A mais ou menos um mês das eleições, a coligação entre dois partidos diferentes, o PSD e o CDS, está mais unida e coesa do que o PS. Quem diria há cerca de um ano, quando António Costa foi eleito líder dos socialistas? Costa foi escolhido com base em duas promessas: unir o partido e ganhar em 2015 com maioria absoluta. Costa teria as qualidades para conseguir o que Seguro não fora capaz de fazer. Há um ano, o PS estava dividido, com Costa na oposição ao então líder e com os “Socráticos” em estado de guerra contra o grande inimigo interno. Costa iria acabar com todas essas guerras e recuperar a unidade socialista. Além disso, impor uma derrota ao PSD e o CDS não era suficiente. Seguro conseguiu-o em Maio do ano passado nas eleições europeias. Os socialistas só se satisfaziam com uma maioria absoluta.
Como está o PS, sensivelmente, um ano depois da eleição de António Costa? Continua dividido, no mínimo tanto como há um ano. E a maioria absoluta está, pelo menos, tão longe como em Setembro de 2014. Ou seja, em relação aos seus dois grandes objectivos, até agora, Costa fracassou completamente. Ainda poderá conseguir num mês o que não foi capaz de fazer num ano, mas não será fácil.
O facto mais evidente das divisões no PS foi o anuncio da candidatura de Maria de Belém a Belém, contra a vontade do líder do partido. Mais do que qualquer sondagem, a autonomia política de Maria de Belém mostra a descrença numa maioria absoluta, senão mesmo na vitória no dia 4 de Outubro. Se o PS estivesse solidamente a caminho de uma “vitória eleitoral inequívoca” não haveria obviamente candidaturas autónomas dos militantes do partido contra a vontade do líder.
Mas a saga das candidatos presidenciais socialistas, ou apoiados pelo PS (já vamos em três), mostra igualmente a fraqueza política de Costa e talvez divisões mais antigas. Para quem está de fora – e admito não estar inteiramente correto – parece que Sampaio da Nóvoa foi quase imposto a Costa por Mário Soares e por Jorge Sampaio. Nunca é bom sinal quando um líder não se emancipa dos seus antecessores. Aparentemente, a candidatura de Maria de Belém recebeu a bênção de Guterres (outro antigo líder). Parece que as velhas guerras entre Sampaio e Guterres (com Soares desta vez ao lado de Sampaio) ainda não acabaram completamente. Simplificando, Costa não foi capaz de unir o PS jacobino, mais esquerdista, e o PS católico, mais social democrata, como demonstram as candidaturas presidenciais.
As divisões do PS são ainda uma extensão das divisões das esquerdas. Como todos os líderes socialistas, Costa foi obrigado a fazer o exercício de procurar captar votos à esquerda do PS, sem perder o centro. Além da influência de Soares e de Sampaio, o apoio ao Professor Nóvoa inseriu-se na lógica de crescer para a esquerda do partido. E Costa terá pensado que, depois de arrumada a questão dos votos à esquerda, poderia concentrar-se no eleitorado do centro. Terá ainda acreditado que a campanha, feita pelos socialistas nos últimos três anos, de empurrar a coligação para a direita, lhe facilitaria a conquista do centro. Teoricamente fazia todo o sentido, mas a radicalização da esquerda em geral, como resultado da crise, e a Grécia complicaram a já por si difícil estratégia do crescimento simultâneo para a esquerda e para o centro. Em tempos de bonança, com a esquerda mais moderada, a quadratura do circulo é mais fácil.
Os acontecimentos na Grécia mostram os dilemas provocados pela radicalização da esquerda. (Uma nota: as eleições na Grécia, provavelmente uma semana antes das portuguesas, não poderiam vir em pior altura para Costa). O governo que Costa descreveu como trazendo uma “esperança para a Europa” vai fazer uma campanha a defender um programa de austeridade bem pior do que aquele executado pelo governo português. Dito de outro modo, Costa tem atacado um programa menos “austero” – o português – do que aquele aceite e defendido por um governo em quem muitos dos seus camaradas de partido e das esquerdas fronteiriças (apoiantes, por exemplo, do Professor Nóvoa) apoiaram com entusiasmo. O que farão Costa e os seus camaradas? Se defenderem Tsipras e o Syriza não poderão atacar as políticas dos últimos quatro anos em Portugal. Se atacarem o governo, como certamente vão continuar a fazer, terão que atacar igualmente o Syriza. E aqui as coisas complicam-se para o PS. O exemplo grego demonstrou, que ao contrário do que diz Costa e o PS, não há terceira via na zona Euro para os problemas com problemas de despesa pública e de desequilíbrios orçamentais.
Para o eleitorado do centro que o PS quer conquistar, o exemplo da Grécia expõem a irresponsabilidade da esquerda: trouxe mais austeridade, piorou a condição de vida dos gregos e criou instabilidade política, com uma sucessão de eleições e referendos. Tudo o que a classe média do centro não quer. Mesmo que ainda estejam zangados com o governo, entre as aventuras dos socialistas e a estabilidade da coligação, escolherão a última.
Mas as esquerdas, à esquerda do PS, retiram conclusões diferentes da experiência grega. Dirão que Tsipras foi um traidor e que se resignou às políticas “neo-liberais da zona Euro.” Desconfiam que o PS fará o mesmo se chegar ao governo. Radicalizados pela crise e absolutamente certos das suas convicções ideológicas, talvez não estejam dispostos a ser traídos pelo seu voto. Se chegarem à conclusão que não há diferença entre o PS e a coligação, a radicalização dos últimos anos tornará mais difícil o voto útil nos socialistas. Os eleitorados que Costa precisa de conquistar retiraram conclusões opostas da crise. O centro indeciso teme aventuras ideológicas e quer segurança. A extrema-esquerda redescobriu o fervor ideológico e não quer compromissos políticos, vistos como traições. A tarefa de Costa para convencer ambos a votar no PS é quase impossível. A coligação tem a vida mais facilitada. Não tem que se preocupar com ninguém à sua direita, e pode concentrar-se durante um mês no eleitorado do centro.