Pessoalmente, tenho vindo a evitar este tema, mas um artigo recente de Rita Dinis baseado nas eleições legislativas de 2011, obriga-me a pronunciar-me mais cedo do que pensara acerca da coligação que o PSD e o CDS decidiram apresentar às próximas legislativas. Claro, ainda terei tempo de voltar ao tema, mas é preciso dizer imediatamente que o artigo em questão, sendo um exercício aritmético interessante, pode prestar-se a interpretações enganadoras no plano político.

No seu exercício, a autora aplica a «lei» segundo a qual o partido (ou coligação) mais votado tende a ser beneficiado pelo método de conversão dos votos em mandatos adoptado pelos constituintes de 1976 a partir do jurista belga oitocentista Victor D’Hondt. E daí deduz ela que o PSD e o CDS, caso se tivessem apresentados coligados em 2011, teriam ganho cinco deputados mais… Talvez, mas nada permite transportar essa conclusão para o plano político, quer no passado quer sobretudo no futuro.

Como é sabido, o sistema eleitoral português é dos mais proporcionais da actualidade, mas não a cem por cento, pois combina o número de deputados, que já variou no tempo, com a votação por círculos de dimensões muito desiguais. Apesar da aparente proporcionalidade, a verdade é que as eleições regionais de 1996 nos Açores, onde há um círculo por ilha (o Corvo elege dois deputados para poucas centenas de eleitores), estiveram a pontos de ser ganhas pelo PSD com menos votos do que o PS… Felizmente isso não aconteceu, pois são raros os sistemas tão desproporcionais como o britânico, onde o vencedor de duas eleições legislativas posteriores à 2.ª Grande Guerra ganhou efectivamente com menos votos do que o seu adversário principal. Por feliz coincidência, uma vez ganharam os Conservadores, outra os Trabalhistas…

Em Portugal, a desproporcionalidade do sistema é pequena mas permite, com efeito, que um partido (ou coligação) possa chegar à maioria absoluta dos deputados (116) a partir dos 45% dos votos ou talvez até menos, conforme os resultados nos círculos distritais. Todavia, se é verdade que o PS alcançou a maioria absoluta em 2005 com 45% do voto popular, já em 1999 o mesmo PS só obteve metade dos deputados com idênticos 45%, daí o famoso deputado do «queijo limiano» já então angariado, por sinal, ao CDS!

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Mas, para que tal suceda, é preciso que a «coligação» seja pré-estabelecida e não é adequado, politicamente, adicionar os votos de dois partidos que concorreram sozinhos em 2011. Portanto, o exercício, por mais curioso que seja, não tem validade para a coligação pré-anunciada entre o PSD e o CDS para este ano. Com efeito, há quem ainda não tenha decidido sequer se foi boa ou má a ideia de Passos Coelho se aliar a Paulo Portas, sobretudo para quem não se esqueceu da «irrevogável decisão» deste último de se demitir de ministro em 2013, abrindo assim a porta à queda do governo PSD+CDS e, muito provavelmente, naquela altura, à vitória do PS em eventuais eleições antecipadas.

É legítimo especular, neste último caso, se o líder do CDS não estaria disponível para compor uma «maioria absoluta» com António José Seguro, o qual, a confirmarem-se estes desenvolvimentos, seria hoje talvez primeiro-ministro pelo PS e Portugal estaria a fazer companhia à Grécia num segundo ou terceiro resgate… Se aquilo que o PSD pretendeu, ao coligar-se agora formalmente com o CDS, foi evitar algo semelhante, desta vez com António Costa, pois o PS já se aliou ao CDS mais de uma vez no passado, não é certo que a formalização da coligação seja suficiente para impedir que a iniciativa de 2013 ainda venha a funcionar em 2015…

Em todo o caso, é muito provável que o PSD (e o próprio CDS), ao coligarem-se, esperem maximizar o método D’Hondt a fim de a coligação ganhar alguns assentos parlamentares que lhe fugiriam se concorressem separados. Porém, também acredito que a formalização da coligação não é neutra e já vi mais de um comentador escrever que votaria de bom grado em Passos mas não em Portas. Ou seja, se é possível que a coligação ganhe um ou outro deputado, sobretudo em círculos de pequena dimensão do Norte do país, graças ao chamado método d’Hondt, por outro lado não é de excluir que a aliança do PSD com o PP desagrade a muitos demo-liberais de círculos como Lisboa e Porto.

Neste caso, o mais provável é que alguns votos PSD fujam para a abstenção, a pior conhecida das variáveis mas talvez a maior fatia do eleitorado. E por razões genuinamente políticas. Como sabemos há mais de a década e meia, a abstenção na Europa tem vindo a tomar a forma estatística de uma «curva em U», segundo a qual os abstencionistas são hoje uma mistura de eleitores alheados da política com uma percentagem crescente de «cidadãos críticos», ou seja, eleitores qualificados que não estão disponíveis para votar em «males menores».

Ora, se o país não avançou com as reformas que deveria ter feito na última legislatura, isso ficou a dever-se à inércia desse conservadorismo extremo que caracteriza o CDS, sobretudo a sua facção dita populista, encabeçada por Portas, em quem os eleitores que crêem nas reais vantagens para o país da desestatização da vida política, económica e social têm muita relutância em votar. Veremos como evoluirão as coisas.