Há desmotivadores profissionais por toda a parte. Gente que vive para desencorajar, para desanimar, para levar o outro ao tapete. Pessoas mais apostadas em buscar e amplificar os problemas do que em resovê-los. Criaturas que se realizam exigindo muito mais dos outros do que de si próprias. Homens e mulheres que poluem o ambiente, carregando-o de nuvens escuras que ensombram o ar. Profissionais sistemática e militantemente satisfeitos com o erro alheio, a falha do chefe, a imperfeição do par.
O mundo das organizações, então, é um laboratório social fascinante. Passa-se lá de tudo, conhecemos colegas incríveis e vivemos do pior ao melhor, por vezes no mesmo dia. Os bons líderes e os bons pares também abundam, felizmente, e em todas as hierarquias, de todas as empresas, podemos sempre encontrar motivos de inspiração, exemplos de abertura e testemunhos iluminantes. O problema não são estes. O drama são os outros, os que minam a confiança e pulverizam a motivação.
Porquê ajudar um colega? E para quê, se isso até me pode vir a prejudicar? Eis duas questões que parecem atravessar os desmotivadores profissionais. Porque é que tenho que ser eu a valorizar as conquistas, se isso pode apagar ou esconder o meu valor? Esta pode ser outra questão, não necessariamente formulada desta maneira, mas intrínseca nos que jamais dão um passo ou esboçam um gesto para elogiar ou enaltecer alguém que cumpra e brilhe no seu perímetro profissional. Realmente a pergunta faz sentido: porquê e para quê? Aparentemente para nada. Realmente para tudo.
Dar feedback sobre atitudes e palavras, sublinhar conquistas e estratégias profissionais é absolutamente vital numa organização. Não se trata de andarmos constantemente às palmadinhas nas costas uns dos outros e, muito menos, de percorrermos os corredores e salas em busca de louvores. Fishing for compliments (hoje em dia também temos o modo fishing for likes) não é nem nunca foi o procedimento mais correcto. Na esmagadora maioria dos casos resulta até muito desajustado, para dizer o mínimo. Trata-se de prestar atenção a questões absolutamente vitais e decisivas. Falo da motivação e da auto-motivação. Uma e outra adquirem-se, treinam-se e multiplicam-se, mas também se perdem. É preciso não esquecer que a conjugação destas matérias tanto se faz na positiva como na negativa. E é tão fácil desmotivar alguém. Diria mesmo que é infinitamente mais fácil do que encorajar, motivar e cultivar relações resgatadoras.
Todos já fomos vítimas de maus feedbacks e todos sabemos como podem ser destrutivos. E humilhantes, quando nos expõem nas nossas fraquezas. Acontece que o feedback é a ferramenta mais potente para calibrar as relações humanas, não há outra mais poderosa. O problema é que nem todas as pessoas sabem que dar feedback não é dizer tudo aquilo que temos para dizer, independentemente de saber se o outro está capaz de ouvir. E se está na sua mão mudar aquilo que gostaríamos que mudasse.
Vivemos na ilusão de que sermos francos e directos é que é, no sentido de nos acharmos no direito de podermos dizer as últimas a todos os que nos desagradam ou agem contra as nossas expectativas. Muita gente acha que ser verdadeiro é dizer absolutamente tudo e não guardar rigorosamente nada, esteja quem estiver. Nada mais demolidor.
Ninguém muda por decreto e muito menos depois de ter sido exposto nas suas falhas perante terceiros. Somos máquinas de reagir, e é por sermos tão reactivos, que vivemos ao ataque. Bates, mas levas! Somos todos iguais, mas ninguém acredita que este seja o método mais eficaz de evoluir e obter resultados. Diria mesmo que no mundo do trabalho a eficácia é nula. Zero ou abaixo de zero.
Motivar os outros passa por saber dar um feedback construtivo. Não necessariamente elogioso, note-se. Construtivo, por oposição a destrutivo. Resgatador, que é exactamente o contrário de devastador. Uma vez aqui chegados, importa sublinhar que os desmotivadores militantes são completamente cépticos no que diz respeito a matérias desta natureza. Não acreditam em nada, acham tudo uma treta e continuam olimpicamente a dar cabo dos outros, independentemente de saberem se chegam onde gostariam de chegar. A boa notícia é que estes podem dar cabo da vida de muita gente, durante muito tempo, mas nunca conseguirão dar cabo de toda a gente, durante todo o tempo.
Um feedback construtivo não ajuda apenas a superar a falha do momento ou a minimizar um erro pontual. Vai muito mais longe, na medida em que cria um novo patamar de confiança. É na confiança que tudo se joga, mas os desmotivadores profissionais também sabem isso. E é por isso mesmo que conjugam tudo isto no negativo, minando sistematicamente a confiança alheia. Atacam os pontos vulneráveis, sublinham imperfeições e exibem contradições. Muitas vezes calam, pura e simplesmente, quando podiam falar e, com as suas palavras, salvar os que correm o risco de afundar.
Viver ou trabalhar diariamente rodeados desta casta de gente é brutalmente erosivo. Daí que a auto-motivação seja provavelmente a atitude-chave, mas claro que não é fácil encontrar argumentos internos quando à nossa volta gravitam pessoas mais apostadas em identificar as nossas fraquezas do que em valorizar as nossas forças. Em demasiadas empresas há funcionários a queixarem-se recorrentemente de que só têm as atenções do chefe quando falham um prazo ou não conseguem cumprir as expectativas da hierarquia. Acontece com muita frequência, de facto. Mas é importante saber que um chefe ou um par podem minar tudo, menos o sentido que damos àquilo que fazemos. Esta é a única reserva onde um desmotivador profissional não entra.
E é por haver sempre a reserva da auto-motivação, que nasce precisamente do sentido que damos ao que fazemos (bem como da convicção com que o fazemos), que existem em todas as organizações pessoas extraordinariamente interpeladoras por serem capazes de cumprir escrupulosamente a sua função, independentemente do reconhecimento dos chefes e dos pares. Até mesmo independentemente do ordenado ao fim do mês.
Sei do que falo, porque atravesso (atravessamos todos) muitas realidades e em todas encontro pessoas que dão um tal sentido à sua função, que são capazes de ocupar a última linha da hierarquia mas fazer o seu trabalho como se fossem os verdadeiros líderes da organização. Acontece com frequência na realidade hospitalar, por exemplo, quando os auxiliares de acção médica, agora conhecidos por assistentes operacionais (os últimos na hierarquia) dão testemunho iluminante da sua acção e cuidam da escatologia dos doentes como se estivessem a cuidar das suas rosas, no seu jardim. E acontece também na Academia, sempre que professores e alunos saem, deixando para trás as salas de aula viradas do avesso e entram as senhoras da limpeza ainda capazes de um sorriso, como se fossem receber um prémio ao fim de cada dia. E acontece em todo o lado, nas primeiras, segundas, terceiras e últimas linhas das empresas, sempre que alguém revela paixão pelo que faz, independentemente do que ganha e do reconhecimento do chefe ou do par. A isto chama-se auto-motivação, que é dar sentido àquilo que se faz. Pode não ser fácil, mas também não é impossível. E dá imunidade a quem precisa de se defender de um desmotivador profissional.