O turismo é dos poucos sectores que corre muito bem a Portugal. Mas parece que muita gente não está satisfeita com isso. São uns chatos, os turistas. Não só têm o desplante de vir conhecer o país e deixar cá o seu dinheiro – há décadas eram as famosas “divisas”, que não tínhamos nos cofres para pagar as importações de petróleo – como ainda levam a arrogância ao ponto de serem utilizadores de coisas como tuk-tuks, de gostarem de experimentar a nossa comida em restaurantes e de precisarem de hotéis para dormir.

Perante um grande aumento da procura há pessoas ainda mais estranhas do que os turistas que se lembram de investir e fazer negócios para a satisfazer, criando riqueza e emprego para o país – e para algumas delas também, o que me parece totalmente legítimo quando feito de acordo com as regras e a lei.

Essa gente está a abrir hotéis um pouco por todo o país, sobretudo nas maiores cidades, que atraem mais visitantes, sucedendo-se a abertura de novas unidades e a promessa de outras.

E somos então chegados ao ponto em nos queixamos de uma coisa e do seu contrário. Lamentamos a nossa sorte quando a actividade económica cai ou é anémica, quando o investimento não aparece e quando a criação de emprego é uma miragem. Mas lamentamos igualmente o nosso destino quando alguns sectores mostram uma dinâmica nunca vista, quando se inova, se investe, se cria emprego e se desenvolvem negócios que levam os turistas a gastar mais dinheiro por cá.

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Olhando só para Lisboa, que conheço melhor por observação directa, já repararam na quantidade e qualidade de novos serviços na área do turismo, de novos restaurantes, tascas e cantinas para todas as bolsas e paladares e de novos sítios para se dormir, de hostels baratos a hotéis caros?

O problema, ouve-se a queixa, é que esses hotéis começam a ocupar “porta sim, porta sim” do centro histórico da cidade e da Baixa Pombalina. Não se trata de uma preocupação com a sustentabilidade desses projectos turísticos face a uma forte e crescente concorrência. Os seus promotores lá saberão fazer as contas para avaliar riscos e oportunidades.

O problema, diz-se, é que aquelas zonas da cidade vão ficar entregues aos turistas e, para que os hotéis cresçam, encerram-se lojas antigas que ainda sobrevivem por lá.

Durante décadas falou-se da desertificação de habitantes da baixa de Lisboa, da ausência de pessoas depois das 19h00, quando os escritórios e o comércio fechava, de como aquelas eram ruas fantasma durante a noite.

Durante essas mesmas décadas, entretivemo-nos a comprar apartamentos novos em bairros construídos de raíz na periferia, com boxes para os carros e elevadores com memória. Enquanto pedíamos o crédito e marcávamos a escritura de compra, íamos lamentando a falta de gente a viver no centro e a degradação dos edifícios.

Aos sucessivos governos sempre faltou a coragem para alterar a lei do arrendamento que manteve os contratos antigos congelados no ponto em que Salazar os tinha deixado.

Atirámos para cima dos proprietários a responsabilidade de suportar uma política social de habitação, para quem dela precisava – as pessoas de mais baixos rendimentos – mas também para todos os outros – aqueles que, mesmo podendo pagar muito mais, foram aproveitando rendas de poucas dezenas de euros.

Agora que os edifícios precisam de reabilitação urgente e que os proprietários precisam de aumentar as rendas para rentabilizar as obras, achamos que eles não podem entregar os imóveis a quem as pode suportar e pagar.

Nos centros das nossas cidades podemos hoje fazer uma visita guiada ao resultado de décadas de políticas públicas erradas, incentivos perversos e medidas cobardes. O Estado deu benefícios a quem comprava com empréstimo e a quem construía de novo enquanto maltratava quem queria reabilitar ou fazer um novo arrendamento.

Com isso, atirou as pessoas para fora da cidade mas manteve “ligado à máquina” muito comércio que só se foi aguentando porque pagava rendas muito baixas, desincentivando a sua modernização. Este óptimo trabalho do Observador faz disso um bom retrato.

As mesmas lojas que durante décadas ignorámos olimpicamente, porque não estão abertas nos horários que mais nos convêm, porque não encontramos lá a mesma diversidade de produtos de um centro comercial e cujo nome, na maior parte dois casos, só agora lemos no anúncio de encerramento, tornam-se agora alvo da comoção pública.

Esta é uma era de indignação fácil, em que queremos tudo aos dias pares e o seu contrário nos dias ímpares. Mas temos que perceber que as políticas públicas erradas têm um custo mais cedo ou mais tarde. E entre ter uma baixa deserta, como esteve nas últimas décadas, ou cheia de turistas, como agora começa a estar, é claramente preferível esta última.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com