1. Tratou-se sempre dele, primeiro ponto, primeira constatação. Não havia equipa, nem núcleo duro, nem colectivo, nem “conselheiros”, ou se havia estavam nos bastidores, a bom recato. Assim mandava a estratégia previamente delineada por Rui Rio e pode ver-se nisto um sinal de autoridade, vaidade, solidão, prudência mas o que é facto é que esta escolha de actuação, de certo modo o ampliou: era ele, para o bem e para mal. Percorreu o país “do” PSD praticamente sozinho ou na companhia de meros funcionários, dispensou quase sempre caras e nomes ao seu lado, num frente a frente com o PSD há muito adiado e nem sempre pelas melhores razões. Agora ficou feito, está assinado por baixo, terá data de Fevereiro mas o pano já subiu sobre o mais tenso e denso dos actos da peça (e muitas contas serão pedidas ao novo líder pelo seu o sucesso ou não, do seu epílogo) Até aqui a campanha, embora certamente exaustiva como costumam ser, foi um passeio profissionalmente bem aberto por caciques recrutados a dedo, porque sabiam o que faziam.Também a próxima escolha de equipas, nomes, listas, substituições — tarefa que ciclicamente galvaniza a media, deslumbra os escolhidos e revolta os expatriados – exigirá apenas do novo líder critério e equilíbrio entre a urgência de mostrar autoridade e a recusa de que ela se confunda com uma (prometida) purga ou com o desejo de sangue por parte de oligarcas ressentidos. O resto é o “depois” e o depois é tudo.

2. Conhecem-se alguns traços do personagem: sólido economista, escasso currículo político, gelada intransigência, autoritarismo cortante, convicções, seriedade de aço, algumas hesitações em momentos cruciais; poucos amigos. E depois, uma manifesta preferência por uma espécie de “fechamento” à palpitaçao da vida, como se houvesse nele uma vontade de distância do mundo e dos seus vários universos; uma sempre expressa relutância face a Lisboa desprezivamente tratada de “corte”que nos lembra os “cubanos” de Alberto João Jardim e será sempre mais nefasta para o próprio Rio do que para quem o ouve denegrir Lisboa e lisboetas. E claro, o rigor com as contas.

O que num país permanentemente endividado e sobrevivendo à custa do oxigénio do Estado, evidentemente se estranha e simultaneamente se saúda. (Não terá sido por acaso que Cavaco Silva conversou com Rui Rio algumas vezes nos últimos meses).

Tudo isto que é apenas uma parte das coisas vem adubado politicamente de alguns temas desde sempre eleitos pelo novo líder da oposição (justiça,contas publicas, regime, media) mas não sempre — ou quase nunca — evocados com felicidade ou sequer sensatez.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Desde que faço jornalismo, há uma eternidade, que se diz e se escreve (às vezes eu também, mea culpa) que os programas dos sucessivos candidatos são pobres, inócuos, vazios, sem “nada de novo”, e as suas moções de estratégia, idem. O que não é inteiramente verdade nem foi o caso com Santana Lopes e com Rui Rio, o problema deles foi outro. Telmo Faria liderou com acerto e empenho a equipa de Santana onde houve muito trabalho de casa, e Rio sugeriu pistas de actuação e defendeu um perfil de actuação política numa eventual liderança do país. O (inconcebível) problema deles foi terem-se deixado enredar num (ronceiro) carrocel de faits divers e enlear na recordação acusatória de dispensáveis episódios.

Depois houve o tiraço no pé daquele anúncio-bomba de bondosa disponibilidade para um Bloco Central, ainda hoje para mim um mistério, pesem embora as sábias “explicações” publicadas por colegas e amigos. Aliás quer-me parecer que a (fatal) promessa de casamento de Rui Rio teve peso e sedutora influência na militância laranja: sentiram-se logo convidados para o banquete. Não é verdade que mais vale um resto do bolo, do que bolo nenhum? Em nome do país, claro está e dos superiores interesses da pátria.

3. Se os únicos desafios interessantes são os “impossíveis” não haverá mais adequada ferramenta política do que a “impossibilidade” para ressuscitar o dantes potente motor do PSD. Não é contudo preciso ser original, nem vai ser necessário “reinventar” como recomenda licealmente o Presidente da República, é só preciso fazer o que falta e que é urgente. Breves mas elucidativos exemplos que distintamente marcam uma desejável fronteira: governar Portugal atendendo a todos e não previlegiando apenas umas classes; ocupar-se dos portugueses em vez apenas do funcionalismo público; olhar para o Estado e exigir-lhe um funcionamento sério, responsável e “accountable”, irradicando de vez a habitual irresponsabilidade de sempre. Tomar cuidado com a embriaguez do turismo — vejam-se os modestíssimos salários que produz — e subir antes o “investimento” nas empresas exportadoras, parte de leão da nossa economia; contas públicas saudáveis mas não à custa de cativações, sempre semi-disfarçadas, sempre prejudiciais ao cumprimento das responsabilidades do serviço publico; menos apelos ao consumo e promoção da poupança e da sua remuneração.

4. A oposição é um deserto inóspito. E quando o povo está feliz como nos dizem ser o caso, o deserto torna-se inabitável: ninguém lá quer estar. Temos os olhos e a memória cheia de pequenas e médias traições, infidelidades, abandonos, dessas travessias dos desertos oposicionistas. Se o PSD enveredar por escolhas mais adequadas à nossa realidade e às suas circunstâncias em vez de alinhar na semi-ficção do país das maravilhas onde nos garantem que vivemos — um Estado falido e inoperante, prioridades trocadas na economia e apenas meio país a ser tido em conta — já estará a ser “diferente”. Melhor.

É assim que nasce uma alternativa.

5. Isto dito, convinha um pouco mais: que quer o novo líder da oposição do seu país? Que propósito e que destino? Quer fazer o quê com os portugueses, desafiá-los para que marcos?

E já agora… como olha ele a Europa, o mundo, a guerra e a paz, Trump ou Putin, a China ou a Turquia, a partir do Porto? Que lhe ouvimos sobre a UE e a espécie de viragem/mudança que lá está em curso? Qual a sua opinião sobre o que a nova coligação alemã acaba de propor à mesma UE? Numa palavra, como entende as prioridades, o significado, o lugar de Portugal no tabuleiro da política externa?

Dir-me-ão que é cedo, o tempo se encarregará de tornar clara a, digamos assim, visão externa do PSD. Eu direi que o que se estranha é ter de perguntar por ela.

6. O que acima escrevi em nada colide com o que aqui deixei na última semana e repito hoje: não tenho por onde – nem porquê – excluir que não possa haver boas iniciativas na próxima liderança do PSD. Além de que admiro sempre quem se desinstala ao ponto de galopar uma campanha eleitoral como foi o caso com Santana Lopes e Rui Rio. Um perdeu, o outro ganhou. Vitória de desfecho incerto? Incertíssimo. Sucede porém que conheço poucas moradas onde a surpresa possa ser tão pródiga como a da política.