Tivemos na noite da passada quinta-feira mais um bárbaro atentado contra civis inocentes e desarmados em França. É mais um atentado reclamado pelo chamado Estado Islâmico. As democracias ocidentais reagiram prontamente, manifestando total solidariedade com as famílias das vítimas e com a democracia francesa. Mas, a seguir, ocorreram as tristemente habituais confusões politicamente correctas — à esquerda, sobretudo, mas também à direita.
Foi dito, em regra à esquerda, que o terrorista neste caso não era um activista islâmico, mas apenas um dos muitos excluídos da oligarquia capitalista reinante em França e no Ocidente. E que era preciso evitar a “exploração” do atentado para exacerbar a oposição entre “nós e os outros”. À direita, em contrapartida, houve “argumentos” de que tudo isto é produto da democracia e da tolerância para com modos de vida diferentes.
Ambas as reacções revelam uma débil cultura política e um débil conhecimento sobre a tradição política ocidental. Esta debilidade é hoje um problema de fundo no Ocidente, que levaria muito tempo e espaço a analisar — sendo, no entanto, uma óbvia razão a de que a tradição ocidental deixou de ser estudada e discutida na maior parte das escolas e universidades. Mas, deixando agora de lado esse tema maior, talvez seja possível recordar apenas alguns argumentos sobre o tema específico em apreço.
Em primeiro lugar, convém recordar — como recordou em Editorial o Telegraph de Londres — o que disse em 2014 um tal Abu Mohammad al-Adnani, porta-voz oficial do chamado Estado Islâmico. Ele instruiu os apoiantes a matar os infiéis de todas as maneiras possíveis: “Esmaguem-lhe a cabeça com uma pedra, ou cortem-no com uma faca, ou atropelem-no com um carro”.
Esta é a doutrina oficial do chamado Estado Islâmico. Significa isto que esta é a doutrina de todos os muçulmanos, ou dos muçulmanos residentes no Ocidente? Obviamente que não. Mas esta é precisamente uma razão adicional para que as comunidades muçulmanas devam condenar publicamente, firmemente, a mensagem terrorista do alegado Estado Islâmico. Mais do que isso, as comunidades muçulmanas têm o dever de colaborar activamente com as forças da lei na denúncia dos terroristas que se escondem no seu interior.
Esta exigência deve também poder ser livremente expressa na praça pública — por muçulmanos e por não-muçulmanos. E isto nada tem a ver com xenofobia entre “nós e os outros”. A liberdade ocidental sempre se fundou na aceitação de modos de vida diferentes — desde que estes aceitassem as regras gerais da lei que garantem e protegem essa liberdade. Como Karl Popper costumava repetir, a tolerância não pode tolerar a intolerância, sob pena de se auto-destruir.
Por outras palavras, a democracia liberal não pode tolerar incitamentos directos à violência no seu interior. Isso mesmo foi claramente expresso por John Stuart Mill no seu célebre ensaio “Sobre a Liberdade”, de 1859. Na época, o exemplo de Mill era profundamente ingénuo, comparado com os apelos ao terrorismo de hoje. Ele simplesmente argumentou que a liberdade mais extensa, que ele defendia, não podia incluir a liberdade de gritar “Fogo” num teatro apinhado de gente (quando não havia fogo). Por maioria de razão, obviamente, a liberdade ocidental não pode tolerar apelos terroristas ao assassinato de quem quer que seja.
Devemos culpar a democracia pelo facto de estes preceitos fundamentais de Karl Popper e de Stuart Mill estarem a ser esquecidos? Isso é um pouco difícil, no plano puramente conceptual, uma vez que eles estavam a defender esses preceitos em nome da democracia e contra os seus variados inimigos, à esquerda e à direita.
Talvez os ocidentais fizessem melhor em recordar — e, se possível, estudar —a tradição ocidental em que vivem e que os protege. Talvez pudessem dessa forma chegar a um conclusão relativamente simples: a culpa do terrorismo não é nem da democracia nem da “oligarquia capitalista” ocidental; a culpa do terrorismo é dos terroristas. Por isso devemos unir-nos no combate contra eles.