A história é implacável: depois de tudo o que se passou em Portugal, o nosso futuro pode ser definido na Grécia.

Entendamo-nos.

Portugal não é a Grécia, tal como não é a Irlanda.

Cada um dos países assistidos é, como as famílias infelizes de Tolstoy, um caso à parte.

Portugal não é a Irlanda porque não conseguiu aproveitar da mesma maneira a integração europeia e a globalização. A Irlanda ascendeu de país mais pobre da CEE, a um dos países mais ricos da UE. Portugal, sempre enredado na herança do PREC, que o tornou dependente de um sistema rígido de baixos salários, estatismo e poderes dominantes, parou praticamente de crescer desde o fim do século XX. No entanto, nenhum dos dois países escapou às perversões do dinheiro barato do Euro: no caso da Irlanda, alimentou uma enorme especulação bancária; no caso português, uma montanha de dívida pública e privada. Sob assistência externa, finalmente, o governo português desejou que Portugal fosse outra Irlanda, capaz de uma “saída limpa”.

Portugal não é a Grécia, porque produziu uma maioria parlamentar estável para executar o programa de assistência. Ao contrário do Estado grego, o Estado português recuperou o crédito e começou a financiar-se nos mercados aos juros mais baixos da sua história. Mas tal como na Grécia, também aqui o ajustamento não foi necessariamente além do equilíbrio da balança de pagamentos e da diminuição do défice público. Eram objectivos fundamentais, mas que foram alcançados através do imposto e do abatimento da procura interna e do investimento. Muita coisa mudou em Portugal. Caíram algumas antigas empresas dominantes e há uma nova ênfase nas exportações de bens e serviços. Mas o contexto não se tornou muito mais favorável ao investimento e ao trabalho. Por outro lado, os limites do ajustamento numa zona de câmbios fixos impediram que, como no passado, o que foi feito bastasse para estimular a economia. A recuperação será lenta. Em Atenas, isso aproveitou ao Syriza e aos seus aliados de extrema-direita. E aqui, pode aproveitar a oposições que, neste momento, pretendem que Portugal seja outra Grécia.

É por isso que o nosso destino pode estar nas mãos dos gregos. Durante quatro anos, as oposições argumentaram que o ajustamento era desnecessário, e que bastaria exigir mais dinheiro à UE. E o governo argumentou que, pelo contrário, o ajustamento era urgente, e que a UE nunca aceitaria outras condições.

Até à vitória do Syriza, não havia modo de testar estes contrafactuais. Agora, há. Se a Alemanha e os países do norte cederem ou parecer que cedem à chantagem grega, António José Seguro, António Costa, o PCP e o BE vão dizer que tinham razão, e que a austeridade poderia ter sido evitada, se Passos tivesse a atitude de Tsipras e Gaspar o estilo de Varoufakis.

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Pelo contrário, se Tsipras for derrotado ou parecer que foi derrotado, Passos há-de alegar que Seguro, Costa e os outros estiveram sempre errados e que por outro caminho teríamos encontrado ainda mais pedras, cardos e urtigas.

Ou seja, o debate das nossas eleições legislativas deste ano pode ser decidido na Grécia. O que é pena, porque estaremos assim a escapar à questão principal, que é a de saber como queremos viver: numa democracia pluralista com uma economia aberta integrada numa UE de democracias pluralistas com economias abertas? Ou de outra maneira?

É que Tsipras não é apenas aquele rapaz sem gravata que não queria pagar a dívida grega. Tsipras é o líder da esquerda radical que não hesitou em aliar-se à extrema-direita xenófoba e que elogia a Venezuela de Chávez, onde a oposição está na prisão e as prateleiras estão vazias, como um “modelo” para a esquerda.

Por enquanto, tudo ainda parece apenas uma questão de mais transferências do norte para o sul, e há quem, em conformidade, confie na capacidade de Bruxelas para, como em tantas outras ocasiões, cozinhar um qualquer arranjo. Mas na guerra da Ucrânia, a Grécia de Tsipras já se encostou à Rússia de Putin, que tem retribuído o carinho. Putin é um autocrata que, tal como Tsipras, junta os aplausos da direita nacionalista e da esquerda radical. O que é que Tsipras vai fazer na Grécia? Ninguém sabe. Propõe-se debelar a “corrupção” e a “evasão fiscal”. Pode ser um princípio de saneamento, mas na Rússia de Putin tem sido um pretexto para perseguir adversários políticos. Talvez a zona Euro possa incluir um pequeno país desregrado; mas poderá a UE albergar uma mini-Venezuela aliada a Putin?

A integração europeia tem sido um meio de diluir as escolhas políticas fundamentais em questões técnicas, como as da moeda única ou, agora, a do endividamento. Tsipras e Varoufakis sorriem com os outros ministros europeus, como se todos quisessem a mesma coisa, divergindo apenas nos meios de a alcançar. Não querem. Mas a integração europeia vista como fim em si, e o “respeito pela decisão do povo grego” não permitem que isso seja discutido. Mais do que a suposta perda de soberania, o que mais aflige na actual UE é a aparente perda de clareza política.