A aliança com a Alemanha marca a política externa da democracia portuguesa e o PS foi tradicionalmente o partido português mais “pró-germânico.” Aliás, a Alemanha tem mesmo um lugar especial na história dos socialistas, visto que o partido foi fundado em terras germânicas. Entre 1974 e 1976, a proximidade entre o PS e os sociais-democratas alemães, o SPD, foi fundamental para o triunfo da democracia em Portugal. É impossível dissociar o “Mário Soares democrata ocidental” das ligações socialistas à Alemanha.
Quando Portugal aderiu à Comunidade Europeia, o PS era muito mais o “partido alemão” em Portugal do que o PSD. No início do seu consulado como primeiro-ministro, Cavaco Silva sentia-se mais próximo de Londres e de Thatcher do que de Bona e de Kohl. Com o tempo foi mudando até transformar as relações com a Alemanha e com a Comissão Europeia (de Delors) os pilares da política europeia de Portugal. Com a “germanização do PSD”, a proximidade à Alemanha tornou-se num dos consensos centrais da política externa portuguesa.
Os governos de António Guterres foram fieis ao consenso, primeiro ainda com Kohl e depois com Gerard Schroeder com quem o então primeiro-ministro português estabeleceu uma boa relação. Era os tempos em que a “Terceira Via” de Blair, Schroeder e Guterres conquistavam a social-democracia e o socialismo europeus. Na altura, o governo socialista era de resto bem mais próximo de Londres e de Berlim do que de Paris. E o primeiro-ministro Durão Barroso conseguiu passar pela Cimeira dos Açores e pela Guerra do Iraque sem afectar a relação especial com a Alemanha.
Apesar da proximidade histórica, os governos de Sócrates conseguiram reforçar ainda mais as relações com a Alemanha. Houve dois momentos marcantes. O primeiro foi durante as negociações do Tratado de Lisboa. A Alemanha foi sempre a grande defensora do novo Tratado – o que se entende porque em grande medida reforçou o seu poder no interior da União Europeia. Foi o governo alemão que iniciou as negociações durante a sua Presidência na primeira metade de 2007. Na segunda metade do ano, a Presidência portuguesa concluiu as negociações e assinou-se o Tratado de Lisboa, em Dezembro de 2007.
Na altura, trabalhava com Durão Barroso em Bruxelas e assisti ao modo como as relações entre Merkel e Sócrates se tornaram próximas e mesmo calorosas. Se compararmos as negociações do Tratado de Lisboa a uma estafeta, Merkel passou o testemunho a Sócrates que depois o levou até à meta. Em termos geopolíticos, podemos dizer que o governo de Sócrates concluiu o processo institucional que consagrou o poder da Alemanha na Europa. Manteve-se fiel à tradição diplomática desde 1974 e beneficiou o país com a proximidade com a principal potência europeia.
O segundo momento foi durante as negociações dos vários PECs no final do último governo socialista. Merkel foi um dos grandes apoios com que Sócrates contou na União Europeia. De tal modo que os alemães ficaram furiosos quando Passos Coelho votou contra o PEC IV provocando a dissolução parlamentar.
A aliança entre Sócrates e Merkel teve ainda um significado histórico importante. Tirando o breve período em que Guterres e Kohl coexistiram à frente dos respectivos governos, foi a primeira vez que líderes de famílias políticas diferentes estabeleceram uma relação tão próxima. Até aí, as colaborações entre Soares e Helmut Schmidt, Cavaco e Kohl, e Guterres e Schroeder, tinham sido entre líderes das mesmas famílias políticas.
O governo de Passos Coelho limitou-se a continuar a tradição da diplomacia portuguesa na Europa desde o 25 de Abril. Tal como os seus antecessores em São Bento, esta política tem beneficiado Portugal. Aparentemente, a reboque do Bloco de Esquerda e do PCP, há dirigentes do PS que agora atacam a proximidade à Alemanha – e alguns em termos bem radicais. Convinha saber qual é a posição de António Costa. Estaria um futuro governo socialista preparado para provocar uma ruptura na política europeia portuguesa, afastando-se da Alemanha? Se não defende a ruptura, por que razão os socialistas atacam a proximidade do actual governo a Berlim e qual seria a alternativa socialista para uma relação bilateral próxima?