Depois de várias aproximações falhadas, o Governo conseguiu produzir um Orçamento que passou à tangente pela avaliação da Comissão Europeia, prometendo reduzir o défice para 2,2% do PIB com uma taxa de crescimento real de 1,8% em 2016. Mas isto não quer dizer que seja credível.

Na última semana o FMI e a Comissão Europeia reiteraram o que toda a gente já percebeu. Com as medidas que o Governo prevê não há hipótese nenhuma de geração de crescimento ou de diminuição do défice de forma sustentável. O FMI apresenta previsões de crescimento de 1,4% em 2016 e um défice de 3,2%, o que não permitiria a Portugal sair do Procedimento do Défice Excessivo. Já a Comissão Europeia prevê um crescimento de 1,6% e um défice de 3,4%. Mais, a Comissão mostrou tantas reservas ao OE que vai ter de o rever na primavera.

Mas o mais grave é que enquanto o Governo se esmifra para tentar convencer a Comissão Europeia, o BCE, o FMI, todas as agências de rating, os investidores internacionais e os portugueses de que sabe mesmo fazer contas, vai ignorando todos os avisos sobre a ausência de reformas estruturais com impacto no longo prazo.

Portugal confronta-se hoje com desafios externos e internos. Fora das nossas fronteiras descobrimos um mundo embrenhado em conflitos económicos e geopolíticos que têm poucos paralelos na história.

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O mundo enfrentou e conseguiu parcialmente superar a maior crise financeira de há 100 anos. Mas esta crise deixou sequelas que ainda não estão resolvidas. A relação entre o sistema financeiro e os Estados foi testada, nem sempre com sucesso. Após vários anos de taxas muito baixas e de crescimento mundial diminuto, o setor financeiro está fragilizado e com pouca capacidade de suportar choques. A queda dos preços do petróleo, que deveria ter tido um impacto positivo global teve dois efeitos negativos: por um lado eliminou o incentivo para diversificar as fontes de energia, particularmente o gás e o petróleo de xisto, por outro traduziu-se efetivamente numa contração monetária mundial, reduzindo o volume de “petrodólares”, isto é, a receita dos países produtores que era usada na importação de bens e serviços dos países ocidentais. A economia mundial debate-se ainda com a desaceleração da produtividade. O Conference Board estima que o crescimento da produtividade total dos fatores, que combina o aumento da eficiência e o progresso tecnológico, terá diminuído de 1,3% ao ano em 1999-2006 para 0,3% em 2007-2014.

Na UE, a resposta aos choques que a abalaram, primeiro financeiros e depois sociais e políticos, chegou invariavelmente tarde e de forma atabalhoada. A falta de flexibilidade e a incapacidade de chegar a acordos para proteger os valores que todos defendemos, apesar de ideologias diferentes, agravaram muitas vezes situações complexas, mas que à partida não eram inultrapassáveis. Um exemplo emblemático desta inação é a resposta à crise dos refugiados. A ausência de um acordo satisfatório para todos os lados está a minar os próprios princípios da UE, de mobilidade de pessoas bens e serviços, com vários países a suspenderem o acordo de Shengen. O medo relativo ao referendo no Reino Unido sobre a sua permanência na UE conduziu o Conselho a propor a uma lista de opções sobre as condições futuras da sua participação. Uma espécie de menu livre de integração que irá provavelmente incentivar outros países a largarem o menu fixo, sem que as consequências destas escolhas para a UE sejam de todo claras.

Por entre perspetivas de crescimento mundial na melhor das hipóteses moderado, na ausência de um choque de produtividade mundial, dentro de uma Europa que se está a esboroar, o Governo prepara-se para enfrentar estes desafios com políticas que isolam Portugal favorecendo os sectores não transacionáveis por entre ilusões de que o resto de mundo vai ficar à nossa espera no combate da competitividade.

Este Orçamento favorece fundamentalmente o sector da restauração e os rendimentos/hora dos funcionários públicos. Independentemente de questionar a bondade destas políticas, o que é totalmente óbvio é a ausência de uma visão de longo prazo. É um OE que desincentiva fortemente o dinamismo em sectores fundamentais para o crescimento sustentável do país. Na competitividade, é otimista nos ganhos de produtividade, prevendo um aumento de 1%, acima das previsões internacionais, mas ainda assim menor do que o aumento dos rendimentos de 2,1%, aumentando os custos unitários do trabalho acima dos principais parceiros comerciais. Aumenta o imposto sobre os produtos petrolíferos, afetando os custos das PMEs exportadores e das famílias. Na educação assiste-se a mais uma alteração da avaliação e dos programas, aumentando a imprevisibilidade e a incerteza dos alunos, dos pais e dos professores. Ficamos a aguardar que os manuais escolares sejam todos novamente substituídos em setembro, para sobrecarregar os bolsos das famílias. O impacto deste experimentalismo no conhecimento e nas capacidades futuras dos nossos jovens nem sequer é ponderado ou estudado.

Este Governo não apresenta medidas concretas que nos permitam competir num mundo global, que para mais enfrenta tantas dificuldades. Mas esforça-se imenso para afastar os investidores, voltando atrás com compromissos do Estado a nível das concessões e privatizações, revertendo várias medidas no âmbito do IRC, algumas das quais tinham sido aprovadas pelo próprio PS.

Entretanto, nas suas avaliações pós-programa, o FMI, a Comissão Europeia e o BCE alertam para os riscos de se voltar atrás nas reformas do mercado de trabalho e para o aumento significativo do salário mínimo sem qualquer compensação a nível de produtividade, que terá consequências para a empregabilidade dos menos qualificados e dos mais jovens.

Portugal precisa urgentemente de um ímpeto reformista. Infelizmente o que nos é oferecido é um regresso ao passado, só que pior, porque com mais dívida. As consequências desta inação (e até retrocesso) não são diretamente quantificáveis, mas infelizmente nós sabemos que o seu impacto será sentido sobretudo no longo prazo. E quando os nossos filhos saírem de casa daqui a 15, 20 anos e nos perguntarem porque é que têm de ser eles a pagar os custos da dívida que eles não criaram e de uma sociedade sem dinamismo nós não teremos nada para lhes responder.

Economista, deputada independente eleita pelo PSD