Manuela Ferreira Leite não acredita que a descida da taxa de desemprego esteja relacionada com as políticas do Governo. A desconfiança não é inédita e os argumentos são vários: o desemprego cai porque há emigração; o desemprego cai porque há desempregados que desistem de procurar emprego; o desemprego cai mas os novos empregos são de curta duração. Será assim? Não é, como se verifica com um simples olhar para os dados.
De acordo com o INE (consultar aqui), a taxa de desemprego (no 3.º trimestre de 2014) é de 13,1%, ou seja 689 mil pessoas, tendo diminuído 5,5% (40 mil pessoas) face ao último trimestre e 2,4% face ao trimestre homólogo (3.º trimestre de 2013). Na verdade, depois de cerca de dois anos a crescer, o desemprego tem vindo a cair sucessivamente nos últimos seis trimestres. O que explica essa queda?
Não é a emigração. Se fosse, a queda do desemprego verificar-se-ia em função do desaparecimento estatístico de desempregados (porque saíram do país) e não, como acontece, em função da criação de emprego. De facto, em relação ao trimestre anterior, a população empregada aumentou 1,1% (50 mil pessoas). E se tivermos em conta a taxa de variação homóloga, a criação de emprego tem sido uma constante nos últimos quatro trimestres.
Não é também a desistência em procurar emprego que explica a queda da taxa de desemprego. É que não há variações significativas na população inactiva disponível: na comparação homóloga, até diminuíram (-0,7%) os portugueses desempregados que tinham desistido de procurar emprego, embora face ao trimestre anterior se verifique um aumento (17,8%). De resto, a desistência de alguns desempregados é, em média, compensada pelo regresso de outros à procura de emprego.
Por fim, também não há indicadores que sustentem que os empregos criados sejam precários e de curta duração. Pelo contrário. Comparando com o período homólogo, aumentou o número de trabalhadores a tempo completo (3,3%), e diminuiu a população empregada a tempo parcial (-5%), assim como o subemprego a tempo parcial diminuiu 9,4%. Não há, portanto, aumento de trabalho precário.
Claro que isto não quer dizer que a emigração ou as desistências dos desempregados não têm qualquer efeito nas taxas de desemprego. Significa apenas que nenhum desses fenómenos é a causa da queda do desemprego. Ou seja, Manuela Ferreira Leite não tem razão: o desemprego está mesmo a diminuir e, inevitavelmente, isso deve-se ao desempenho da nossa economia. Não é truque ou artimanha. É a realidade.
Manuela Ferreira Leite não é caso único. Veja-se Pacheco Pereira, Bagão Félix, Mira Amaral, António Capucho, Freitas do Amaral. Todos são críticos ferozes do Governo. Todos são personalidades de primeira linha da história do PSD e CDS. Todos usam desse estatuto para emprestarem uma credibilidade reforçada às críticas que apontam ao Governo – é sempre mais convincente quando é a direita a bater na direita. E todos são ouvidos porque dizem exactamente o que as pessoas querem ouvir – que tudo correu mal, que as metas vão falhar, que o desemprego real não baixou. E, ao dizerem-no, legitimam essa opinião, por mais que, por vezes, ela esteja errada.
Um debate público construído de argumentos de autoridade só pode promover a irracionalidade. É aí que estamos e é mais ou menos isso que nos espera no ano que antecede as legislativas. Nada disso é novo.
A novidade é que Ferreira Leite, que em 2009 tanto se orgulhou de defender a verdade sobre a popularidade, é agora uma das vozes que preenche o debate público de imprecisões. Em boa verdade, conseguiu ser popular – até o PS a cita nos debates parlamentares. Mas, também em boa verdade, é cada vez menos o que separa os seus comentários televisivos dos de Sócrates. E isso só pode ser visto como uma derrota.