1. Esta coisa da “culpa” atirada aos quatro ventos é o quê? Uma opção? Um gosto? Um chiste revisteiro? Um tique? Um desequilíbrio? Uma defesa, certamente, não há melhor defesa que o ataque, compro a defesa. Mas como porém o coro socialista-radical nunca desafina no mote, da “culpa”, interrogo-me sobre que genes serão estes ao serviço da obsessão de acusar o governo anterior, de tudo e de nada, por nada e por tudo, ao ponto de raiar todas as inverosimilhanças.

Se não fosse revelador era apenas monocórdico, desligava-se o ouvido mas não: a obsessão com a “culpa” dos antecessores na sua intencional prática do mal (é isto que a toda a hora apregoam, normalmente aos gritos)) revela algo de temível: estamos a ser salvos! António Costa, os seus aliados com prazo de validade (como os iogurtes) e o seu modesto governo estão heroicamente a redimir-nos do “empobrecimento” (quem pagará a diferença?), da “tirania “de Bruxelas, do “servilismo” face à Alemanha.

Chegaram tarde (acham eles) para os estragos que disseram encontrar, mas mais vale tarde que nunca, ei-los hoje gloriosos e gloriosamente resolutos a devolver-nos a felicidade perdida: começou com os “R” e mais parecia — e era — uma campanha: recusar, reverter, riscar, renegar em absoluto o que vinha do inferno da coligação para depois repor ou reconduzir o país para o céu. Com frases grandiloquentes, promessas irresponsáveis e um logro travestido na benesse de mais meia dúzia de euros ao fim do mês. Tudo isto, bem entendido, feito, em prol da nossa felicidade.

Do lado do futuro, o Governo orgulha-se das suas contas que nos irão transformar a vida num mar de rosas. Tanto que os recentes avisos de Mario Draghi “não eram para Portugal”, como assegurou o primeiro-ministro sem saber do que falava. Nalgumas das contas socialistas, dois e dois são sempre cinco (uma espécie de proeza de que têm o talento e o segredo); outras, estão assentes numa certeza errada: a de que o aumento do consumo que nunca se verificou, seria, caso ocorresse, a varinha mágica para o resto, crescimento à cabeça, estamos lembrados desse grande mandamento ficcional.

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O resultado é não haver nenhum resultado: nenhum bom índice, bom algarismo, boa surpresa, boa solução, boa resolução. Será por isso que há tão maus modos e más maneiras nesta coligação tão estimada pelo “media”?

2. Nunca se insultou tanto, nunca se gritou assim, nunca se desferiram ataques tão soezes.(Também nunca se riu desta forma, permanecendo um mistério a justificação de tal riso) A exaltação mal criada está na ordem do dia, o insulto e a grosseria também. Ando há cinquenta anos nisto (não, felizmente não nasci para a vida no dia 25 de Abril, o país já era gente antes disso), ando há meio século a “observar” e não me ocorre época de tão boa colheita para o insulto como hoje. Insulto pessoal, ad hominem, rasca, falso, acusações sem fundamento mas com verrina. Trata-se de deixar um estigma no insultado, uma espécie de “censura socialista”, assim o marginalizando, expulsando, da “cidadania” e remetendo-o para o acanhado reduto permitido pela esquerda, à direita. Cada vez mais pequeno, cada vez com menos oxigénio.

Nunca como agora houve esta sensação concreta, real, precisa, gelada de que o grupo radical no poder pode ser perigoso: muito mais do que vir a desconjuntar economicamente o país, está a caminho de subverter valores perenes e minar os pilares da sociedade democrática que somos, a que nos habituamos e onde achamos “normal” pertencer. Assim avulso (intencionalmente avulso e de natureza propositadamente diversa) vejam-se os exemplos do que sucedeu com:

  1. O Colégio Militar, com a demissão do Chefe do Estado Maior do Exército, logo velozmente aceite por quem deveria ter feito exactamente o contrário mas temeu consequências e fugiu de chatices;
  2. A ofensiva contra o ensino particular – sim, visando também a Igreja, sim – impedindo a livre escolha dos pais para os seus filhos. Uma livre escolha que nos foi apresentada como um trunfo do Governo no caso dos hospitais e vetada no caso da escolas e não querem que achemos que quem manda, pensa, escolhe e decide (e vence) é Mário Nogueira, a CGTP e o PCP e não aquele pobre titular da pasta, desgarrado da realidade e servo dos sindicatos?;
  3. A sobranceria, permanente, audível, visível, uma arrogância de “dono”, no tom incriminatório e por isso insuportável usado para com o jornalista Rodrigues dos Santos por se ter atrevido a expor e explicar uma determinada situação, no uso legitimo da sua profissão;
  4. O avassalador triunfo do politicamente correcto, tentando igualar cães a pessoas em prol de estranhíssimos “direitos” ou alterar denominações confrangedoramente inócuas de tão banais como o “cartão do cidadão” para não sei o quê. Em nome da questão do “género” guindada a ponto fulcral e vital na organização da sociedade do tempo novo.

Apre. Mas quem contrariar esta demencial caminhada, quem ousar sequer estranhá-la, é expeditamente a) insultado; b) atirado para um buraco infecto; c) acusado de praticar “ismos” visto pelos radicais como tóxicos – conceitos aliás misturados sem ordem nem senso e brandidos com uma superficialidade que brada aos céus: ora liberalismo, ora anti-liberalismo, ora ultra-liberalismo, ora reacionarismo, ora anti-estatismo, ora cristianismo, ora conservadorismo, ora “igrejismo”. Coisas assim.

