Vivemos em tempo de assombros: na semana em que o Leicester venceu a Premier League, Donald Trump garantiu que será o candidato do Partido Republicano à presidência dos EUA. Talvez no ano passado houvesse mais gente a admitir que o Leicester pudesse ganhar o campeonato inglês do que Trump a candidatura republicana. Pelo menos, o Leicester jogava no campeonato inglês, enquanto não era certo que Trump jogasse no campeonato republicano. De facto, em quase todas as grandes opções que identificam o conservadorismo americano, do Iraque à questão fiscal, Trump esteve do outro lado.

Para a maioria dos comentadores, o problema é a globalização. Trump seria apenas o meio através do qual uma parte do eleitorado americano reage contra uma elite de governo que em Washington parece sempre pronta, segundo Trump, para acolher os excedentes demográficos do México, financiar a industrialização da China ou pagar a defesa da Europa. Por vezes, o mundo cansa-se dos EUA: mas os EUA também estariam cansados do mundo. Trump seria o nome desse cansaço.

Trump seria ainda uma medida do fracasso de Barack Obama. Em 2008, esperou-se que Obama pusesse fim às divisões da América. Não aconteceu. Obama desprezou os consensos e abusou das prerrogativas presidenciais para ultrapassar o congresso. A polarização política nunca foi tão grande, nem mesmo no tempo de Bush. Trump aproveitou: seguindo a velha receita populista, explorou sem escrúpulos todo o tipo de fracturas e ressentimentos, e prepara-se talvez para adoptar a pose do líder forte e pragmático capaz de transcender dicotomias e impasses.

Tudo isso estará certo, mas não chega para explicar Trump. No Estado de Indiana, a campanha de Ted Cruz investiu 6 milhões de dólares; Trump gastou um milhão — e ganhou. Trump é um milionário, mas nestas eleições primárias, o dinheiro pesou menos do que os erros dos políticos e intelectuais conservadores que dirigem o Partido Republicano. O primeiro erro foi o modo como, na oposição a Obama, deixaram reduzir o conservadorismo a uma cultura de protesto, em que o combate passou a ser mais relevante do que as razões do combate. Trump, que é há muito tempo uma celebridade televisiva, teve a vantagem de parecer o brigão mais efectivo. O segundo erro esteve na tendência para menosprezar Trump. A liderança republicana viu o odiado Ted Cruz como o principal perigo; Cruz, pelo seu lado, julgou o simpático Marco Rubio o seu maior rival. Todos deixaram Trump à vontade, para descobrirem demasiado tarde que o Partido Republicano caíra nas mãos de um usurpador mais próximo de Vladimir Putin do que de Ronald Reagan.

A substituição do populismo demagógico como influência dominante na direita americana pode ser a grande história desta eleição. É como se a Frente Nacional, em França, tivesse finalmente ultrapassado os gaullistas. Provavelmente, não devemos excluir a probabilidade de estas primárias americanas virem, um dia, a ser encaradas como um marco na rearrumação política das democracias ocidentais.

E agora? E agora, estamos como há um ano: a inclinação é, outra vez, para subestimar Donald Trump. Quase toda a gente parece esperar uma versão americana das eleições de 2002 em França, quando os bem-pensantes, da esquerda à direita, se deram as mãos para repudiar Le Pen. Talvez. Mas é preciso contar com Trump e, já agora, também com Hillary Clinton. Clinton tem a possibilidade de ser o Chirac americano. Mas até agora, o paleolítico Bernie Sanders tem bastado para a fazer vacilar no seu pedestal. Ninguém como Clinton resume tão perfeitamente a soberba e a impostura da elite americana. É experiente, mas não estimada. As presidenciais de Novembro podem pôr frente a frente os dois mais impopulares candidatos de sempre. Já se terão acabado as surpresas deste ano? Bem sei que há muitas distrações, mas não percam de vista o que se passa na América.

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