contratado a empresa daquele que se tornaria mais tarde presidente do seu núcleo, e de uma direção de que faz parte? O presidente da junta de freguesia explica o seguinte, em declarações ao Observador: “A NTW trabalha connosco porque temos de ter ferramentas para obter mais financiamento. Porque tenho de ir buscar dinheiro para projetos mais específicos, como é o caso do Parque Mayer, que é uma coisa mais pesada do ponto de vista técnico. Precisamos de uma empresa mais especializada para conseguir o máximo de financiamento possível. E por isso isso fomos buscar gente da nossa confiança”. No Base também não há indicação que tenham existido outros concorrentes.

Nuno Firmo garante ao Observador que a sua contratação pela junta de freguesia de Santo António não é “coisa de tacho”, mas sim “trabalho efetivo”. Diz ainda que se dá melhor com “autarquias do PS” do que com as do seu próprio partido. E que no concelho de Lisboa só trabalhou com duas juntas: a do seu vice-presidente e a de Penha de França, que é do PS (e com quem fez dois contratos: um de 44.280 euros, outro de 8.856 euros). “O meu técnico oficial de contas pode confirmar-lhe que são só essas duas juntas que aparecem no Base”, acrescenta Firmo. O dirigente social-democrata garante ainda: “Uma coisa é a minha atividade partidária, outra é a minha atividade empresarial. Trabalho com autarquias de qualquer cor partidária. Nunca tive qualquer favorecimento por ser do partido.”

Cal Gonçaves é o “Pogba” de Santo António

Na adjudicação a empresas lideradas por quem tem cartão de militante, Vasco Morgado contratou também a Heidelconsult, empresa de José Cal Gonçalves, militante do PSD que foi presidente da junta de freguesia dos Anjos e chefe de gabinete do ex-presidente de câmara Carmona Rodrigues.

O presidente da junta de Santo António explica ao Observador que Cal Gonçalves “foi contratado como jurista e como foi presidente de junta e chefe de gabinete do presidente da câmara, tem um currículo vasto na área das autarquias.” Vasco Morgado diz ainda que esta contratação é “feita à Mourinho, não importa o clube de onde vem o jogador. Importa contratar os melhores. O Mourinho contratou o Pogba, eu contratei o Cal Gonçalves. O facto de ele estar ligado ao partido é uma condição supérflua.” Esta empresa de Cal Gonçalves também teve uma adjudicação de 24 mil euros em 2014 na Junta de Freguesia das Avenidas Novas, da responsabilidade de Daniel Gonçalves — pai de Rodrigo Gonçalves, chefe da fação do PSD rival de Sérgio Azevedo e de Luís Newton.

Foi também um militante do PSD, Arnaldo Costeira — que agora é candidato pelo PSD à junta de freguesia dos Olivais — que Vasco Morgado escolheu para criar um gabinete de comunicação da junta de freguesia. Supostamente, Arnaldo tinha no currículo ter trabalhado na junta da Estrela, com Newton, entre outubro de 2013 e novembro de 2014, como “coordenador de Comunicação e Imagem”, mas esse contrato também não foi publicitado.

O presidente da junta de freguesia de Santo António explica ao Observador que Arnaldo Costeira foi contratado para “um serviço de montagem do gabinete de comunicação. Isto de ir à procura de um consultor de comunicação à velocidade que as juntas andam é complicado. Conhecia-o, liguei-lhe, ele tinha saído da universidade, e pedi-lhe. Montou o gabinete e depois foi à vida dele.” No caso da passagem pela junta da Estrela, não há registo público do contrato de Arnaldo Costeira, mas no caso de Santo António a contratação foi publicitada no Base: um ajuste direto no valor de 25.092 euros.

Vasco Morgado contratou ainda para a junta militantes do PSD: Rosa Sousa, Luísa Silva, Tiago Ferraz e Filipa Mendes. Ao Observador garante que não faz “contratações por as pessoas serem do PS, PSD, do Sporting ou do Benfica. Tenho cá militantes do PS a trabalhar. Porque eu não pergunto a militância com quem trabalho. Tenho gente aqui mais à esquerda e mais à direita. Não ligo ao cartão do partido. A minha coordenadora para a área da educação, até é ligada ao PS. Tem currículo, é boa no que faz, fiquei com ela.”

