Enquanto se vai impondo a ideia de que a primeira vítima do «Brexit» – a confirmar-se a saída da Inglaterra, pois nem isso é dado como certo – será o próprio Reino Unido, os euro-cépticos estão a descobrir que o resultado do referendo inglês terá sido mais desfavorável do que encorajador para movimentos similares, como a Frente Nacional francesa e quejandos. Por seu turno, a repetição das eleições legislativas em Espanha, bem como o processo de formação do próximo governo, tendem também a confirmar uma certa tendência para o recentramento eleitoral e político na UE. Tal tendência nem sempre é reconhecida e não se pode ser dada por certa. Não há dúvida, porém, que as eleições espanholas do mês passado representaram sobretudo o acantonamento dos partidos extremos, sejam ideológicos ou separatistas, perante os partidos com vocação para continuar a aplicar as políticas europeias, nomeadamente as políticas associadas à consolidação da moeda única como base da construção da UE.
Algo de semelhante poderá verificar-se em breve em Itália quando for chamada a votos no referendo convocado para Outubro próximo, caso a opinião pública italiana escute a voz da UE, nomeadamente no que diz respeito à questão bancária, segundo linhas que explicam muito do que se está a passar em Portugal sem que o nosso governo se aperceba que está a pisar ramo verde, tanto a propósito das sanções relativas ao défice do ano passado como da intervenção estatal na Caixa Geral de Depósitos. Por paradoxal que pareça, o «Brexit» obriga a reforçar – e não a abrandar – as regras do «euro» perante qualquer ameaça à construção europeia.
Neste quadro, o aumento da votação do PP em Espanha em detrimento de todos os outros partidos é tanto mais significativo quanto as acusações de corrupção contra o PP não abrandam e por bons motivos. Provavelmente, só essas acusações impediram o PP de obter de novo a maioria absoluta perante o risco de o PSOE ceder à chantagem populista do Podemos, definitivamente aliado ao que resta do velho PC. O próprio Ciudadanos, tipicamente orientado ao centro, resiste a apoiar o PP depois das críticas que fez à corrupção. As sondagens mostram aliás que, no caso de Mariano Rajoy renunciar a liderança do PP em favor de outro líder, o problema imediato da constituição de um governo de centro-direita estaria resolvido. Pessoalmente, desde o início deste longo interregno, fiz a mim mesmo essa pergunta, mas em Espanha ninguém explica por que motivo o PP não se desembaraça de Rajoy e, mesmo assim, o partido mantém «chances» de continuar a governar e de afastar os riscos de descentramento das políticas monetárias!
Dito isto, a resolução do interregno governativo espanhol, que não deixará de agravar a situação da Grécia e do nosso próprio governo com as suas tergiversações, ficará mais a dever-se à opinião pública do que ao rígido comportamento e às ideologias controversas dos partidos. Com efeito, embora os eleitores que participaram nas últimas eleições tenham votado de forma semelhante à do ano passado, não só a opinião pública quer ver um governo tomar posse como aceita a ideia de o PP continuar no poder.
Segundo as sondagens, apesar de 70% da população preferir que Rajoy renunciasse à liderança, 73% dos votantes do PSOE apoiam a abstenção do seu partido a fim de viabilizar um governo do PP; o mesmo se passa com os votantes de Ciudadanos e até com 50% de Podemos, que preferem um governo de Rajoy do que repetir uma vez mais as eleições. Depois deste interregno, a estabilidade e o recentramento das políticas têm neste momento a aceitação da grande maioria da população.
Os órgãos dirigentes do PSOE já perceberam isso, assim como os de Ciudadanos, e deram indicação ao líder do partido, Pedro Sánchez, cujos resultados eleitorais têm sido os piores de sempre, para viabilizar o governo de Rajoy mediante algumas reformas constitucionais, entre as quais avulta a reforma eleitoral, a fim de tornar mais proporcional a fórmula de transformação dos votos em número de parlamentares entre os partidos mais votados e os menos votados. Podemos e os partidos independentistas não se absterão no parlamento mas os seus votos não são necessários para viabilizar o governo PP.
O problema é, pois, muito mais de Pedro Sánchez, eleito pelas chamadas «bases» contra as lideranças tradicionais, do que do PSOE. O radicalismo de Sánchez é o resultado inevitável daquele género de eleições primárias, que pouco ou nada tem que ver, aliás, com as «primárias» dos Estados Unidos… Esse tipo de populismo em que se enredou Sánchez, como António Costa quando se aliou à «esquerda» para chegar ao governo e como o próprio Renzi em Itália, só pode atar as lideranças partidárias a promessas de comício e ambições de poder que não fazem sentido numa grande união de concertações e de interesses geo-políticos e sócio-económicos como a UE. Quem quer a União Europeia não quer o populismo e vice-versa!