O que podem dizer a um trabalhador de 50 anos sobre a sua reforma? A pergunta, colocada durante o debate nas televisões, deixou Pedro Passos Coelho e António Costa atrapalhados. Na verdade, nenhum deles foi capaz de responder directamente. Foi pena. E foi pena porque algumas verdades podiam e deviam ter sido ditas.

Primeira verdade: quando se reformar, vai reformar-se mais tarde. Não me admiraria que talvez só se reformasse aos 70 anos. Ou seja, lá para 2035, daqui por 20 anos. Não deve ser preciso mudar nada na lei para que isso aconteça: a reforma Vieira da Silva, uma reforma do PS, já prevê o aumento gradual da idade da reforma em função da evolução da esperança de vida, e esta continua a subir. A não existir uma hecatombe nos sistemas de saúde, lá para 2035 a esperança de vida dos portugueses já não deverá andar longe da que, automaticamente e via “factor de sustentabilidade”, colocará a idade da reforma muito perto 70 anos.

Segunda verdade: quando se reformar, a sua reforma será proporcionalmente menor do que a que hoje recebem os que se estão a reformar ou já se reformaram. De novo uma consequência de uma reforma socialista, a de Paulo Pedroso em 2001, confirmada em 2007. De acordo com as estimativas da União Europeia, em 2013, com as pensões congeladas e outras medidas de contenção, a primeira pensão correspondia em média a 57,5% do último salário; em 2035, não havendo mais nenhuma reforma do sistema, corresponderá a 38,8% (página 362 do The2015
Ageing Report). Exactamente, leu bem: como todas as mudanças dos últimos anos (2001 e 2007) não tocaram nas pensões em pagamento e tocaram pouco nas pensões em formação, sobretudo dos mais velhos (o voto dos reformados ou quase reformados sempre meteu muito medo aos decisores políticos), o ónus da sustentabilidade foi sendo transferido para as gerações futuras (sendo que, como veremos adiante, essa sustentabilidade continua a ser uma quimera). São quase menos 20 pontos percentuais. Em termos relativos, é um corte de quase um terço relativamente à forma como se calcula a pensão dos que se estão a reformar hoje.

Face a estas duas verdades é natural que tanto Pedro Passos Coelho como António Costa tenham embatucado. Ninguém gosta de dar más notícias. Mais: no caso concreto de Costa, as suas notícias seriam ainda piores: em 2035 já se estará a pagar o “empréstimo” do prometido corte na TSU. Ao menos nisso o PS foi claro, pois não anunciou almoços grátis: ao baixar a TSU dos trabalhadores “para estimular o consumo”, os socialistas criam um défice no sistema que terá de ser pago mais adiante, neste caso, diminuindo as pensões futuras. Infelizmente não há contas de como isso se traduziria na pensão de quem tenha hoje 50 anos.

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Mas não ficamos por aqui. Tudo o que atrás fui escrevendo parte do princípio que entretanto não fazemos mais nenhuma reforma da segurança social, e nisso eu não acredito. Por uma razão simples: sem nenhuma reforma, o sistema não é sustentável no longo prazo.

Basta pensar no seguinte – e agora socorro-me da Avaliação Actuarial do Sistema Previdencial da Segurança Social, um documento do Gabinete de Estudos do nosso Ministério da Segurança Social: hoje, 2015, este sistema suporta o pagamento de 2,75 milhões de pensões; em 2035 deverá suportar cerca de 3,5 milhões. É uma evolução que não surpreende, pois decorre directamente da nossa demografia. Mas há mais: em 2015 o peso só deste tipo de pensões no PIB é de 6,71%; em 2035 deverá andar na casa dos 8,75%. São mais dois pontos percentuais do PIB. De onde virá esse dinheiro se nada mudar até lá?

Continuando a seguir o mesmo documento, verificamos que a evolução das pensões e das outras prestações da segurança social apenas do sistema previdencial (a que deve ser suportada pelos descontos dos trabalhadores e das empresas), passaria de um défice de uns 900 milhões em 2015 para qualquer coisa na casa dos 4,8 mil milhões em 2035.

Quem paga? A TSU, que em vez de baixar aumentaria? Outros impostos, como propõe o PS modestamente e o resto da esquerda imoderadamente? Não sabemos, só sabemos que em 20 anos muito coisa mudará – muita coisa terá de mudar. Tal como sabemos (basta ler estes dois relatórios) que estas projecções se baseiam em taxas de crescimento da economia e níveis de desemprego inferiores à média dos últimos 15 ou mesmo 20 anos. Se elas não se materializarem tudo será ainda mais difícil e mais desequilibrado.