Quanto a Tiago Ferraz e Filipa Mendes, Morgado desafia o Observador a acompanhar o trabalho deles durante um dia para ver como são competentes. “Por serem militantes dá a entender que é coisa de tacho, mas basta ver o trabalho deles para perceberem que não é tacho, nem panela de pressão, é gente de trabalho.” O Tiago, explica o presidente de junta, é “coordenador para a área do licenciamento, e a Filipa coordenadora para a limpeza urbana. Eles dão o litro. A Filipa até noites trabalha e veio comigo de S. José. Só muito depois de trabalhar com ele é que soube que ela é do PSD, que ela também não fala muito.” O Observador não apurou o valor destas avenças.

A antiga “jardineira” licenciada da JSD/Lisboa

No caso da junta de Freguesia da Estrela, a juntar a contratos com empresas do PSD, entre os avençados da junta de freguesia estão também outros militantes do partido. Uma delas é Mafalda Ascensão Cambeta, que além de assessora na junta de freguesia da Estrela é também assessora no gabinete de vereadores do PSD na Câmara Municipal de Lisboa e membro da Assembleia de Freguesia de Campo de Ourique (onde está também Adelino Crespo, da Cresdecor). Embora o contrato de Cambeta com o gabinete dos vereadores do PSD esteja publicado no Base.gov, a contratação da jovem dirigente do PSD pela junta da Estrela não consta no portal dos contratos públicos. Cambeta ganha 1.700 euros brutos por mês no gabinete da vereação, mas não é público o seu vencimento na Estrela.

Mafalda Cambeta foi presidente da concelhia da JSD/Lisboa e é muito próxima de Luís Newton, controlando a parte da “jota” afeta ao presidente da junta de freguesia da Estrela nas guerras internas. Quando a junta de freguesia de Campolide era liderada por Fausto Jorge Santos, do PSD, Mafalda chegou a ser contratada como “jardineira da junta”, quando era estudante de Direito. Com Cambeta, ainda havia outro militante a ganhar como “jardineiro” embora também não fosse essa a sua área profissional ou de formação. O Jornal de Lisboa chegou a noticiar que essa relação laboral de Cambeta com a junta de Campolide durou, pelo menos, entre novembro de 2008 e outubro de 2009. Newton chegou a ter um conflito na ERC com este mesmo jornal por este órgão se ter recusado a publicar um direito de resposta.

Já em abril de 2017, Mafalda Cambeta voltou a ser envolvida em polémicas, com uma notícia na revista Sábado que revelava que faltou a uma reunião da Assembleia Municipal de Lisboa a 7 de dezembro, mas alguém falsificou a sua assinatura (efeito: recebeu senha de presença). A presidente da Assembleia Municipal, Helena Roseta, não quis “gastar energias” com o assunto e tudo passou.

Questionado sobre a sua colaboradora na junta, Newton explica ao Observador que “Mafalda Cambeta foi convidada em 2014 para implementar na Estrela o projeto de Atividades de Interrupções Escolares que ela tinha desenvolvido com sucesso na junta de Santa Isabel. Nessa altura o projeto envolvia, em média, cem crianças e dez a doze monitores.” O presidente da junta explica que a sua companheira de partido até “esteve como voluntária desde 2014 até há cerca de ano e meio [portanto, até 2015], uma vez que o projeto cresceu na Estrela e hoje envolve anualmente mais de três mil crianças e mais de cento e cinquenta monitores”. Newton acrescenta ainda que “o sucesso destas iniciativas também é público e o trabalho dela é reconhecido por todos os pais das crianças”.

Contratar a prima para a área que tutela

A junta de freguesia do Areeiro, liderada por Fernando Braamcamp, também fez ajustes diretos de milhares de euros a empresas de militantes do PSD. Como uma diferença face a Newton: as publicações estão no portal Base.gov. Um dos casos mais bicudos naquela junta — numa área que já pertence ao Núcleo Oriental do PSD/Lisboa, dominada por Paulo Quadrado, aliado da fação de Newton e Sérgio Azevedo nas eleições para a distrital a 1 de julho — é uma contratação de uma militante que é também familiar de quem a contratou (a ala de Azevedo e Newton chegou a promover Quadrado a presidente interino da concelhia de Lisboa, numa tentativa de afastar Rodrigo Gonçalves desse cargo, que considera esse “golpe” anti-estatutário).

