1. Vivemos tempos de grande incerteza na ordem política e económica global. Sinais de protecionismo nas relações comerciais externas têm vindo a emergir e a globalização económica, que contribuiu para reduzir a pobreza em muitas regiões do mundo, é hoje posta em causa.
Tem vindo a espalhar-se um certo sentimento de deterioração do clima geopolítico: num sistema internacional cada vez mais multipolar, novos atores geram novas ameaças e vários países preparam-se para vultuosos aumentos das suas despesas militares.
Tirando partido dos avanços no domínio das tecnologias de comunicação, têm aumentado as ameaças cibernéticas e o populismo político vai ganhando terreno em várias partes do mundo.
Alguns países têm levantado dúvidas quanto à implementação dos Acordos de Paris sobre as Alterações Climáticas.
Neste contexto internacional, a paz, a segurança e o progresso económico e social na Ásia é um tema de interesse global de grande atualidade.
2. A questão central que coloco é a seguinte: o reforço das relações entre a União Europeia e a Ásia Oriental pode contribuir para a segurança e prosperidade da região? Penso que sim.
Para começar, importa ter presente que a União Europeia, com os seus 510 milhões de habitantes, é a maior zona económica do mundo, à frente dos Estados Unidos, e é a maior potência comercial em termos de exportações e importações.
A União Europeia é o maior mercado de exportação para mais de 100 países e o seu comércio com o resto do mundo representa 20% do total das exportações e importações.
Não menos importante do que a União Europeia no seu todo é a Zona Euro, o seu núcleo central: um sistema federalista, em que 19 países partilham a mesma moeda, o Euro, e um Banco Central que gere a política monetária única.
É um erro pensar que a Zona Euro irá desmoronar-se. As consequências para um país da saída da Zona Euro são tão negativas que eu não consigo imaginar que um Governo ouse tomar uma tal decisão.
O Reino Unido pertence à União Europeia, mas não ao grupo de países da Zona Euro, onde a integração económica e financeira é muito mais profunda. Mesmo assim, as negociações do Brexit serão muito difíceis e, como vários líderes de opinião britânicos reconhecem, os custos serão muito maiores para o Reino Unido do que para os outros 27 Estados-membros.
A tendência tem sido para fortalecer a União Económica e Monetária e estou convencido de que, no futuro, mais Estados-membros integrarão a Zona Euro.
Tendo sido Primeiro-Ministro de Portugal durante os primeiros dez anos da sua adesão à União Europeia e tendo participado nas negociações do Tratado que criou a União Económica e Monetária, conheço bem as razões que levaram a esta grande realização e a importância do seu papel no sistema financeiro internacional. O Euro é já uma moeda global de pagamento em paralelo com o dólar.
Tem sido claro que a China, a potência regional asiática, deseja uma União Europeia forte e que o Euro seja uma moeda internacional. Embora não saibamos bem qual o significado da afirmação do Presidente Xi, no Fórum Económico Mundial em Davos, de que a China deve liderar a globalização económica, estou convencido de que é do interesse chinês que a União Europeia seja uma potência económica com voz forte na cena internacional, o que contribuirá para mitigar o peso dos Estados Unidos como a voz ocidental nas questões de política global.
3. Na Europa foi possível pôr de pé uma ordem regional baseada num amplo e coerente conjunto de interesses e valores comuns. Este tipo de unidade na diversidade não conseguiu emergir na Ásia, onde não existe uma ordem regional coerente agrupando vários países. Predominam as relações bilaterais e as associações internacionais asiáticas têm objetivos muito limitados, nada semelhantes às políticas comuns europeias.
O diálogo político e a cooperação entre os países da Ásia Oriental é escasso e os mal-entendidos e as fricções surgem com frequência. O aumento da interdependência económica ente os países asiáticos criaria uma convergência de interesses mais ampla que contribuiria para evitar que as tensões se agravassem.
A questão nuclear da Coreia do Norte não pode ser resolvida sem uma efetiva coordenação entre os Estados Unidos e a China. Os dois países têm estado do mesmo lado no Conselho de Segurança das Nações Unidas na condenação dos testes de mísseis balísticos. Ambos querem que a Coreia do Norte abandone o seu programa nuclear, mas não têm conseguido acordar numa estratégia de cooperação que garanta uma segurança regional sustentável.
