Resolvi escrever-lhe esta carta num momento em que enfrenta o seu maior desafio. Está a lutar pela sua vida. Infelizmente, pelas notícias que nos chegam, será uma luta muito difícil. Talvez seja uma carta de despedida, mas se há um político em Portugal que mereça uma despedida é o senhor. Vou ser muito franco. Nunca votei em si, nem no PS de resto. Devo confessar que se soubesse o que sei hoje, teria votado em si nas primeiras presidenciais a que concorreu. Mas a verdade é que não votei.
Ao contrário do senhor, não sou socialista. Sou de direita, liberal e, cada vez mais, conservador. Também não sou laico. Acredito em Deus e recebi uma educação Católica. Por fim, embora não seja um monárquico militante (longe disso), admiro mais a monarquia constitucional britânica do que o republicanismo francês. O senhor formou-se na cultura francesa, eu recebi uma educação anglo-saxónica. Somos assim, culturalmente, de duas pátrias diferentes.
Desde o início deste século, discordei quase sempre de si em todas as questões importantes. O seu anti-americanismo irritou-me frequentemente. Discordei de si em relação à guerra do Iraque (mas reconheço agora que o senhor estava certo). Nunca entendi a sua antipatia por Blair e a terceira via. Nem o seu entusiasmo pelo regime de Chavez na Venezuela (e aqui o senhor estava errado, como se vê, olhando para Caracas). Também achei as suas críticas à União Europeia nos últimos anos erradas e injustas.
Apesar de tudo isto, admirei e admiro as suas qualidades políticas. Os seus instintos políticos são admiráveis. Quem aprecia a política no seu estado mais puro, como Max Weber explicou no seu texto sobre a política como vocação, mesmo discordando das suas ideias, tem que admirar os seus talentos. Os seus debates com Cunhal ficarão para a história. A sua campanha contra Freitas do Amaral foi extraordinária, transformando uma derrota quase certa numa vitória improvável. Lembro-me que o ouvi um dia numa conferência sobre a adesão da Turquia à União Europeia, na presença do embaixador turco em Lisboa e de outros políticos turcos. A certa altura, disse que estava convencido que um dia veria a Turquia na União. Todos sabíamos que estava errado, mas isso foi um pormenor. O que interessou foi o modo como falou. O senhor era um lutador incansável, com uma coragem impar, sempre pronto para qualquer combate, cheio de orgulho nas suas ideias e nas suas convicções. Admiro isso, sobretudo a coragem. Digo mais, quem me dera que houvesse em Portugal um político de direita que dissesse, sou conservador, liberal e de direita, com o mesmo orgulho com que o senhor se afirmava de esquerda.
Mas além das suas qualidades políticas, tenho uma uma enorme gratidão em relação a si. O senhor lutou pela liberdade e pela democracia pluralista no nosso país. E ganhou. Derrotou os comunistas, a maior ameaça à liberdade em Portugal nos anos de 1970. O senhor percebeu o essencial num momento crítico da nossa história recente. Só me custa ver o seu partido de sempre atraiçoar a sua herança. Talvez seja uma coincidência triste, mas a verdade é que o senhor deixou de falar em público desde que a geringonça subiu ao poder. E esse silêncio foi notado.
O senhor foi sempre um homem livre. Na minha opinião esteve muitas vezes errado. Mas foi sempre livre. Sempre admirei isso em si. E só os homens livres lutam pela liberdade com todas as suas forças. Desconfio que há muita gente na direita que não gosta de si porque foi o senhor que liderou a luta pela liberdade contra os comunistas. Mas se hoje posso ser de direita com toda a liberdade deve-se ao combate que o senhor liderou. O senhor permitiu-me ser livremente de direita. Ficarei sempre grato.