Em três ajustes diretos, entre 2014 e 2017, a junta de freguesia do Areeiro contratou a militante do PSD Mónica Clemente de Brito Leitão para “coordenação da área da Ação Social” da junta de freguesia do Areeiro. O problema é que quem no executivo da junta tem esse pelouro é a prima da contratada, Patrícia Brito Leitão, eleita nas listas do PSD. A junta pagou assim à militante e prima da dirigente 81.180 euros (66.000 euros, aos quais acresce IVA) entre 2014 e 2017. Ao Observador, o presidente da junta limitou-se a dizer que Mónica Leitão, independentemente de ser prima de Patrícia Leitão, “é muito competente”.

Há ainda outros militantes do PSD avençados na junta de freguesia do Areeiro, cujos contratos constam do site Base.gov: Diogo Cunha, com três contratos no valor de 98.400 euros (80.000 mais IVA) como consultor jurídico; Manuel Cerejeira Torres a quem a junta pagou 70.848 euros por “tarefas diversas” e “serviços de apoio ao executivo”, através de ajustes diretos; a militante Ana Cristina Leite foi contratada num ajuste direto de 29.520 euros para “serviços de economato” durante 891 dias; e ainda o militante Vítor Fernandes, contratado por 9.594 euros como monitor das escolinhas de futebol da freguesia do Areeiro.

Quanto a empresas lideradas por militantes do PSD, a junta liderada de Fernando Braamcamp contratou a Galvão&Flor, do militante social-democrata Nuno Vicente dos Reis, em três contratos que custaram à junta 122.306 euros (99.436 euros, aos quais acresce IVA). Dois destes contratos foram para reparação de mobiliário urbano e outro para uma obra no projeto de intervenção local da junta “Areeiro por ti”.

A empresa Odragom, Lda, da militante do PSD Paula Teresa Duarte Silva, também teve dois contratos por ajuste direto com a junta de freguesia do Areeiro: um contrato de 181.421 euros (147.497 mais IVA) numa empreitada de requalificação da Conservação do Edifício do Posto de Limpeza do Arco do Cego e um outro no valor de 13.253 euros (10.775 euros, mais IVA) para requalificação de arruamentos na Praça Francisco Sá Carneiro.

Questionado sobre todas estas contratações, Fernando Braamcamp deu uma resposta única ao Observador, onde justifica que “as contratações de colaboradores pela junta de freguesia do Areeiro cumprem os ditames da legislação aplicável, respeitante à contratação pública”. Ora para o presidente da junta de freguesia do Areeiro “não há lugar, portanto, a situações de favor ou de discriminação, seja de que tipo for, relativamente a quem foi contratado para exercer funções na junta de freguesia do Areeiro.”

Fernando Braamcamp explica ainda que “os critérios para a contratação são claros e constam dos concursos públicos lançados para o efeito, permitindo assim, a escolha em condições de igualdade e imparcialidade, bem como de transparência e publicidade.” Quanto aos militantes contratados, o autarca acrescenta que “não será demais referir o facto de ter havido pessoal proveniente das antigas Juntas de Freguesia do Alto do Pina e de São João de Deus, extintas pela recente reorganização administrativa da Cidade de Lisboa, que transitou para a Junta de Freguesia do Areeiro.”

Quanto às empresas contratadas, Fernando Braamcamp garante que “foi observada a legislação aplicável, tendo sido escolhidas pela sua competência e por serem reconhecidas no mercado” e destaca que “os contratos estão publicados no Portal Base.gov, cumprindo as mais elementares regras de publicidade dos contratos, que a lei obriga.” O presidente diz ainda que estas empresas “prestam serviços a várias juntas de freguesia do concelho de Lisboa, cujos executivos têm diferentes “cores” partidárias e, inclusivamente, à Câmara Municipal de Lisboa.” As situações — como se pode verificar no portal Base — são aqui distintas, pelo que a generalização não corresponde a todos os casos verificados pelo Observador. Por exemplo, é verdade que a Odragom de Paula Silva tem contratos com juntas de freguesia PS, mas também é verdade que o seu maior contrato registado no Base foi estabelecido com a junta de freguesia do Areeiro: 181.421 euros.

