O ano de 2017 ficou marcado por seis eleições importantes na Europa: as legislativas na Holanda, em março; as três eleições francesas, duas voltas presidenciais e parlamentares, respetivamente em abril, maio e junho; o escrutínio parlamentar no Reino Unido, também em junho; as eleições legislativas austríacas em outubro, com resultados preocupantes, mas abafados pelas eleições federais alemãs, uma semana depois. Finalmente, as eleições regionais na Catalunha em dezembro – que pretendiam acabar com o impasse do referendo menos-que-vinculativo de outubro – mas que deixaram as coisas mais ou menos na mesma.

Ora, todas estas idas às urnas (a que se podem somar outras tantas no ano anterior) revelam um conjunto de tendências que desconfio que se repetirão em 2018, e que demonstram uma profunda mudança social, identitária e política no velho continente.

Destes, destacam-se cinco elementos: (1) profundas divisões sociais; (2) o crescimento exponencial de movimentos populistas; (3) o aparecimento de partidos políticos centristas (uns com um pendor mais para a direita, outros com um pendor mais para a esquerda) que vão paulatinamente tomando o lugar das forças tradicionais político-partidárias, especialmente à custa da esquerda moderada; (4) resultados eleitorais que têm uma de duas consequências: ou a rutura com o passado, ou impasses morosos na formação de governos (e a necessidade eventual de repetir as eleições); e (5) uma União Europeia a fazer mais do mesmo: a fugir para a frente perante um cenário de desmoronamento das suas próprias instituições – quer no sentido ideológico, quer no sentido empírico do termo, usando ou as mesmas formulas de sempre (mais integração, mais integração, mais integração) ou encontrando caminhos novos – e eventualmente perigosos – para questões que pediam exatamente o contrário: que se refletisse, que se encontrassem novos mínimos denominadores comuns, ou até que se retrocedesse o suficiente para depois podem voltar a avançar.

O primeiro elemento – as profundas divisões sociais – partem a maioria das sociedades europeias em três. Uma parte mantém-se fiel aos partidos tradicionais, ainda que se exijam reformas, uma outra prefere partidos extremistas, que partilham princípios de euroceticismo, antiglobalização, e nacionalismo, sendo que a maioria destes partidos se legitima através um sentimento de anti-imigração contextualizado pela ideia de que os “não nativos” são a origem de todos os problemas sociais: da criminalidade, do desemprego, da falta de providência do estado, que falha cada vez mais. Se estes sentimentos já existiam em alguns destes países (especialmente aqueles em que o fluxo de imigrantes é maior e a integração mais difícil) agravou-se profundamente com a crise de refugiados que tem assolado a europa nos últimos anos.

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Daí o crescimento do segundo elemento – o populismo – que também é, na realidade, tripartido. O nativo trabalhador contra, por um lado, as elites corruptas, por outro o “Outro” que lhe desbarata a vida estável e segura. Ainda que nenhum partido populista-extremista tenha ganho as eleições, muitos transformaram-se na segunda força política mais votada nos respetivos países. É o caso do PPV de Geert Wilders, na Holanda; do AfD, na Alemanha (que causa especial preocupação interna e externamente por razões óbvias de memória histórica), do FPO que se tornou parte do governo austríaco,liderado pelo OVP do jovem Sebastian Kurz. Isto significa que estes partidos passam a ter influência direta nas agendas políticas dos estados.

Há mais exemplos. Mas também importa referir o aparecimento de novos movimentos políticos – como o En Marche! em França ou o Cuidadanos em Espanha – que se transformaram agentes principais do poder político. O exemplo mais óbvio é Emmanuel Macron, o presidente francês, mas importa lembrar que a jovem Inés Arrimadas também ganhou as regionais da Catalunha. Estes movimentos declaram ser “centristas” e as suas agendas têm muito de tradicional, menos os longos currículos políticos, estão, portanto a salvo de escândalos e perceções (umas mais justas que outras) que perseguem os políticos com longas carreiras.

E por falar em partidos tradicionais, a Alemanha é o exemplo de como cada vez se torna mais difícil governar com coligações de dois ou três partidos, alianças essas que asseguraram a estabilidade europeia dos últimos anos. As razões deste quarto elemento estão relacionadas com as anteriores: os partidos do centro deixaram de se distinguir uns dos outros aos olhos do eleitorado, cada vez mais sedento de alternativas. Estas quatro novas características no quadro contextual europeu mostram uma e a mesma coisa, da qual não há como (nem porquê) fugir: um enorme cansaço das populações relativamente às elites políticas tradicionais que foram desiludindo, pelas mais diversas razões, aqueles que governavam. Daí que a ideia de devolução do poder ao povo – mais coisas, menos coisa o slogan populista que esconde numa mensagem simples e apelativa agendas radicalmente perigosas – tenha cada vez mais apoiantes entre votantes que não subscreveriam diretamente as suas doutrinas, mas anseiam pela paz social e o bem-estar económico que a Europa lhe ofereceu no passado.

Enquanto isso, a União Europeia foge para a frente – um exemplo é o facto de, no meio de todas estas questões de tão difícil resolução, a Comissão pondere punir a Polónia pelas suas violações do estado de direito. Enquanto todas as atuais ou candidatas a grandes potências preferem o nacionalismo a qualquer outra forma de pensamento, independentemente do tipo de regime (Estados Unidos, China, Índia, Rússia), a Europa cada vez mais isolada do ponto de vista do liberalismo, e cada vez parece menos claro qual o caminho a tomar no que respeita aos seus regimes internos. Ou seja, como diz uma analista da National Interest “o que foram um dia as franjas são agora o mainstream, o que foi no passado detestável, tornou-se o nosso dia-a-dia”. Como lidar com esta situação? Talvez seja esse o problema. Cada vez mais analistas concordam que os padrões das últimas décadas estão esgotados. Que é preciso reformar alguma coisa de muito fundamental para que a União Europeia tenha futuro. Só ainda ninguém parece saber o quê.