Enquanto católico, sei que não devo cair em tentação. O Bloco de Esquerda não sabe. No prelúdio da legislatura, enquanto o país contemplava em suspenso o drama da formação do novo governo, o Bloco já forçava pelos corredores do Parlamento uma catadupa de diplomas, entre os quais se contava a aprovação da adopção por pares do mesmo sexo. Não podia desperdiçar-se um segundo. Afinal, havia uma grande pressa em sagrar a nova maioria nos altares da ideologia de género e uma urgência ainda maior em ultrapassar o PS pela esquerda. Manobra que, desde então, se tem tornado cada vez mais difícil.
A custo de espessas cortinas de fumo, as esquerdas afastaram a perspectiva de um referendo e, em boa verdade, qualquer assomo de debate público sobre o tema. Anunciou-se o projecto, aprovou-se a lei, abriu-se o champanhe, desfraldaram-se as bandeiras e celebrou-se o avanço civilizacional. Pelo meio, Catarina lá se lembrou das crianças, cujo superior interesse jurou ter guiado todo o processo. Porém, verdadeiramente importante era o triunfo da igualdade. Como é bem sabido, num processo de adopção, os interesses do adoptante são mais relevantes do que os do adoptado. Sobretudo, quando valem mais votos.
Ainda assim, para conseguir uma aprovação célere do diploma, o Bloco teve de abdicar de um dos seus desportos favoritos: a clivagem cultural com as forças conservadoras da sociedade. Não foi um sacrifício leve, para um partido que se alimenta essencialmente de fracturas sociais. E nem o veto provisório do Presidente Cavaco Silva, nem a pequena bravata institucional que o Bloco ensaiou contra o Chefe de Estado permitiram acalmar este anseio. Por isso, foi necessário fabricar cartazes onde se atribuem dois pais a Cristo, para transformar a narrativa do triunfo da igualdade numa escaramuça com a Igreja Católica. Pelo meio, a tão invocada dignidade dos homossexuais ficou esquecida e estes viram-se transformados em armas de arremesso contra uma religião. Não sei se o Bloco espera reacções enfurecidas da Conferência Episcopal ou a convocação de vigílias à porta da sua sede. Sei que, depois de anos a rechaçar a influência católica sobre a sociedade portuguesa, não hesitaram em transformar uma questão política numa discussão religiosa, para fins meramente eleitorais. Deixaram de acreditar na separação entre a Igreja e o Estado?
Por outro lado, ao transformar explicitamente o debate sobre a adopção por pares do mesmo sexo numa cruzada anticlerical, o Bloco reforça os motivos do veto provisório do Presidente Cavaco, porque prova que não existe qualquer consenso social sobre esta questão. A maioria é uma miragem, no cativeiro do radicalismo ideológico, do divisionismo social e do experimentalismo puro. Nenhum opositor da lei poderia tê-lo demonstrado com tanta clareza quanto o Bloco.
Entre a vontade de colher os louros pelo anunciado fim da austeridade e a aversão tribunícia às responsabilidades governativas, Catarina foi deixada à mercê da aridez ideológica. E, perdida nesse deserto, foi tentada pela iconoclastia e não resistiu. O exame de consciência e a contrição serão agora feitos pelo pelotão de eleitores de centro-esquerda que lhe confiaram os seus votos, na esperança de que o Bloco transitasse da irreverência para o arco da responsabilidade. Entretanto, Catarina pode fazer o barulho que quiser. Terá de colar muitos cartazes até que os portugueses se esqueçam que o seu partido patrocinou um imposto regressivo sobre os combustíveis, um corte abrupto no quociente familiar da classe média e uma ruptura da credibilidade internacional do país.
Se o objectivo é gerar polémicas, sugiro que dedique menos tempo a atacar a Igreja Católica e mais a denunciar os regimes onde os homossexuais são presos e assassinados em abundância. Suspeito que a reacção seria bastante menos branda. Aborrecer beatas católicas é para meninos.
Estudante universitário, 19 anos