Mais de um milhão de euros para militantes nas três juntas

Segundo as contas do Observador — e sem contar com outros eventuais contratos com as mesmas características — estas três juntas de freguesia geridas pelos sociais-democratas adjudicaram a empresas de militantes do PSD ou estabeleceram avenças no valor de 1.050.279 euros. Por junta:

  • Fernando Braamcamp, no Areeiro, 596.982 euros com militantes sociais-democratas.
  • Luís Newton, na Estrela, gastou, pelo menos 303.521 euros;
  • Vasco Morgado, em Santo António, 149.776 euros;

Luís Newton, na resposta ao Observador, destaca que muitas das questões levantadas neste artigo constavam de um “email anónimo” que anda a circular: “[Foi] enviado recentemente para vários militantes do PSD, com o intuito de procurar difamar e enlamear o trabalho autárquico que tenho procurado promover”. Lembrou ainda que em 2014 e 2015 consolidou uma nova estrutura de “compliance” na junta e que se orgulha “igualmente de ser das poucas juntas de freguesia que tem as suas contas auditadas por um Revisor Oficial de Contas desde 2015 (2015, 2016 e, certamente no próximo ano, as de 2017)”.

Vasco Morgado também garante que se riu a olhar para o email, já que vê tudo como algo fabricado por rivais. Também Fernando Braamcamp, com as justificações que deu, considera que “as denúncias de favorecimento partidário não têm provimento, por falta de fundamento.”

O núcleo que desafia a hegemonia da família Gonçalves

Carrinhas, listas e cacicagem. Todos os detalhes da guerra pelo poder no PSD/Lisboa

Sérgio Azevedo e Luís Newton são as figuras mais influentes do Núcleo Ocidental do PSD/Lisboa, sobretudo pelos cargos que ocupam: um é vice-presidente da bancada do PSD na Assembleia da República, outro é presidente de uma importante junta de freguesia do concelho de Lisboa. O presidente (Nuno Firmo) e o vice-presidente do núcleo (Vasco Morgado, presidente da junta de freguesia de Santo António) são próximos de ambos. Newton é também o tesoureiro da concelhia do PSD/Lisboa.

O Núcleo Ocidental foi liderado até junho de 2015 por Luís Newton, que já tinha liderado a secção D — antes da extinção das secções do PSD em 2011 e da criação dos três núcleos e de uma concelhia. O antigo dirigente da JSD, que preside à junta da Estrela, foi assessor do grupo parlamentar do PSD e assessor do secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.

Nessa vida de Newton, houve uma história caricata. A 17 de abril de 2013, o Jornal de Negócios noticiava que era feita uma retificação no Diário da República para estabelecer que assessor do PSD não era licenciado. Depois do escândalo de Miguel Relvas foi publicado em DRE a indicação que onde se lia “licenciado Luís Pedro Alves Caetano Newton Parreira – (…) nomeado para a categoria de assessor do grupo parlamentar do Partido Social Democrata”, devia ler-se “Luís Pedro Alves Caetano Newton Parreira – (…) nomeado para a categoria de assessor do grupo parlamentar do Partido Social Democrata”. Ou seja: para retirar a palavra licenciado.

Esta não era, de resto, a primeira vez que Newton teve problemas com títulos. Em março de 2007, numa subdelegação de competências dada pelo vereador Paulo Moreira, era apresentado como “Eng. Luís Pedro Alves Caetano Newton Parreira” num despacho publicado em Boletim Municipal. Ora, se não era licenciado em 2013, também não era em 2007.

O Núcleo Ocidental representa uma fação que está alinhada com o líder Passos Coelho e com o atual presidente da distrital, Pedro Pinto. Já antes estavam com Miguel Pinto Luz, antigo líder distrital, delfim e vice-presidente de Carlos Carreiras na Câmara de Cascais. O atual coordenador autárquico e o seu inner circle continuam a influenciar quase toda a distrital do PSD de Lisboa. Isto com exceção do núcleo central do PSD, que é controlado pela família Gonçalves. A guerra de fações teve mais uma batalha nas últimas eleições para a distrital laranja, a 1 de julho.

A rede da família Gonçalves: como se tornaram poderosos no PSD/Lisboa

Sérgio Azevedo é, além de dirigente da bancada do PSD (foi reeleito a 19 de julho vice-presidente na lista liderada por Hugo Soares), também o líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa. Deputado desde 2011, na altura de fazer a lista de deputados indicados pela concelhia Lisboa antes das legislativas de 2015, Sérgio Azevedo foi apontado com naturalidade. Também foi líder da extinta secção i, na baixa lisboeta.

Artigo atualizado às 18h48, com declarações do proprietário da Ambigold e ex-líder da JSD/Braga, Carlos Reis e acrescentado às 22h20 a informação que o contrato de Arnaldo Costeira com a junta de freguesia de Santo António foi publicado no site Base.gov e tem como valor 25.092 euros.