A China tem tolerado até aqui as perigosas ações provocadoras do regime norte-coreano. Mas estou convencido de que a China tem as suas próprias linhas vermelhas no que respeita às provocações militares da Coreia do Norte. A China não quererá, certamente, que o seu desenvolvimento económico e social e as suas ambições de liderança global sejam postos em causa por um vizinho irresponsável, cujas ambições nucleares são condenadas por toda a comunidade internacional.
Neste contexto, é minha firme convicção de que o reforço de cooperação entre os países da Ásia Oriental e a União Europeia, e não apenas com os Estados Unidos, pode contribuir para a segurança e prosperidade na região.
4. Seria benéfico para a Ásia Oriental considerar a União Europeia como uma parte integrante do equilíbrio de poder na região, juntando-a à posição que é ocupada pelos Estados Unidos. Não digo isto por agora se afirmar que a América da Administração Trump será mais isolacionista. Estou convicto de que a União Europeia é, em si própria, um ativo valioso para a região.
A União Europeia é uma estrutura política fortemente comprometida com a paz, a liberdade e a democracia.
Como o maior produtor mundial de bens e serviços, a União Europeia tem uma voz na política internacional. O seu papel foi crucial nas negociações do acordo nuclear com o Irão em 2015.
A União Europeia é um defensor das relações multilaterais de comércio livre e é firme no respeito das regras da Organização Mundial do Comércio.
A União Europeia está na primeira linha do apoio à plena implementação do Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas.
A União Europeia é um parceiro confiável.
As relações económicas e políticas entre a União Europeia e os países da Ásia Oriental são já intensas.
A União Europeia e a China estabeleceram entre si uma parceria estratégica. A União Europeia é o primeiro mercado de exportação da China, num total de 344 mil milhões de euros no ano de 2016, e um acordo de investimento está em processo de negociação. Espera-se que a Cimeira União Europeia-China que terá lugar amanhã em Bruxelas dê um novo impulso à parceria estratégica.
A União Europeia tem uma parceria estratégica e um acordo de comércio livre com a Coreia do Sul, o primeiro assinado com um país asiático. A União Europeia é o terceiro maior mercado de exportação da Coreia, num total de 42 mil milhões de euros em 2016.
Nas presentes circunstâncias políticas, no seguimento da recente eleição presidencial, um papel mais ativo da União Europeia na Ásia Oriental, para além dos Estados Unidos, facilitaria à Coreia do Sul ter uma voz mais forte nas questões referentes à segurança na região.
Um acordo de comércio livre e uma parceria estratégica entre a União Europeia e o Japão estão em processo avançado de negociação. As exportações de mercadorias do Japão para a União Europeia atingiram 66 mil milhões de euros no ano transato.
Estou convencido que é possível fazer mais, fortalecendo a parceria da União Europeia com a China, a Coreia do Sul e o Japão em áreas políticas e globais da maior relevância, como os direitos humanos, a segurança regional e global, o combate ao terrorismo, as alterações climáticas e a segurança energética e cibernética e, dessa forma, contribuir para transformar a Ásia Oriental num sistema mais cooperativo.
Os problemas relacionados com a segurança são comuns aos vários países da região, pelo que seria importante que o diálogo entre eles fosse para além das relações bilaterais. Porque não pensar na criação de um tipo de G6 para a Ásia Oriental, incluindo China, Coreia do Sul, Japão, Estados Unidos, União Europeia e Rússia? Todos sabemos que existem dificuldades históricas, mas há momentos da vida das nações em que o pragmatismo é crucial para evitar que os problemas se tornem demasiado sérios.
É um dever moral de todos os países do mundo comprometidos com a paz fazer todos os possíveis para impedir que a atual incerteza global se torne num perigo incontrolável para a humanidade. O diálogo, a cooperação acrescida e o estabelecimento de parcerias regionais fortes pode ser parte da solução.
Versão portuguesa da intervenção realizada no Fórum de Jeju para a Paz e Prosperidade, Coreia do Sul, 1 de Junho de 2017.