Mas, aviso às navegações, os fios da rede estão a apertar.

3. A Conferência Anual do Turismo promovida pela delegação regional da Ordem dos Economistas da Madeira transformou-se indiscutivelmente numa marca. Deixo registo dela, não apenas porque lá fui mas por se tratar de um fórum que manteve ao longo dos anos, uma qualidade e uma capacidade de convocação e intervenção intactas. A Conferência ganhou asas por mérito próprio, mercê da iniciativa do seu inventor e mentor, Eduardo de Jesus, ex-presidente da Ordem Regional e actual “ministro” da Economia Turismo e Cultura e Turismo do arquipélago. Funcionou muitos anos como uma espécie de solitário pulmão, fornecedor de ar menos contaminado por um “jardinismo” já exausto, um espaço aberto e atento ao pulsar de “outra “Madeira que existia nos bastidores da longa governação Jardim. No palco estiveram sempre, na ultima década, oradores regionais, nacionais e internacionais de primeiro plano, na plateia sentou-se o melhor da ilha, e por vezes do país, economistas, empresários, professores, estudantes. Um encontro que anualmente solta boas ideias, propõe iniciativas e deixa memória.

“Apanhamos sempre muita coisa nestas Conferências”, diria Miguel Albuquerque na abertura do encontro deste ano. Pude aliás observar como o Presidente do Governo regional se mantém aparentemente em forma, enérgico, positivo, intenso, falando sem papel (não é para todos mas é sempre outra coisa), expondo lucidamente as duas faces da moeda turística: os melhores resultados de sempre, obtidos em 2015 nas ilhas que governa, versus as desvantagens dessa imensa vantagem.

Este ano, o tema – excelente – eram “as pessoas”, no caso, a relação do turismo com elas, pano para (boas) mangas. Foi um prazer “ouvir “o brilho veloz de Adolfo Mesquita Nunes, atender à apresentação e ao humor (pouco português) de Luís Araújo, Presidente do Turismo de Portugal, observar a pertinência certeira da análise (e das críticas) de André Barreto, presidente da delegação regional da Ordem dos Economistas. Faltou Manuel Caldeira Cabral, anunciado para “fechar” o dia e a Conferência. (Uma pena: ter-lhe ia perguntado por esta obsessão da “culpa” atirada ao ar do país pelos seus amigos socialistas; talvez ele, comedido e educado como é, me pudesse ter esclarecido). Houve muitos outros oradores, ligando “turismo” às “pessoas”, mas apesar de esta reunião ter já um papel na história da ilha, houve mais vida na Madeira para além dela.

4. Fiquei por exemplo ao corrente de duas iniciativas culturais dignas de aplauso e registo, assinadas por Francisco Clode, director do Serviço de Museus e Património Cultural da Região. É que quando se vê um Estado com bons propósitos e a promover iniciativas tão úteis quanto originais, há que olhar para lá… e descobrir quem as teve, foi o que fiz: Francisco Clode resolveu acordar o “seu” património adormecido, abrindo em vários locais da ilha algumas belíssimas capelas habitualmente fechadas, convidando depois os madeirenses a descobrir os tesouros escondidos. “Capelas ao Luar”, um ciclo nocturno de sete visitas guiadas pelo próprio Clode, é embalado pela música clássica tocada in loco, sob as estrelas do tão estrelado céu madeirense. Gostaria de as poder ver todas, capelas e estrelas, talvez um dia.

E há também a série “Dar a Ver” porque como se sabe — e Francisco Clode sabe-o bem — há por vezes que ensinar ou cultivar ou apurar o olhar para que ele “veja”. É o que estão a fazer historiadores — de dentro ou de fora –conservadores de museus, professores de arte. Um regalo ou, melhor, um Estado bem servido e a servir bem.

5. E agora o Benfica claro, um frenesim no Funchal, os dias de sexta e sábado pendurados numa aflição, a contas com as catastróficas (e nunca verificadas) previsões atmosféricas. Que seria do crucial jogo dos encarnados com o madeirense Marítimo? Jogo adiado? E os charters aprazados para aterrar no Funchal, e os trinta voos previstos? E a excitação da plateia benfiquista já de bilhete comprado? Um desassossego que só amainou de facto quando o Benfica aterrou, uma festa. E, como Deus não dorme, a festa aconteceu no marcador e, calculo eu, acho que ainda dura à hora a que o caro leitor (ai a Catarina) me está a ler. E, se for do Benfica como eu, não esquecerá a concentração ansiosa de Talisca antes de marcar o livre, o olhar de fera avaliando a presa, a inclinação do seu corpo prestes a saltar sobre ela, tudo por tudo, tem de ser golo, foi golo. Há instantes únicos e é um milagre estar vivo para os testemunhar. E depois, agradecê-los a Deus.

PS: Há momentos de quase impossível tradução em palavras. Mesmo para quem quase só lida com elas. A notícia da morte de Carlos Pontes Leça apanhou-me fora, sem poder ir ter com ele mesmo que ele já não estivesse, mas apanhou-me sobretudo desmunida face a uma tristeza pontiaguda, vazia de palavras. Não há verbo que alcance o voo daquela alma de cristal nem adjectivos que definam uma certa forma de beleza, uma certa forma de pureza. Era um esteta que gostava da harmonia e a praticava e transmitia, talvez não tenha feito outra coisa. E se há palavras, eu pelo menos não as acho. Não faz mal, ele sabe que entre os seres há sintonias e veios que nunca podem ser capturados pelas palavras.