A pergunta era sobre precariedade no Estado e o plano do Governo para integrar trabalhadores com vínculos precários na Administração Pública. Em entrevista à Rádio Renascença, António Costa acabou por explicar, mais uma vez, que todo o processo está a ser conduzido “passo a passo” e que neste momento o Executivo está a “identificar em cada ministério quais as necessidades permanentes”.

Ainda assim, Costa foi ligeiramente mais longe. Desafiado a esclarecer se existia margem orçamental para integrar os mais de 110 mil trabalhadores que, estima o Ministério das Finanças, têm vínculos temporários com o Estado, o primeiro-ministro tentou explicar a posição do Governo socialista:

As pessoas hoje que estão a recibos verdes também não trabalham a borla, e muitas delas estão a receber mais do que se estivessem integradas no Estado, esse é o ultimo argumento que podemos utilizar”, afirmou Costa.

O primeiro-ministro tem razão?

O que está em causa?

A 3 de fevereiro, o Governo, através do Ministério das Finanças, divulgou o Levantamento dos Instrumentos de Contratação Temporária na Administração Pública — nome oficial para o relatório oficial sobre a precariedade no Estado.

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O objetivo deste relatório foi lançar as bases para o programa de regularização extraordinária de precários no Estado, aprovado em Conselho de Ministros, a 9 de fevereiro. Este programa deverá arrancar até 31 de outubro deste ano e entrar formalmente em vigor até 31 de dezembro de 2018. Ou seja, até ao último dia de 2018, o Executivo socialista pretende ver todas as situações de precariedade identificadas no Estado resolvidas.

No estudo conduzido pelo Ministério das Finanças, o Governo concluiu que existem cerca de 116.000 trabalhadores com vínculos temporários no Estado, a grande maioria dos quais concentrados na Administração Pública Central.

Dentro deste universo, no entanto, existem situações muito diversas: desde logo, trabalhadores pagos por avenças, outros pagos por tarefas, muitos com contratos emprego-inserção, em estágios remunerados ou bolsas de investigação.

O processo decorrerá em duas fases. A primeira arranca já em abril: os trabalhadores a prazo e a recibos verdes com horário completo que se quiserem candidatar devem fazê-lo dentro deste período. O programa não abrange algumas carreiras especiais com regimes de recrutamento próprio, como explicava aqui o ministro do Trabalho e da Segurança Social, José António Vieira da Silva. Quem? Médicos, professores ou enfermeiros, por exemplo.

Nem todos os trabalhadores podem apresentar candidaturas. Como explicava o Jornal de Negócios, no caso de trabalhadores com contratos emprego-inserção, por exemplo, a candidatura terá de partir do responsável máximo do serviço, que terá de explicar que aquele trabalhador em questão cumpre, de facto, necessidades permanentes.

As candidaturas serão avaliadas por uma comissão bipartida, a criar em cada ministério. Esta comissão terá representantes da área do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, da área das Finanças e ainda do membro do Governo responsável pela área sectorial em causa. Os sindicatos também farão parte das conversações. Só depois serão definidos que trabalhadores devem ou não ser admitidos com um contrato sem termo.

Nos próximos dias, explicou ao Observador uma fonte próxima do processo negocial, será publicada uma portaria que vai estabelecer a criação das 14 comissões de avaliação em cada um dos ministérios e os procedimentos a seguir. Em anexo, será ainda publicado o formulário que os trabalhadores têm de preencher entregarem a candidatura. Só nessa altura serão conhecidas as regras desenhadas pelo Governo e que universo de trabalhadores pode vir a ser integrado no Estado.

Em linhas gerais, isto é o que se sabe nesta altura do processo. Esta terça-feira, e ao contrário da solução que chegou a ser admitida por Mário Centeno, António Costa deu uma novidade: os precários que cumpram “necessidades permanentes” não terão de passar por um concurso para serem admitidos com um contrato sem termo.

O Estado não está acima da lei e portanto deve cumprir a lei e uma das regras fundamentais é que a precariedade é proibida, os contratos de prestação de serviços só devem ser utilizados para situações de prestação de serviços. Quem está em funções permanentes, regulares, a exercer a uma atividade subordinada deve ter direito a um contrato”, afirmou o primeiro-ministro.

Os factos

Voltando à afirmação inicial de António Costa. É possível apurar se na realidade é verdade que “muitas as pessoas [que estão a recibos verdes] estão a receber mais do que se estivessem integradas no Estado”? Com os dados que são públicos, ainda não.

Primeiro, porque não é sequer conhecido o universo de trabalhadores com vínculos temporários que vai ser integrado no Estado. Que tipo de funções de desempenham? Quantos são? O processo está ainda em fase de avaliação.

E, depois, porque tudo depende de caso para caso. Várias fontes contactadas pelo Observador foram lembrando que existem trabalhadores que, não estando integrados nas carreiras do Estado, recebem avenças significativas — até superiores aos ordenados de assistentes técnicos ou técnicos superiores. Se recebessem pela tabela salarial prevista para a função pública teriam, eventualmente, uma remuneração inferior aquela que têm como prestador de serviços.

Claro que a discussão pode ser colocada de outra forma: é verdade que, em alguns casos, estes trabalhadores até poderiam ter remunerações mais baixas se obedecessem às tabelas definidas. Mas os encargos para o Estado com um trabalhador nos quadros (vide descontos para Segurança Social) é superior ao encargo que o Estado mantém com um trabalhador em regime de recibos verdes. Mais uma vez: cada caso tinha de ser analisado isoladamente.

Conclusão

É impossível verificar toda a extensão das palavras de António Costa. O Observador procurou mais esclarecimentos junto do Governo, mas todas as respostas foram remetidas para documentos que são públicos, nomeadamente o Livro Verde das Relações Laborais e o Relatório sobre o levantamento dos instrumentos de contratação de natureza temporária na Administração Pública. Documentos que não respondem às duas perguntas essenciais levantadas pela afirmação de António Costa: quantos trabalhadores a recibos verdes estão a receber mais do que se estivessem integrados no Estado? E que tipo de funções desempenham?

A análise à veracidade das afirmações de António Costa só pode determinar que a frase é inconclusiva, pelo menos com os dados disponíveis. O primeiro-ministro chega a utilizar a expressão “muitas”, referindo-se às pessoas que, estando a recibos verdes, estão a receber mais do que se estivessem integrados no Estado. Sendo certo que estas situações podem ocorrer — como frisaram várias fontes ouvidas pelo Observador — é difícil apurar a real frequência destes casos, num momento em que não se conhecem dados sobre este universo de trabalhadores que vai ser integrado no Estado.

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