(Só a título quase anedótico e para que entendamos o que nos prometem certos políticos. Em 2001, o ministro de então, Paulo Pedroso, escrevia no Público que “com estas medidas e usando o Fundo de Reserva, não haverá défice do subsistema previdencial antes de 2035 – quando em 1998 se previa que ele ocorresse em 2013”. Em 2007 o seu colega de partido Vieira da Silva fez nova reforma, esta sim mais a sério, e mesmo assim o défice em 2013 do sistema previdencial foi de 1,4 mil milhões de euros…)

Até hoje, em todas as reformas que foram feitas, o princípio foi não tocar nas reformas em pagamento. Nos anos da troika o Governo tentou fazê-lo, mas o Tribunal Constitucional nunca deixou. Como vai ser no futuro? O que as projecções mostram, tanto as da Comissão Europeia como as realizadas em Portugal, é que esta opção coloca todo o ónus nas gerações futuras, que vão descontar mais para receber menos. É essa a ideia de “confiança” dos juízes constitucionais e essa também a ideia de “confiança” que António Costa defendeu no debate com Pedro Passos Coelho. Eu, que já tenho 58 anos, suspeito que as gerações mais novas são capazes de achar muito injusta esta “confiança”, e que talvez acreditassem mais no sistema se este não lhes reservasse apenas ossos para roer no momento em que for a vez de eles se reformarem. Mais: a percepção de que o actual sistema é desequilibrado e injusto não é grande estímulo para que cumpram as suas obrigações sem hesitações.

É neste quadro geral que devíamos estar a discutir o “plafonamento horizontal” proposto pela coligação e o dito “plafonamento vertical” proposto pelo PS. Ambos retirariam dinheiro ao sistema previdencial no curto prazo, se bem que de forma diferente, sendo que ambos prometem devolvê-lo mais tarde. Por isso estas propostas exigem uma análise prudente e não a demagogia que tem dominado o debate público. (Para mais informação sobre a situação actual e as propostas dos partidos, vale a pena ler o Especial do Observador.)

Num artigo recente, Margarida Corrêa de Aguiar  sintetizava em poucas frases as consequências de factos tão duros como os que expus – factos que ninguém quer assumir em campanha eleitoral, como bem vimos no debate. Recordemos alguns dos seus pontos:

  • “As contribuições não são suficientes para fazer face, no médio e longo prazo, às despesas com as pensões prometidas”;
  • “A iniquidade intra e entre gerações está na base da perda de confiança no sistema de pensões. A desconfiança que está instalada é legítima.”
  • “As alterações dos últimos anos “não só não resolveram os desequilíbrios financeiros de longo prazo, como aprofundaram as iniquidades intergeracionais”;
  • E, por fim, “as gerações mais novas deixaram de acreditar que valha a pena fazer contribuições, duvidam, (até têm certezas!), que o sistema lhes venha a pagar uma pensão (…) e temem que lhes seja exigido mais esforço contributivo”.

Sem discutir aqui as propostas concretas que Margarida Corrêa de Aguiar adianta no mesmo artigo, há algo de que estou seguro: não foi, não é nem será possível reformar o sistema sem que a coligação se entenda com o PS, ou o PS com a coligação. E sem negociar com os parceiros sociais. Isso já foi feito noutros países, encontraram-se mecanismos capazes de se adaptarem melhor a necessidades semelhantes, e mesmo em países ricos, como a Suécia, admitiu-se que há situações em que se podem justificar os cortes que em Portugal foram, digamos assim, “constitucionalmente proibidos”.

Pessoalmente, pela minha idade, tenho mais a perder do que a ganhar com fórmulas mais equitativas e mais de acordo com um verdadeiro “contrato social” entre gerações. Mas defendo-as.

Por isso, caro eleitor de 50 anos: as notícias que os líderes têm para si não eram boas, mas as que têm para os eleitores de 30 anos ainda seriam piores. E desconfie sobretudo de quem anda por aí a dizer que nenhum corte será necessário, sem lhe dizer onde vai buscar o dinheiro que já fará falta em 2016, os famosos 600 milhões, sem sobretudo lhe dizer que milagre nos permitirá encontrar a imensa quantidade de dinheiro que, mesmo com estas regras injustas, será necessário nas próximas décadas.

Por isso acabo com um número, retirado dos cálculos da Avaliação Actuarial já citada: hoje, entre trabalhadores e empregadores, desconta-se 33,75% para a Segurança Social; em 2035 ter-se-ia de descontar uns 41,5% para manter o sistema equilibrado. Acham possível? Acham que a economia resistiria? E que os trabalhadores no activo continuariam a descontar sem tugir nem mugir? Eu não acho. É por isso que não suporto as omissões e os silêncios neste debate – e ainda suporto menos a demagogia de garantir tudo quando nada está garantido.