Diz a esquerda fracturante que o aquecimento global é uma evidência dos nossos tempos – e só alguém cego e pleno de má-fé poderia pôr em causa o que é evidente. É este o ponto de partida para qualquer debate sobre o assunto, que tem como cenário uma previsão apocalíptica quanto ao futuro do planeta. E com uma causa simples de identificar: a poluição causada pelo homem. Ou seja, o aquecimento global é resultado directo da acção humana, nomeadamente de um modo de vida ligado ao ócio, ao individualismo e ao consumo. Em suma, ao capitalismo. Foi esta a convicção que dominou o debate público e, durante anos, foram raros os que se atreveram a desconfiar. Até porque, como sempre nos relembravam, nunca se tratou de uma questão de opinião ou de visão política, mas de ciência – isto é, de factos incontestáveis e, consequentemente, de evidências.
Só que, recentemente, as evidências deixaram de ser evidentes. De acordo com um artigo publicado na reputada revista “Science”, o aquecimento global estagnou no início deste século e, tudo indica, assim permanecerá até cerca de 2030. Isto apesar do aumento das emissões de gases com efeito estufa – ou seja, isto apesar da acção humana –, sendo o oceano Atlântico a (provável) principal explicação para o fenómeno. Ora, a descoberta é particularmente relevante, por duas razões principais: mostra como é complexo o equilíbrio de factores que têm influência sobre o clima (e como sabemos pouco acerca desse equilíbrio), e mostra que a acção humana não é o factor dominante nessa relação. Dito de forma simples, a conclusão é que, por mais que tantos o desejem, o homem não controla o clima.
De facto, acreditar no contrário foi sempre demasiado fácil. Essa relação de causalidade entre a acção do homem e o clima impõe uma visão do mundo que nos é querida: a de que o homem é a razão e a causa de tudo. Da mesma forma que, na idade média, se acreditava que tempestades e terramotos eram castigos divinos pelos pecados humanos, hoje há quem identifique num furacão a consequência directa da exploração petrolífera. A ciência substituiu a religião, mas o raciocínio manteve-se – continuamos a acreditar que tudo depende só de nós.
Mas mais do que fácil, foi útil acreditar. Politicamente útil. Porque o que verdadeiramente interessa é o carácter político da alegada relação causal entre a acção humana e o clima. Essa não foi um acidente, foi deliberada. E não foi imposta pela ciência, foi mesmo uma opção ideológica. Para alimentar os activismos e moralizar debates. Para fixar o modo de vida ocidental como raiz da ameaça à sustentabilidade do planeta. Para impor como solução a ruptura com esse modo de vida. Para, no fundo, fazer do aquecimento global o alibi para legitimar a luta contra o capitalismo e a defesa do socialismo. Durante décadas, funcionou. Manifestos, protestos, agendas fracturantes. Houve de tudo. Agora, está na hora de virarmos a página.
Olhando para trás, é de certo modo chocante verificarmos que tanta gente tenha escolhido acreditar numa relação de causalidade tão fragilmente demonstrada em termos científicos. Sim, porque a questão-chave nunca foi reconhecer que há aquecimento global ou que a acção humana pode contribuir para o efeito estufa (isso está efectivamente demonstrado), mas sim o estabelecer de uma relação causa-efeito entre a acção humana e esses fenómenos climatéricos. Esse salto lógico, que nunca foi devidamente sustentado, foi rápida e acriticamente aceite. Confirmou-se a regra: uma boa mentira, para ser credível, tem de ter uma ponta de verdade.
Obviamente que nada disto significa que o ambiente não deva ser cuidado ou que, perante estas descobertas, ganhámos o direito de esburacar a camada de ozono à nossa vontade. Nada disso. O que está em causa é uma dupla lição. A de que o homem não controla tudo. E a desta importante derrota política. A de uma corrente ideológica que usou a ciência para esconder o seu radicalismo contra o capitalismo. Pela ciência se ergueu. Pela ciência caiu.